"O céu é aqui!"

“O Neopentecostalismo da IURD reflete uma perspectiva hedonista quando indica que o sofrimento físico e o fracasso financeiro, por se tratarem de marcas do pecado e do demônio, não são os elementos distintivos de um verdadeiro cristão.

No programa “Saindo da Crise”, o bispo Jader e o pastor Edson comentam a história de uma mulher que não teve sucesso em São Paulo e trazem uma explicação sobre o fato de ela não prosperar financeiramente. Inicialmente, as palavras do bispo Jader, o apresentador:

agora eu vou colocar o depoimento de uma senhora... que ela sai::u de Minas... veio aqui para São Paulo... pensando que ia se dar bem... o que tem de gente pensando que mudando de estado vai se dar bem... pior que a pessoa tá se dando mal aqui em São Paulo pastor Edson...

O pastor Edson, sentado à frente da mesa do bispo Jader, continua:

verdade... ela pensa/pôxa é a maior metrópole dentro do Brasil... então a maior oportunidade... as maiores fontes né::?... as portas abertas estão lá... e a pessoa vem pra cá e não dá certo.. por quê?... se existe uma amarração na vida da pessoa... ela pode estar em qualquer lugar do mundo... que a porta vai estar fechada pra ela... e se há a bênção de Deus sobre ela... ela pode estar na menor cidade do mundo... que ali naquela cidade vai ter porta aberta pra ela...

O bispo Jader retoma a palavra e conclui o diálogo:

é/eu não se::i... se a senhora ou o senhor acredita... como nós falamos que tem um mal te amarrando... mas não tem outra explicação... ( ) não é possível... sua vida não vai... sua vida tem tudo pra ir e não sai do lugar.. só anda pra trás... tem uma coisa te atrapalhando... é essa coisa que nós queremos arrancar segunda-feira... porque senão... vai passar aí os meses... vai chegar o meio do ano... da qui a pouco final do ano... e esse ano de dois mil e nove você não saiu do lugar até agora...

Os apresentadores indicam que a única explicação para a não-prosperidade financeira seria “uma amarração...”; “mal te amarrando...”; “uma coisa te atrapalhando...”; e continuam: “é essa coisa que nós queremos arrancar segunda-feira...”.

A contraposição neopentecostal, diferentemente do cristianismo primitivo, do catolicismo monástico, da fé medieval e do protestantismo clássico, não lança para o futuro as suas expectativas vivenciais, mas impulsiona o fiel a esperar pelo “agora”. Como destacou Michel Foucault em Hermenêutica do Sujeito: “Com o cristianismo e as promessas do além, teremos, é claro, um outro sistema” (2006, p.134). É este “outro sistema”, o Cristianismo, que pontua que as promessas e a salvação19 estão no além, que o neopentecostalismo está em oposição. De fato, o neopentecostalismo rompe com o cristianismo que o antecedeu ao não contrapor prosperidade e salvação nesta nova temporalidade.

Foucault ainda delineia sobre o cristianismo:

É este jogo entre um princípio universal que só pode ser ouvido por alguns e a rara salvação da qual, contudo, ninguém se acha a priori excluído, que estará, como sabemos, no cerne da maioria dos problemas teológicos, espirituais, sociais, políticos do cristianismo (2006, p.148).

O movimento neopentecostal, certamente, faria Nietzsche repensar sua frase contra o cristianismo: “esta negação da vontade de viver tornada religião” (apud ORLANDI, 1987, p.9). Foucault, ao falar sobre o “cuidado de si”, destacou o quanto seus delineamentos se distanciavam da salvação entre os cristãos: “Quão longe também estamos da salvação na forma religiosa, referida a um sistema binário, à dramaticidade de um acontecimento, a uma relação com o Outro e que, no cristianismo, implicará em renúncia de si” (p.227). Em determinados elementos, o cristianismo neopentecostal se afasta das definições de Foucault, que não conheceu o neopentecostalismo, pois sua proposta de “prosperidade financeira” não implica em “renúncia de si”, mas em “cuidado de si” ao localizar o sucesso, o “céu”, na temporalidade presente, agora. Por outro lado, é curioso notar que a “renúncia de si” está fortemente imbricada no preço a ser pago para se obter o sucesso “aqui”, o que faz com que o neopentecostalismo não se enquadra como uma novidade no bojo religioso.

É assim que na cosmovisão neopentecostal a esperança de que uma intervenção divina possa ocorrer a qualquer momento, suscita, no hoje, ao fiel, otimismo circunstancial e esperança com relação à vida. O céu, que era a esperança cristã num porvir de alívio do sofrimento, de salvação, de justiça e de recompensas, passa a compor, no neopentecostalismo, uma esfera atual e palpável.

Há, porém, no programa “Saindo da Crise”, uma referência ao futuro:

eu sei que muitas pessoas... pensam que para morrer... a pessoa tem que ser velha... ou então estar doente... e/isso não é verdade... para morrer a pessoa basta tá viva... e/e muita gente não se preocupa com o que vem após da morte... (ela) tá preocupada com os problemas de ago::ra... só que:: se a pessoa morrer sem a salvação ela tá perdida... ela vai viver eternamente no inferno... e há quem não se preocupa com isso... deveria se preocupar muito né pastor Edson?... [Pastor Edson] é verdade... há aqueles que não acreditam assi::m que a alma da pessoa vai... para o inferno como o senhor diz... há pessoas que dizem pô-xa... se Deus é amo::r... como que ele vai
permitir que uma pessoa sofra eternamente... então surgiram várias teorias a respeito disso... a teoria:: é::... do purgató::rio... a teoria da reencarnaçã::o... a teoria do céu e inferno... mas o que que a BÍBLIA... o que DEUS fala sobre a vida após a morte?... é isso que nós vamos estar comentando... [Bispo Jadson] sete horas da noite nessa quarta-feira...faça de tudo para estar conosco aqui no Brás... será uma reunião especial... que pode salvar a sua alma... tá bom?... Um forte abraço... e até o nosso próximo encontro...

Quando a IURD fala sobre o futuro, não há o interesse de referendar as esperanças que o porvir evoca. Pelo contrário, a mensagem é direcionada aos que não estão na igreja e que deveriam se preocupar com a possibilidade de uma eternidade de condenação no inferno. Assim, o devir para o fiel ocorre no presente, pois o “céu” deve ser desfrutado hoje através de uma vida de qualidade financeira e ausência de sofrimento. Mas, para o não-fiel, o futuro implica medo. Ao mesmo tempo, parece que o objetivo de se mencionar o futuro é o de recomendar a própria instituição aos não-prosélitos como instrumento de boas perspectivas para o porvir. Mas isso não é tão freqüente, o que é recorrente nos programas da IURD é a necessidade de uma mudança das condições de vida para hoje nesse mundo.”

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É isso!

Fonte:
Wesley Knochenhauer Carvalho: “O discurso de prosperidade financeira da religião na Tevê”. (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem. Orientador: Dr. Sandro Braga). Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarãi, 2009.

Nota:

A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.

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