O nascimento do feminismo no Brasil

“As ações das feministas norte-americanas, francesas e inglesas ecoaram em diversas áreas do mundo, servindo de exemplo e modelo para grupos de mulheres dos mais variados países, inclusive o Brasil. Assim, no país o feminismo também passou por fases específicas, denominadas por algumas autoras de “ondas feministas”.

A primeira fase do movimento feminista brasileiro correspondeu ao início do século
XX e se estendeu até o começo da década de 1970. Já a segunda onda se iniciou no ano de 1975 e se desenvolveu pelos anos de 1980 e 1990. Como se pode observar, as “ondas” do movimento feminista brasileiro ocorreram mais tarde quando comparadas ao feminismo norteamericano e europeu. No decorrer do século XIX as mulheres norte-americanas já lutavam pelo reconhecimento legal da igualdade de direitos sociais e políticos. Por outro lado, no Brasil, até o início do século XX - embora operárias se mobilizassem mediante greves nas fábricas em prol de melhorias salariais - as mulheres não usufruíam quaisquer direitos políticos, tais como o direito de votar e ser votada. Assim, o movimento feminista no país só se iniciou, de fato, quando mulheres das classes médias urbanas e com nível superior começam a reivindicar na esfera pública direitos básicos de cidadania como o voto, nos primeiros anos do século XX.

A luta pelo voto feminino foi o fator que agregou pela primeira vez no Brasil um grupo
de mulheres preocupadas com as causas feministas. O feminismo, neste momento, se expressava essencialmente a partir das ações individuais de mulheres com formação escolar universitária. Elas tinham sido influenciadas pelas idéias feministas que vigoravam em solo norte-americano e europeu, tais como: luta pelo sufrágio feminino, por melhores condições salariais e de trabalho. Algumas dessas intelectuais brasileiras haviam permanecido por um período no exterior, como é o caso de Bertha Lutz, que inicia sua militância feminista quando retorna de Paris em 1918.

O grande marco da primeira fase do feminismo no Brasil data de 1910, quando Deolinda Daltro funda no Rio de Janeiro o Partido Republicano Feminino. Tal organização tinha por objetivo debater no Congresso Nacional duas questões: o acesso a cargos públicos a todos os brasileiros sem distinção de sexo e a implementação do voto feminino no Brasil. Mais tarde, o Partido Republicano foi substituído pela Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), órgão criado por Bertha Lutz e que se torna uma das maiores expressões do feminismo no Brasil. A FBPF tinha por objetivo: “Promover a educação da mulher e elevar o nível de instrução feminina; proteger as mães e a infância; assegurar à mulher direitos políticos e preparação da mulher para o exercício inteligente desses direitos (...)”.

A principal luta da FBPF era a extensão do direito de voto às mulheres. Para atingir este objetivo, a organização realizou maciça campanha e buscou o apoio de políticos à causa, como foi o caso do governador Juvenal Lamartine do Rio Grande do Norte. Lamartine aprovou uma lei que permitia o voto das mulheres no estado, após Bertha Lutz e outras feministas o terem ajudado a ser eleito governador. Nesse sentido, em 1927, o Rio Grande do Norte teve a primeira eleitora do Brasil: Celina Guimarães Viana55. Esse fato, ocorrido em estado nordestino, é ilustrativo dos esforços políticos empreendidos pelas feministas brasileiras no sentido de atraírem aliados importantes às suas reivindicações.

Na luta em prol da instituição do voto das mulheres e de outros temas relativos ao universo feminino, como a defesa da maternidade, relação conjugal e o acesso das mulheres a conhecimentos de saúde, o jornal funcionou como principal meio de veiculação das idéias e propostas partilhadas pelas feministas dos primeiros anos. Essas mulheres escreviam em conhecidas revistas femininas existentes entre o final do século XIX e início do século XX, tais como: “A Família”, “O Sexo Feminino”, “O Jornal das Senhoras”, “O Belo Sexo”, “ O Domingo”, entre outros.

Nesta fase inicial do feminismo no Brasil, Bertha Lutz é comumente lembrada devido à atuação em prol da conquista do voto feminino. Todavia, suas ações também se estenderam a outras frentes de ação. De acordo com a historiadora Rachel Soihet, Bertha Lutz em alguns de seus artigos discorreu acerca das questões ligadas à vida da mulher trabalhadora, a saber: igualdade de salários, jornada de trabalho e melhores condições de trabalho nas fábricas. De acordo com Soihet, Lutz sugeriu ainda a criação de associações de classe para as diversas categorias profissionais femininas.

Segundo Soihet, Lutz acreditava que a conquista do sufrágio feminino seria a porta de
entrada a assuntos que obtivessem maior visibilidade no país, pois na concepção de Bertha: “O sufrágio feminino não é um fim em si, mas um instrumento a ser usado para melhorar o status das mulheres”.

No início do movimento feminista havia visões distintas das que eram defendidas pelo
grupo de Bertha Lutz. Uma expressão desse grupo de mulheres foi Maria Lacerda de Moura – professora primária e escritora feminista envolvida diretamente com o movimento operário anarquista brasileiro. Inicialmente Maria Lacerda esteve unida a Bertha Lutz na fundação, em 1920, da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, cujo intuito principal era o de lutar pela igualdade política das mulheres. Mas, no decorrer da década de 1920, Moura, se afastou da perspectiva de Lutz, pois considerou que a luta feminista não deveria perpassar apenas a questão do voto. Para Moura o direito ao voto iria beneficiar somente uma minoria de mulheres, aquelas alfabetizadas e pertencentes às classes médias urbanas. Portanto, essa conquista política não seria suficiente para reverter a posição subalterna ocupadas pelas mulheres até então na sociedade.

Patrícia Galvão, mais conhecida como Pagu, foi outra feminista importante. Ela, considerava burguês e elitista o feminismo liderado por Bertha Lutz. Pagu através de artigos e reportagens publicadas em jornais como O Diário de Notícias e O Correio da Manhã, evidenciava suas posições e idéias de esquerda a favor da mulher, trabalhadora.

Devido à filiação de Pagu ao Partido Comunista Brasileiro, a escritora defendia a revolução socialista e lutava pela melhoria das condições de vida do proletariado feminino. Assim, utilizava a sua coluna “A mulher do Povo”, publicada no jornal alternativo paulista “O Homem do Povo”, a favor da mulher operária e da sua liberdade de expressão. Embora sejam comumente associadas ao grupo das feministas anarquistas, Maria Lacerda de Moura e Pagu não atuaram juntas e nem partilhavam dos mesmos objetivos. Inclusive Pagu criticou campanhas de Maria Lacerda de Moura e de outras anarquistas em prol da libertação sexual e maternidade consciente, pois considerou que havia questões mais emergenciais a serem tratadas, como a pobreza e a exploração de classe das mulheres.

Em 1930, o país assiste a uma revolução que pôs fim a ordem política até então vigente, ou seja, a Primeira República. Esse movimento inicia uma nova fase da história brasileira: a Era Vargas. Durante a Era Vargas (1930-1945), Getúlio lançou uma série de medidas sociais e políticas que beneficiaram as classes trabalhadoras e urbanas.

As mulheres também se beneficiaram das políticas sociais do governo Getúlio Vargas.
Ademais, na década de 1930, elas obtiveram o direito ao voto, através do decreto-lei 21.076, aprovado por Getúlio Vargas em 24 de fevereiro de 1932. No contexto democrático, com base na Constituição de 1934, foram eleitas deputadas federais, como: Carlota Pereira de Queiroz em São Paulo (primeira deputada eleita no país), Lili Lages em Alagoas, Maria Luiza Bittencourth na Bahia e Maria Miranda Jordão no Amazonas. Neste novo momento, as mulheres passaram a reivindicar melhores condições para o trabalho feminino e a ampliação do tempo de licença- maternidade.

Em 1934 foi criado um grupo de esquerda, a União Feminina (UF). Esta era parte integrante da Aliança Nacional Libertadora, movimento de esquerda liderado pelo Partido Comunista Brasileiro que visava derrubar o governo de Vargas e implantar um governo popular e socialista no país. As integrantes da UF eram principalmente intelectuais e operárias. Em 1935, todas as integrantes da União Feminina foram presas e o movimento foi posto na ilegalidade pelo governo brasileiro.

A partir de 1937, com a instauração da ditadura do Estado Novo, fecharam-se os espaços políticos para a luta pelos direitos das mulheres, dos operários, dos partidos e dos estudantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres protestaram contra o regime nazi-fascista e fizeram campanhas para a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados. Através da Liga de Defesa Nacional, as mulheres desempenharam importante papel, organizando eventos para angariar alimentos, roupas e remédios para os soldados brasileiros e realizaram cursos de formação de enfermeiras.

A vitória dos aliados sobre os países nazi-fascistas gerou uma pressão para a saída de Vargas do poder, visto que o governo ditatorial de Getúlio não se enquadrava no contexto internacional democrático do pós-guerra. Não obstante significativo apoio da classe trabalhadora, Vargas sofreu pressão de políticos, militares e intelectuais brasileiros, para a assinatura de uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e a realização de eleições para o ano de 1945. Com a democratização do país as mulheres se organizam em associações e uniões femininas73. Nesse período, um dos principais temas da agenda feminista passa a ser a luta contra a carestia.

A partir da década de 1950, associações de mulheres começam a realizar seus primeiros encontros e congressos. Em 1951, no estado de São Paulo, foi realizado o 1º Congresso da Federação de Mulheres do Brasil, onde se debateu, sobretudo, temáticas relacionadas ao custo de vida. Em 1952, Nuta Bartof James organizou a 1ª Assembléia Nacional de Mulheres no Estado do Rio de Janeiro. Nesse evento mulheres de diferentes estados brasileiros reivindicaram a defesa dos direitos da mulher, especialmente da mulher trabalhadora, da infância e da paz mundial. Em maio de 1956, realizou-se no Rio de Janeiro, a Conferência Nacional de Trabalhadoras. Em 1960, foi fundada a Liga Feminina do Estado da Guanabara, que além de promover cursos e palestras acerca de temáticas relacionadas às mulheres, liderou campanhas contra o alto custo de vida na época.

Após o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, o Brasil enfrentou o maior período de repressão política, censura e autoritarismo de sua história. As associações de mulheres, assim como grupos de esquerda, de operários, estudantes e negros, perderam espaço no contexto político nacional. Só em meados da década de 1970, o movimento feminista no Brasil ressurge principalmente envolvido com a luta pela anistia dos presos políticos.

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É isso!

Fonte:
Mariana Santos Damasco: “Feminismo negro: Raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil - 1975-1996”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós- Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Orientador: Prof. Dr. Marcos Chor Maio). Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2009.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.

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