Um exemplo de “revolução kuhniana”

"Com a morte, em 1996, do historiador e filósofo da ciência Thomas Kuhn, foram retomados os debates sobre a validade da idéia de revoluções científicas – desenvolvida, sobretudo, por Kuhn para lidar com as ciências físicas – às ciências biológicas (Strohman, 1997; Wilkins, 1996). Em A Estrutura das Revoluções Científicas (Kuhn, 1994), cuja primeira edição foi publicada no ano de 1962, Kuhn argumenta que a ciência compreende duas fases marcadamente diferentes: a ciência normal e a ciência revolucionária. Esta última, de acordo com o autor, envolve mudanças conceituais profundas no corpo do conhecimento científico vigente. São as chamadas “revoluções científicas”.

Durante o período de ciência normal, os cientistas trabalham dentro dos limites prescritos por uma estrutura conceitual – uma teoria-modelo ou uma técnica – que Kuhn denominou de paradigma. Todos os problemas e soluções encontradas devem estar contidos dentro do paradigma adotado. Kuhn classificou esse procedimento como o trabalho de resolução de quebra-cabeças (Alves-Mazzotti & Gewandsznadjer, 1998; Strohman, 1997; Wilkins, 1996; Kuhn. 1994; Olby, 1975). O termo “quebra-cabeças”, na concepção de Kuhn, tem origem na proposição de que durante a fase de desenvolvimento da ciência normal, a não resolução de um problema prescrito pelo paradigma é considerada uma falha do pesquisador e não um problema do paradigma empregado. “Em geral, o projeto cujo resultado não coincide com essa margem estreita de alternativas é considerado apenas uma pesquisa fracassada, fracasso que não se reflete sobre a natureza, mas sobre o cientista.” (Kuhn, 1994, p.58). A adesão ao referido paradigma abre caminho para a prática de uma pesquisa mais detalhada e eficiente. Esse contínuo trabalho dentro da estrutura conceitual conferida pelo paradigma tem o objetivo de fortalecê- lo. Contudo, esse mesmo trabalho tem caráter conservador, ou seja, não tem função de descobrir novidades substantivas. (Alves-Mazzotti & Gewandsznadjer, 1998).

No entanto, a prática continuada da busca de soluções para resolver os quebra-cabeças
do paradigma, pode evidenciar as suas fraquezas. No momento em que surjam dados anômalos intratáveis para a estrutura conceitual trabalhada dentro do paradigma, este poderia ser sacrificado para dar lugar a um novo paradigma. Nesse momento, a ciência passaria por uma fase revolucionária. (Kuhn, 1994; Olby, 1975). Geralmente, essas mudanças conceituais não são realizadas por figuras já estabelecidas e acostumadas em resolver os quebra-cabeças propostos pelo paradigma, mas por cientistas mais jovens (Kuhn, 1994; Wilkins, 1996). A nova teoria será aceita pela comunidade se ela também for capaz de resolver uma parte significativa dos problemas já resolvidos pela teoria antiga. A posição de Kuhn é claramente instrumentalista: uma teoria é apenas uma ferramenta para produzir previsões precisas, não tendo qualquer relação com a verdade. Teorias não seriam verdadeiras nem falsas, mas eficientes ou não eficientes (Alves-Mazzotti & Gewandsznadjer, 1998).

Alguns historiadores e cientistas se perguntam se existiriam, nas ciências biológicas, revoluções científicas nos termos propostos por Kuhn (Strohman, 1997; Wilkins, 1996).

A revolução darwiniana com a publicação, em 1859, de a Origem das Espécies; a revolução na biologia molecular com a descoberta da estrutura físico-química da molécula de DNA em 1953, e; a revolução mendeliana de 1900 com a redescoberta de seus trabalhos, são os três exemplos imediatos (Wilkin, 1996). Contudo, segundo Wilkins, nenhum dos três parece encaixar-se perfeitamente no modelo de Kuhn. Neste trabalho, mencionamos apenas as justificativas para o modelo que nos interessa, a saber, a descoberta da estrutura da molécula de DNA.

Em 1953, a descoberta da estrutura da molécula de DNA seria um caso de revolução kuhniana devido ao seu efeito imediato e à sua receptividade dentro da comunidade científica. Rapidamente, e de forma universal, ocorreu uma aceitação geral de que o modelo de Watson e Crick poderia explicar o que era o gene 2 (Wilkins, 1996). No entanto, até então não havia idéias claras sobre a estrutura do gene e de seu modo de ação. E porque não havia paradigma prévio a ser destituído, não teria havido uma disputa entre cientistas proeminentes de algum velho paradigma lutando contra a instituição do novo. (Wilkins, 1996). Dessa forma, como não teria ocorrido nenhuma transição entre um velho e um novo paradigma, isso descaracterizaria a descoberta da estrutura do DNA como uma fase revolucionária da ciência."

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É isso!

Fonte
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GUSTAVO CIRAUDO FRAGA SOLHA: “OS GENES INTERROMPIDOS: INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO IMPACTO DA DESCOBERTA DOS ÌNTRONS (1977) NA CONTROVÉRSIA SOBRE A DEFINIÇÃO DE GENE MOLECULAR CLÁSSICO - 1960”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Waizbort). CASA DE OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2005.

Nota
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O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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