O egoísmo dos genes

"Assim, a dinâmica Darwinista, vai tentar ser melhor explicitada, através da idéia perturbadora e desconfortável, do egoísmo do gene que dominou as discussões sobre o assunto à partir da década de 1970. Este pensamento sobre o gene surgiu na biologia como conseqüência do trabalho de dois naturalistas, um americano e o outro inglês, respectivamente George Willians e William Hamilton. Mas ela foi mais amplamente divulgada e associada a outro pesquisador: Richard Dawkins, famoso biólogo evolucionário e professor da Universidade de Oxford e um dos nomes mais conhecidos do meio científico contemporâneo e sarcasticamente citado por vários de seus colegas como sendo mais darwiniano que o próprio Darwin. A teoria do gene egoísta, como é conhecida, é uma teoria científica genecêntrica que tenta explicar como ocorreu a evolução das moléculas e como estas evoluíram de modo a formar todos os seres vivos existentes hoje. No entanto, essa teoria possui também um outro significado importantíssimo. Ela tenta explicar uma das questões mais intrigantes e complexas da nossa existência, o comportamento humano, que é reduzido a uma condição simplista a partir do momento que Dawkins considera o ser humano como sendo apenas uma máquina de sobrevivência para nossos genes.

É em 1976 que Dawkins publica o livro título de sua teoria chamado O Gene Egoísta. Segundo Horgan, ele utiliza o darwinismo como uma arma imbatível com a qual ele ataca todas as idéias que vão contra sua visão materialista, reducionista e não mística da vida (HORGAN, 1999:150). Esse livro popularizou a visão crescente na biologia que a seleção natural se processa não no interesse das espécies ou do grupo, nem mesmo do indivíduo, mas no interesse dos genes. Embora a seleção tome partido amplamente no nível do indivíduo, os genes são os verdadeiros replicadores e é a competição deles que dirige a evolução do design biológico. O autor define o gene como sendo uma parte qualquer do material cromossômico que é capaz de durar um número determinado de gerações de forma a servir como uma unidade de seleção natural.

Dawkins, sugere que toda a vida, em todo lugar no universo, deve evoluir pela sobrevivência diferencial de entidades auto-replicadoras ligeiramente imprecisas; ele os chamou de replicadores (DAWKINS, 2001:33). Além disso, esses replicadores automaticamente se juntam em grupos para criar sistemas, ou máquinas, que os carregam por aí e trabalham em favor de sua replicação continuada. Essas máquinas de sobrevivência, ou veículos, adivinhem, são nossos corpos familiares, assim como os dos gatos, do repolho e todos os outros, que foram criados para carregar e proteger os genes dentro deles.

Uma das propriedades mais surpreendentes do comportamento de máquinas de sobrevivência é sua aparente intencionalidade. Com isto não quero dizer apenas que este comportamento parece estar corretamente calculado para ajudar os genes do animal a sobreviver, embora, evidentemente, ele esteja". (Idem:73)

Ele argumenta que a intencionalidade ou o desejo (animal e humano) são um grande faceta dos genes para desenvolver o que condicionamos chamar de consciência, e ele segue com a seguinte proposição.

“Não sou filósofo o suficiente para discutir o que isto significa, mas felizmente não importa para nossos propósitos aqui porque é fácil falar sobre máquinas que se comportam como se fossem motivadas por uma finalidade e deixar em aberto a questão sobre se elas realmente são conscientes. Estas máquinas são, basicamente, muito simples e os princípios do comportamento intelectual inconsciente estão entre os lugares-comuns da Engenharia.”
(Idem)

No último capítulo do livro ele sugere que o darwinismo é uma teoria muito grande para ser confinada no restrito contexto do gene. Então ele faz uma pergunta óbvia e provocativa. Existem outros replicadores em nosso planeta? Segundo ele, sim.

Quase tudo que é incomum no homem pode ser resumido em uma palavra: ‘cultura’. Não usei a palavra em um sentido esnobe, mas como os cientistas a usam. A transmissão cultural é análoga à transmissão genética no sentido de que embora seja basicamente conservadora, pode originar um tipo de evolução.” (Idem: 211)

Deste modo ele considera a cultura um outro replicador, uma unidade de imitação. Ele deu a ele o nome de meme, e como exemplos de memes sugeriu músicas, idéias, slogans, modas de roupas, modos de fazer vasos ou de construir arcos. Da mesma forma que os genes são passados à frente via espermatozóide, os memes armazenados nos cérebros humanos, podem ser passados adiante através da imitação.

“…os memes devem ser considerados como estruturas vivas, não apenas metafórica mas tecnicamente. Quando você planta um meme fértil em minha mente, você literalmente parasita meu cérebro, transformando-o num veículo para a propagação do meme, exatamente como um vírus pode parasitar o mecanismo genético de uma célula hospedeira.” (HUMPHREY apud DAWKINS, 2001:214)

Ele ainda propõe que, uma vez que um novo replicador surja, ele tenderá a ocupar mais espaço e a começar um novo tipo de evolução. Acima de tudo ele tratou os memes como replicadores diretos, castrando aqueles entre seus colegas que sempre tendiam a retornar à vantagem biológica para responder a perguntas sobre o comportamento humano. Deste modo ele afirma que nós temos nossos cérebros por razões biológicas (genéticas) mas agora que nós os temos, um novo replicador foi solto e ele não necessita ser subserviente ao antigo. Existe uma enorme variedade nos comportamentos que os humanos produzem, esses comportamentos são copiados, mais ou menos precisamente por outros seres humanos, e nem todas as cópias sobrevivem.

O meme, dentro desta perspectiva, se encaixa perfeitamente com o esquema de hereditariedade, variação e seleção. Podemos pensar em melodias, por exemplo, aonde milhões de variantes são cantadas por milhões de pessoas. Apenas algumas são passadas adiante e repetidas e até mesmo algumas chegam até as paradas pop ou às coleções de clássicos. Em outras palavras, a evolução memética pode agora prosseguir sem se preocupar com seus efeitos nos gene (Id.:215). Assim, tal como a evolução biológica é guiada pela sobrevivência dos genes mais adaptados em um meio, a evolução cultural pode ser guiada pelos memes mais bem sucedidos e melhor adaptados. Esta é uma idéia que levanta muitas críticas diretas a esta concepção. Lewontin, chama a atenção para o quanto essa analogia é oculta, mencionando as óbvias diferenças entre material genético e idéias (LEWONTIN, 2001). De acordo com ele, o fato de que os vários indivíduos de uma espécie competem por recursos, está na base dos processos de sobrevivência diferencial da seleção natural, enquanto que, por mais que se possa falar em idéias que competem entre si, não há nada nem remotamente parecido com “seleção natural” nesta competição (Idem).

O que mais impressiona na descrição narrada acima é a capacidade que Dawkins tem de transformar uma metáfora, os memes, numa entidade viva e completamente independente de todo e qualquer controle. É irresistivelmente difícil não pensar nos memes de forma caricatural, como se eles fossem um Alien ou qualquer outro personagem parasita de ficção científica. A idéia em si, enquanto uma metáfora parece até mesmo genial, mas quando ele afirma a existência real de um meme, isso beira a ficção científica e é tão metafísico quanto discursos extra-científicos, como o religioso, dos quais Dawkins explicitamente tenta se dissociar.

Esta visão reducionista e mecanicista do Ser humano como uma máquina de transmissão de genes, e/ou de memes, é um dos pontos fundamentais do chamado neo darwinismo. Para além da teoria do gene egoísta aparece a chamada Sociobiologia, surgida na década de 70 e denunciada como uma das novas roupagens da ideologia do eugenismo, movimento fundado por um primo de Darwin, Francis Galton. Lembremos que a eugenia se propagou rapidamente na época de seu surgimento, fazendo parte de várias ideologias médicas e de saúde pública da primeira metade do século 20, além da sua conhecida influência em movimentos racistas e fascistas, como o nazismo. Associado a este lado existe também todo um terreno de conhecimentos ditos científicos, como o da frenologia, o das tipologias criminosas de Lombroso, entre outros."

---
É isso!


Fonte:
Mauro Fraga Paiva: “Nem tudo que se diz é verdade e nem tudo que é verdade é dito: Uma análise crítica da difusão do Pensamento Genético e Evolucionário na Contemporaneidade”. (Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Saúde Coletiva, Curso de Pósgraduação em Saúde Coletiva – área de concentração em Política, Planejamento e Administração em Saúde do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Kenneth Rochel Camargo Júnior). Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2009.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!