A relação do movimento homossexual brasileiro com o Partido dos Trabalhadores

“Atualmente, existem nos diretórios regionais do PT setoriais de gays, lésbicas, travestis e transexuais, tendo sido criada, no final de 2003, uma Coordenação Nacional Provisória de Setorial Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais. O relatório final da III Plenária Nacional de Lésbicas, Gays, Travestis, e Bissexuais do PT, no qual se analisa a relação entre o partido e o movimento homossexual, conclui que

a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis – ABGLT – fundada em 1995, embora não represente a totalidade dos grupos LGTTB’s do País, com pouca inserção em Estados como SP, MG e RS, é a entidade nacional deste movimento e tem hoje em sua Diretoria diversas/os militantes petistas. O PT propõe aos seus militantes que atuam em organizações filiadas à ABGLT que implementem nas suas entidades um programa com base nas diretrizes do Partido.

De um lado, é inconveniente que o movimento se alinhe às diretrizes de qualquer partido, por mais progressista que seja, pois ao fazê-lo está sujeito a perder seu potencial criativo e contestador se porventura suas estratégias contrariem as diretrizes do partido; de outro, não há como negar que foram justamente os deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores do PT os que mais se empenharam em apresentar políticas e proposições legais favoráveis aos interesses de homossexuais. Um exemplo da inconveniência do alinhamento do movimento a um partido é que vários militantes do movimento, que também são petistas, em vez de lamentarem, correram a se manifestar favoráveis à decisão do Brasil de não apresentar na ONU a citada proposta de resolução que coibiria a discriminação por orientação sexual.

Na esfera federal, ao analisar as proposições de leis favoráveis aos homossexuais
apresentadas no Congresso Federal (arquivadas ou não), percebe-se facilmente que a maioria foi apresentada por deputados petistas. Dentre as nove proposições inativas (já arquivadas), cinco foram propostas pelo PT, duas pelo PMDB35 e duas pelo PSDB e, das dezoito que continuam tramitando, oito foram apresentadas pelo PT, duas pelo PTB, três pelo PFL, duas pelo PMDB, duas pelo PPB e uma por uma Comissão de Estudo. Ainda, a Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, criada recentemente no Congresso Nacional com o objetivo de agilizar as propostas de interesse da comunidade GLTT, compõe-se de 65 parlamentares (deputados e senadores) – 37 membros são do PT, três do PC do B, seis do PSDB, um do PPS, três sem partido (deputado Fernando Gabeira e dois outros que foram expulsos do PT) dois do PP, dois do PMDB, três do PL, um do PSB, dois do PFL, um do PV, três do PDT e um do PTB.

A proximidade do movimento com o Partido dos Trabalhadores motivou, à época das eleições presidenciais, a elaboração por várias lideranças do movimento de um documento intitulado Os 13 motivos LGTBS de apoio a Lula, em que eram apontadas as afinidades do candidato com a luta de homossexuais, e que, redundantemente, falava sobre o compromisso inegociável do candidato com os direitos humanos de homossexuais, incluídos o apoio ao projeto de lei da parceria civil, a proibição de discriminação por orientação sexual e a execução do já citado PNDH II, proposto por Fernando Henrique Cardoso. O documento também menciona a defesa da continuidade do Programa Nacional de DST/Aids (de autoria do Ministério da Saúde, à época, comandado por José Serra, oponente de Lula), incluindo a participação de grupos organizados no planejamento de políticas, a participação da sociedade no controle social das políticas públicas e o respeito à orientação sexual no sistema educacional. O motivo mais curioso é o de número 13, que afirma: “Lula é trabalhador, nordestino, de família humilde, sofreu e sofre preconceitos, na verdade é o retrato de muitos brasileiros”.

O documento foi lançado com a Plataforma Brasileira de Gays, Lésbicas, transexuais e Bissexuais para as Eleições de 2002, que será abordada adiante e os seus signatários tinham motivos de sobra para se preocupar com a aliança do PT com o Partido Liberal (PL), que culminou com a indicação do liberal José de Alencar para disputar o cargo de vice-presidente. Sabe-se que o PL recebe uma forte influência do bispo Edir Macedo, o todo poderoso chefe da Igreja Universal do Reino de Deus, a qual abriga parte da bancada evangélica no Congresso Nacional e que é absolutamente contrária a qualquer proposta de emancipação e direito de homossexuais, sobretudo a união civil. Conforme reportagem da revista Veja, de 17 de outubro de 2002, para o segundo turno das eleições, o candidato Lula, do PT, recebera o apoio de novecentos pastores e líderes de diversas igrejas
evangélicas. No entanto, antes de declararem o seu apoio, políticos do PL, como o senador Marcelo Crivela, o deputado federal Bispo Rodrigues e o Magno Malta, que veio a ser eleito senador, manifestaram a sua preocupação em relação a um assunto polêmico para os religiosos – a regulamentação da união civil entre homossexuais. Para reforçar seus argumentos, Malta declarou: "A bancada católica do PT também é contra" (Veja, 17 out. 2002)

Nas eleições de 2002, os homossexuais perceberam-se utilizados como moeda em troca de apoio de líderes evangélicos, já que Anthony Garotinho, o candidato que agregava o maior apoio desses religiosos e que era declaradamente contrário à união civil entre pessoas do mesmo sexo, havia sido derrotado no primeiro turno. Segundo o Jornal do Brasil, de 17 de outubro de 2002,

em troca da condenação da união civil entre homossexuais e da legalização do aborto, José Serra, do PSDB, tornou-se ontem o candidato oficial da Assembléia de Deus na disputa pela Presidência da República, em 27 de outubro. O apoio dos evangélicos foi capitaneado pelo bispo Manoel Ferreira, candidato derrotado do PPB ao Senado pelo Rio e presidente vitalício das Assembléias de Deus no Brasil.

Assim como ocorre no tocante às parcerias com o Estado, para ações de prevenção e de combate às DSTs/Aids, a relação do movimento homossexual com o Partido dos Trabalhadores é controversa. Essas relações fomentam a elaboração e a implementação de propostas, possibilitam um bom nível de organização e de arregimentação, permitem arrebanhar recursos que custeiam encontros, mas ao mesmo tempo, domesticam e aprisionam o movimento aos interesses dos mais fortes, o Estado e o PT."

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É isso!

Fonte:
Michele Cunha Franco Conde: “O movimento homossexual brasileiro, sua trajetória e seu papel na ampliação do exercício da cidadania”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de Goiás para obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de concentração: Sociedade e Região Orientadora: Profa. Dra. Dalva Maria Borges L. D. Souza). Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2004.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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