Crer ou não crer: eis a questão!

Quem se prestar a ler as obras de Darwin sem aquele antecipado sentimento de submissão, haverá de notar que em vários momentos ele trata sua teoria muito mais como um conceito filosófico do que propriamente uma tese científica. Em muitas de suas correspondências, é comum o uso, por exemplo, do termo “doutrina” para se referir à Seleção Natural. “Doutrina”, segundo o Aurélio, é o “conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico, científico, etc.”.

Em seu livro “A Origem das Espécies” (tradução portuguesa do professor Joaquim da Mesquita Paul) há um trecho no qual o naturalista, ao confrontar suas idéias com o conceito de criação por obra divina, faz uso da expressão “crê no princípio da seleção natural”, o que ironicamente traduz a própria essência do darwinismo, que em seus primórdios recebeu entusiasmados aplausos acadêmicos por ser “potencialmente” um poderoso argumento contra a existência de Deus:

“Quem acredita nos atos numerosos e separados da criação, pode dizer
que, nos casos desta natureza, aprouve ao Criador substituir um indivíduo pertencendo a um tipo por um outro pertencendo a um outro tipo, o que me parece ser o enunciado do mesmo fato numa forma aperfeiçoada. Quem, pelo contrário, crê na luta pela existência ou no princípio da seleção natural, reconhece que cada ser organizado tenta constantemente multiplicar-se em número; sabe-se, além disso, que se um ser varia por pouco que seja nos hábitos e na conformação, e obtém assim uma vantagem sobre qualquer outro habitante da mesma localidade, se apodera do lugar deste último, por mais diferente que seja do que ele ocupava primeiramente” (p. 197).

Bertrand Russell, em seu livro “Porque não sou Cristão”, faz menção do autor de “A Origem das Espécies” como aquele que “destruiu” o argumento teológico na existência divina:

"Ocorreram, em anos recentes, rumores de que eu me opunha menos à ortodoxia religiosa do que antigamente. Tais rumores são inteiramente destituídos de fundamento. Considero todas as grandes religiões do mundo – budismo, cristianismo, islamismo e comunismo – não só falsas, como prejudiciais. É evidente, como questão de lógica, que, já que elas diferem entre si, apenas uma delas pode ser verdadeira. Com pouquíssimas exceções, a religião que um homem aceita é aquela da comunidade em que vive, o que torna óbvio que a influência do meio foi o que o levou a aceitar a referida religião. É verdade que os escolásticos inventaram o que declaravam ser argumentos lógicos provando a existência de Deus, e que tais argumentos, ou outros de teor semelhante, foram aceitos por muitos filósofos eminentes, mas a lógica a que esses argumentos tradicionais apelavam é um tipo de lógica aristotélica antiquada, hoje rejeitada, praticamente, por todos os lógicos, exceto os que são católicos. Entre esses argumentos, existe um que não é puramente lógico. Refiro-me ao argumento da prova teológica da existência de Deus. Tal argumento, porém, foi destruído por Darwin – e, de qualquer modo, só poderia tornar-se logicamente respeitável se se abandonasse a crença na onipotência de Deus” (Livraria Exposição do Livro, 1972, p. 7).

Esse tipo de entendimento, embora tenha se tornado “politicamente incorreto” para algumas vertentes darwinistas, parece refletir a “crença latente” de grande parcela dos defensores do naturalista inglês. Darwin tornou-se, pois, no ícone máximo contra as “trevas religiosas”. Não é à toa que os mais ferrenhos ateus, como é o caso de Richard Dawkins e Daniel Dennett, vejam nele a “pessoa mais importante que a humanidade já teve”.

É isso!

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