O "preço" da fé

Características da Teologia da Prosperidade

Confissões negativa e positiva
"Tais confissões já foram brevemente mencionadas quando se falou dos movimentos e seitas nos Estados Unidos, difundidos por Kenyon e Hagin. Para que a confissão positiva se concretize, segundo a teoria, basta o indivíduo ter fé e pedir o que precisar que o obterá; para que a negativa tome forma, é necessário somente negar a existência do que não se quer ter ou não se quer que aconteça. Benny Hinn (2007), inclusive, sustenta “As dez condições para a oração respondida”, que são:

1. tenha a fé de Deus; 2. diga o que você quer; 3. não limite Deus; 4. recuse duvidar; declare o que você acredita; 5. acredite que o que você pede será dado; 6. acredite que está concedido; 7. seja impositivo; 8. acredite que o que você diz na oração é a vontade de Deus; 9. nunca diga “se” quando Deus o prometeu; 10. tenha um coração e uma vida limpos com Deus e com o homem.

Benny Hinn (1991, p. 295), outro arauto da Teologia da Prosperidade, diz:

Nunca jamais, em tempo algum vão ao Senhor e digam: “Se for da tua vontade…” Não permitam que essas palavras destruidoras da fé saiam da boca de vocês. Quando vocês oram “se for da tua vontade, Senhor” a fé é destruída. A dúvida espumará e inundará todo o seu ser. Resguardem-se de palavras como essas, que lhes roubarão a fé e os puxarão para baixo, ao desespero.

Diferentemente do que foi dito anteriormente, o orador da Igreja Internacional da Graça de Deus, dono da editora que propaga os livros em português de Hinn, diz:

“Deus vai me fazer muito rica…” nunca faça esse tipo de declaração… se for da vontade de Deus que você seja uma pessoa rica… ele fará… se for da vontade de Deus que você seja uma pessoa famosa… ele fará… mas deixa a vontade dele prevalecer na sua vida… não tome nenhuma iniciativa…

Porém, esse líder nem sempre considerou esse assunto dessa maneira. Em O Direito de Desfrutar Saúde ([198-?], p. 11, 31), R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, diz exatamente como Benny Hinn:

Usar a frase “se for a Tua vontade” em oração pode parecer espiritual, e demonstrar atitude piedosa de quem é submisso à vontade do Senhor, mas além de não adiantar nada, destrói a própria oração. […] Você deve exigir o cumprimento do seu direito imediatamente e, logicamente, ficar curado.

O excerto deixa clara a idéia de Soares sobre a confissão positiva, o que torna suas profissões, a princípio e sincronicamente, contraditórias. Tendo sido proferidas as duas idéias em clara diacronia, visto que a obra é da década de 1980 e as palavras gravadas de 2007, é provável que o pregador esteja mudando sua visão teológica sobre a prosperidade, ou, ao menos, o modo como apresenta o discurso em relação a ela.

Saúde
A saúde é um assunto que se insere no âmbito das promessas da doutrina da prosperidade. Hagin (1987, p.18-20) diz que

As doenças e as enfermidades não são da vontade de Deus para o Seu povo. […] Não é da vontade de Deus que fiquemos doentes. Nos dias do Antigo Testamento, não era da vontade de Deus que os filhos de Israel ficassem doentes, e estes eram servos de Deus. Hoje, somos filhos de Deus. Se Sua vontade era que nem sequer Seus servos ficassem doentes, não pode ser Sua vontade que Seus filhos fiquem doentes! […] Nunca diga a ninguém que a enfermidade é a vontade de Deus para nós. Não é! A cura e a saúde são a vontade de Deus para a humanidade. Se a enfermidade fosse a vontade de Deus, o céu estaria cheio de enfermidades e doenças.

Utilizando-se do lugar da qualidade para argumentar, Hagin contrapõe o povo de Deus do Velho Testamento no papel de servos e o povo de Deus do Novo Testamento no papel de filhos. Qualificando os libertos, os filhos, ainda mais do que os servos, argumenta-se que, se os servos pela vontade de Deus não deveriam ficar doentes, menos ainda os filhos do próprio Deus. Considera-se, também, para o excerto acima, o lugar da oportunidade – é o momento, a oportunidade que Deus deu ao seu povo, é preciso aproveitá-la, exigindo dele saúde – e do lugar do existente, pois a questão da saúde é enfatizada como algo que existe, algo real, algo atual, ainda mais atual do que o foi no Velho Testamento.

Avesso ao que prega a Teologia da Prosperidade, o Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, não diz em momento algum que Deus é obrigado a dar saúde ao auditório:

você tem que fazer a sua parte… você quer ser uma pessoa abençoada?… você quer ser uma pessoa próspera?… você quer resolver os seus problemas pessoais?… os seus problemas sentimentais?… os seus problemas econômicos?… os seus problemas de saúde?… qualquer:: que sejam o seu problema você quer resolvê-los?… então ele começa a resolver com você mesmo… você quer mudar de vida?… começa a plantar o que é bom hoje… aqui e agora… começa… a plantar a sua vida… nos pensamentos de Deus… você vai ver que… cedo ou tarde você vai começar a… curtir… os benefícios da palavra de Deus… amém…

Porém, semelhantemente ao seu cunhado, Missionário R. R. Soares, o bispo Edir Macedo, que é o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, nem sempre teve esse discurso:

Ele (Jesus) desfez as barreiras que havia entre você e Deus e agora diz “volte para casa, para o jardim da Abundância para o qual você foi criado e viva a Vida Abundante que Deus amorosamente deseja para você […]”. Deus deseja ser nosso sócio […]. As bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa força, nosso dinheiro) passa a pertencer a Deus; e o que é d'Ele (as bênçãos, a paz, a felicidade, a alegria, e tudo de bom) passa a nos pertencer. (MACEDO, 1992, p. 25, 85-86).

Onde se lê “tudo de bom”, pode-se, certamente, pensar também em saúde. O mesmo que se considerou a respeito de Soares, ao se discorrer sobre a confissão positiva, pode-se considerar também a respeito de Macedo, agora, ao falar sobre a saúde, ou seja, ou há uma mudança de posicionamento do pregador em relação ao assunto que está sendo tratado ou, então, a maneira de tratá-lo é que ganhou nova roupagem.

Prosperidade financeira
Esse item se insere, também, no âmbito das promessas bíblicas, assim como a saúde. Para a Teologia da Prosperidade, o cristão não deve ser pobre. Foster (2001, p. 21) afirma o seguinte em relação aos pregadores dessa teologia:

o dinheiro é sinal de bênção de Deus, e, assim sendo, a pobreza é sinal de desagrado por parte de Deus. Esse conceito tem sido transformado em uma religião de paz e prosperidade pessoais; cruamente enunciada: “Ame a Jesus e enriqueça
”.

O que se tem visto atualmente não é somente a interpretação bíblica para que o cristão tenha o dinheiro, que é sinal de Deus, mas que o recebimento dele (do dinheiro) seja fruto de uma troca de favores com Deus. Sobre isso, Macedo (1996, p.12) diz:

Dependendo do grau de interesse do ofertante, o presente, por mais caro que seja, ainda assim se torna barato diante daquilo que está proporcionando ao presenteado. Quando há um profundo laço de afeto, ternura e amor entre o que presenteia e o que recebe, o presente nunca deve ser inferior ao melhor que a pessoa tem condições de dar.

Desta feita, estão presentes no enunciado de Macedo os lugares argumentativos da quantidade aliados ao argumento da superação e pressupostamente o argumento do sacrifício, pois, unidos, eles acabam por deixar claro que, se for necessário fazer um sacrifício, ele valerá a pena, pois o retorno é garantido, sendo que quanto mais sacrifício houver, mais retorno se terá. Feito na base da hipótese, esse sacrifício evidencia ainda mais o valor dado à questão dos dízimos e ofertas. Segundo Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996, p. 320), "O sacrifício, realizado e aceito, aumenta e valoriza as razões do combate, estimula a continuá-lo."

Sobre o dízimo na Teologia da Prosperidade, Mariano (1999, p. 44) informa: “o principal sacrifício que Deus exige de seus servos é ser fiel nos dízimos e dar generosas ofertas com alegria, amor e desprendimento.”

O título desse item, Prosperidade financeira, poderia se chamar somente Prosperidade. Tal uso, porém, não foi considerado, pois o termo prosperidade tem sido usado, nas igrejas, tanto para questões financeiras como para questões de saúde. Já se percebe, inclusive, que seu campo semântico tem ficado ainda mais abrangente, ao se constatar usos como: a prosperidade na relação amorosa. Assim, preferiu-se usar o adjetivo financeiro, para que essa característica da Teologia da Prosperidade ficasse mais clara e específica.

Assim se pronuncia o orador e líder da Comunidade Sara Nossa Terra, Bispo Robson Rodovalho, a respeito da questão financeira:

todas as vezes que você investe… o universo… te deve… é algo… universal… a soma dos espirituais elas passam até uma dívida por você… cada vez que você libera sua energia… cada vez que você libera a sua fé… cada vez que você libera o seu dinheiro… cada vez que você chora… suas lágrimas rolam… meu Deus… o universo (passam) a te prender… o mundo espiritual te… prende… é a sua integridade… (zzzz)… e eu quero te dizer uma coisa… ele vai te pagar em/em vida… não é no céu não… é na Terra… ele vai te pagar… ele vai te pagar… ele vai ordenar… que os/as comportas do céu sejam abertas… o Deus eterno vai ordenar que a Terra responda… ao seu clamor…

O discurso da Teologia da Prosperidade, aqui, é visível, pois o discurso do pregador é de que o membro, o visitante, o freqüentador deve investir seu dinheiro e que Deus vai pagar de volta ainda em vida."

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É isso!


Fonte:
MARCELO SILVEIRA: “O Discurso da Teologia da Prosperidade em Igrejas Evangélicas Pentecostais. Estudo da Retórica e da Argumentação no culto religioso". (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Letras. Orientadora: Profª Drª Lineide do Lago Salvador Mosca). UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP. São Paulo, 2007.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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