“Durante o período coberto pelos séculos XIV a meados do XVII (ca. 1350 - ca. 1650), esteve em curso na Europa um movimento de redescoberta da cultura clássica antiga através do resgate de textos clássicos latinos e gregos, comumente denominado pelos especialistas de ―Humanismo Renascentista. Tal resgate dos textos clássicos antigos incluía também o interesse pela literatura patrística por considerá-la parte integrante da herança literária clássica, o que se deu bem antes das controvérsias religiosas da Reforma Protestante e Contra-Reforma Católico-Romana (MONFASANI, 1999, p. 713). Os patrísticos, ao ver dos humanistas, tinham a primazia sobre os demais autores medievais, por sua ―proximidade cronológica com o período do Novo Testamento e por seu estilo latinista muito mais claro, simples e elegante (MCGRATH, 2007, p. 174). Na verdade, o movimento humanista da Renascença, em seus primórdios, era muito mais caracterizado pelo seu interesse específico, de natureza retórica, nas questões de ordem literária, lingüística e educacional do que por motivações eminentemente teológicas ou filosóficas, embora o interesse religioso estivesse sempre presente, de maneira subjacente, como tentativa de aliar os alvos estritamente humanistas, relacionados ao discurso, com a redescoberta da espiritualidade cristã original,o que ficou conhecido como humanismo cristão (MONFASANI, 1999, p. 713).
O humanismo e o escolasticismo tiveram uma origem comum. Ambos surgiram no contexto das universidades medievais do século XIII. A diferença é que enquanto o movimento humanista se expandiu para os diversos domínios culturais da sociedade da época, o escolasticismo teve sua influência limitada à esfera universitária (MCGRATH, 1999, p. 69). No contexto do século XVI, por exemplo, o substantivo schola e o adjetivo scholastica apenas designavam, de maneira geral, a realidade acadêmica, a esfera dos estudos especializados, seus métodos, exposição e argumentação (MULLER, 2000, p.43).
Ambas as tradições intelectuais (humanista e escolástica) coexistiram no interior das universidades italianas do trecento, tendo a tradição humanista se originado ―do estudo, nativo e já venerável, das artes retóricas, enquanto que a tradição escolástica havia migrado do norte da Europa para a Itália em fins do século XIII (SKINNER, 2000, p. 125).
Embora seja possível determinar com precisão uma linha de continuidade entre os retores medievais e os humanistas italianos do trecento, o mesmo não pode ser dito em relação à filosofia escolástica medieval, pelo menos não na mesma proporção e intensidade (SKINNER, 2000, p. 125). Isso se explica pelo fato da Itália, até o século XIII, ter permanecido um tanto quanto isolada do resto da Europa ocidental, quanto aos influxos culturais que irradiavam da França desde a época carolíngea e da qual fizeram parte ativa países como Inglaterra, Alemanha e Países Baixos. No contexto dos países mais proeminentes do ocidente europeu que deram sua parcela de contribuição ao desenvolvimento e consolidação da cultura medieval como, por exemplo, nos campos da arquitetura, música, poesia latina e, sobretudo, filosofia e teologia escolásticas, a Itália foi a que menos participou, criando em torno de si uma tradição cultural própria, com raízes que remontavam a antiguidade romana. A Itália foi culturalmente muito mais afetada pela cultura bizantina, originando uma forma peculiar de comércio, de política, de arte e poesia e, especialmente, uma ênfase no ensino das leis, da gramática e da retórica (KRISTELLER, 1995, p. 97-98). Só a partir do século XIII é que a influência da cultura medieval do norte da Europa (França) se fez sentir de maneira mais sensível nas produções culturais italianas, como na arquitetura, música, poesia e na filosofia e teologia, criando um padrão cultural distinto de todo o resto da Europa, pois conjugava elementos da tradição cultural antiga, que lhe era peculiar, com a nova que vinha da França. Esta tradição cultural italiana alcançará a hegemonia na Europa ocidental do século XIV, superando inclusive a própria França (KRISTELLER, 1995, p. 99). Aliás, o mesmo itinerário migratório experimentado cerca de um século antes pela Itália se dará em sentido contrário. Só que agora, a partir do século XIV, será a França que importará a cultura renascentista italiana e, posteriormente, a irradiará sobre toda a Europa. A expressão mais autêntica e representativa da Renascença italiana foi o movimento humanístico ou humanismus.
O humanismo renascentista foi um movimento muito eclético em se tratando de suas razões, finalidades e tendências. Entretanto, pode ser afirmado que este movimento se caracterizou por um objetivo comum, um retorno ad fontes aos clássicos gregos e latinos motivado pelos studia humanitatis – o estudo das humanidades ou artes liberais – que no século XV incluía matérias tais como, poesia, gramática, retórica, história e filosofia moral (KRISTELLER, 1970, p. 194). Segundo Kristeller o humanismo renascentista, ―pelo menos na sua origem e nos seus típicos representantes, foi ―uma tendência geral daquela época para atribuir grandíssima importância aos estudos clássicos e para considerar a antiguidade clássica como modelo e medida comum para todas as atividades culturais, ―um vasto movimento cultural e literário que, na substância, não foi filosófico, mas teve importantes implicaões e conseqüências filosóficas (KRISTELLER, 1995, p. 99, 29). Tal busca pelos clássicos era motivada pelo seu compromisso com o ideal de eloqüência, muito comum desde os retores medievais de quem os humanistas eram herdeiros diretos. A idéia era imitar os modelos clássicos e aprender com eles a se expressar e a escrever bem, o que acabou desembocando nas suas análises filológicas clássicas (KRISTELLER, 1995, p. 103).
A cultura tão comum na Renascença italiana, marcada pelo movimento ad fontes, que permitiu aos humanistas italianos pensarem a atividade política de sua época à luz dos clássicos da antiguidade, teve no florentino Francesco Petrarca (1304-1374) um de seus principais precursores. Além de ter sido o primeiro grande humanista da Renascença, Francesco Petrarca também foi o primeiro humanista cristão (MONFASANI, 1999, p. 713). Em Petrarca já se torna perceptível pelo menos duas das principais marcas que caracterizarão mais tarde todo humanismo renascentista: a inestimável importância conferida aos textos da antiguidade clássica e o resgate da relevância social da existência humana, principalmente no que diz respeito à atividade política, sem que a mesma fosse interpretada exclusivamente pelas ―lentes da teologia e da tradição da Igreja.”
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Fonte:
Fabiano de Almeida Oliveira: "João Calvino e Santo Agostinho sobre o Conhecimento de Deus e o Conhecimento de Si: Um Caso de Disjunção Teológico-Filosófica". (Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Filosofia sob a orientação do Prof. Dr. Lorenzo Mammi. São Paulo 2010.
Nota:
As origens do Humanismo renascentista
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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