O mito segundo Jung

“Segundo Ulson (1988), Carl Gustav Jung foi filho de pastor protestante, médico, psiquiatra e humanista. Nascido na Suiça, vê desde sua juventude grandes transformações acontecendo no mundo a sua volta. Presenciou duas grandes guerras mundiais e a divisão do mundo entre dois universos: um capitalista e ocidental, outro comunista e oriental. Sempre se sentiu atraído por esse mistério da separação e união dos opostos. Quase todos os seus trabalhos estão orientados no sentido de melhor compreender a alma humana, isto é, os problemas psicológicos que julga essenciais.

É nos mitos que Jung encontra o material privilegiado para analisar os mistérios da alma, os acontecimentos anímicos, que posteriormente denominará de arquétipos. “Nos mitos e contos de fada, como no sonho, a alma fala de si mesma e os arquétipos se revelam em sua combinação natural como formação, transformação, eterna recriação do sentido eterno” (Jung, 2003, p. 214).

O homem primitivo é de uma tal subjetividade que é de admirar-se o fato de não termos relacionado antes os mitos com os acontecimentos anímicos. Seu conhecimento da natureza é essencialmente a linguagem e as vestes externas do processo anímico inconsciente. Mais precisamente pelo fato de este processo ser inconsciente é que o homem pensou em tudo, menos na alma, para explicar o mito. Ele simplesmente ignorava que a alma contém todas as imagens das quais surgiram os mitos, e que nosso inconsciente é um sujeito atuante e padecente, cujo drama o homem primitivo encontra analogicamente em todos os fenômenos grandes e pequenos da natureza” (Jung, 2003, p. 18).

A interpretação dos mitos na linha junguiana só pode ser entendida quando relacionada ao conceito de inconsciente coletivo.

A mitologia, como expressão de uma disposição humana geral, a qual dei o nome de
inconsciente coletivo, cuja existência só é possível conhecer a partir da fenomenologia individual. Em ambos os casos, a pesquisa se desenrola em torno do indivíduo, pois sempre trata de certas formas representativas complexas, isto é, dos chamados arquétipos, que é preciso supor como ordenadores inconscientes das representações. É impossível distinguir a força motriz que está na origem destas formas, do fator transcendente ao qual se dá o nome de instinto. Não há, portanto, nenhuma razão para se ver no arquétipo outra coisa senão a forma do instinto humano” (Jung, 1986, p. 169).

Essa categoria de inconsciente coletivo é central na obra de Jung. O inconsciente coletivo é a camada mais profunda da mente humana. Se pensarmos a mente humana como um círculo, ele seria o seu ponto mais interior. Outra categoria derivada do inconsciente coletivo é a dos arquétipos. Segundo Jung, os mitos são uma das formas onde os arquétipos humanos se materializam.

O significado do termo ‘archetypus’ fica sem dúvida mais claro quando se relaciona com o mito, o ensinamento esotérico e o conto de fada. [...] Até hoje os estudiosos da mitologia contentavam-se em recorrer a idéias solares, lunares, meteorológicas, vegetais, etc. O fato de que os mitos são antes de mais nada manifestações da essência da alma foi negado de modo absoluto até nossos dias” (Jung, 2003, p. 17).

O arquétipo significa um determinado tipo de impressão psíquica, como se fosse uma marca ou imagem, um conjunto de caracteres que, em sua forma e significado, são portadores de motivos mitológicos arcaicos.

Assim como os arquétipos ocorrem a nível etnológico, sob forma de mitos, também se encontram em cada indivíduo, nele atuando de modo mais intenso, antropomorfizando a realidade, quando a consciência é mais restrita e fraca, permitindo que a fantasia invada os fatos do mundo exterior
” (Jung, 2003, p. 79).

O mito, para Jung, está ligado aos interiores da mente. Ali se origina, ali se manifesta. Reflete-se na exterioridade da cultura, nasce na interioridade psíquica, no subconsciente humano. Está expresso em muitos lugares, a todos olha e desafia e é o mito, a linguagem por excelência da religião.

A mentalidade primitiva não
inventa mitos, mas os vivencia. Os mitos são revelações originárias da alma pré-consciente, pronunciamentos involuntários acerca do acontecimento anímico inconsciente e nada menos do que alegorias de processos físicos. Tais alegorias seriam um jogo ocioso de um intelecto não científico. Os mitos, pelo contrário, têm um significado vital. Eles não só representam, mas também são a vida anímica da tribo primitiva, a qual degenera e desaparece imediatamente depois de perder sua herança mítica, tal como um homem que perdesse sua alma. A mitologia de uma tribo é sua religião viva, cuja perda é tal como para o homem civilizado, sempre e em toda parte, uma catástrofe moral. Mas a religião é um vínculo vivo com os processos anímicos, que não dependem do consciente, mas o ultrapassam, pois acontecem no obscuro cenário anímico. Muitos desses processos inconscientes podem ser gerados indiretamente por iniciativa da consciência, mas jamais por arbítrio consciente. Outros parecem surgir espontaneamente, isto é, sem causas discerníveis e demonstráveis pela consciência” (Jung, 2003, p. 156).

Em resumo, a grande contribuição de Jung para o entendimento conceitual do mito são as categorias de
inconsciente coletivo e de arquétipos. Os mitos com sua construção simbólica teriam o papel de intermediar a relação da vida consciente com a inconsciente. Nesta mediação se estabelece uma conexão com a memória arcaica da humanidade, os arquétipos. Neste sentido é impossível, para Jung, que os mitos possam cumprir a sua finalidade, sem que eles sejam ritualizados, vivenciados, experienciados.”

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É isso!


Fonte:
Elias Mayer Vergara: “FORA DO JARDIM! UMA LEITURA PSICANALÍTICA DE GÊNESIS 3”. (Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Haroldo Reimer). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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