Os laços entre a União Soviética e o Afeganistão

O Afeganistão e a URSS de 1917 a 1973

“Os laços entre a União Soviética e o Afeganistão eram antigos. Em abril de 1919, o rei Amanollah estabeleceu relações diplomáticas com o novo governo de Moscou, o que permitiu a esse último abrir cinco consulados. Em 28 de fevereiro de 1921, foram assinados um tratado de paz e um acordo de cooperação, e os soviéticos participaram na construção de uma linha telegráfica. Pagavam ao rei um subsídio anual de 500.000 dólares. Esse entendimento marcava para os soviéticos não só a vontade de contrabalançar a influência inglesa no país, mas também de estender a revolução aos países sob domínio colonial ou semicolonial. Desse modo, quando do Congresso dos Povos do Oriente, realizado em Bacu, de lº a 8 de setembro de 1920, os responsáveis da Internacional Comunista consideraram que o anticolonialismo e o antiimperialismo poderiam atrair para o seu campo os povos "sob domínio" e lançaram-se em declarações em que a expressão "luta de classes" era substituída por Jihad ("guerra santa"). Parece que três afeganes participaram nesse congresso: Agazadé pelos comunistas afeganes, Azim pelos "sem-partido", e Kara Tadjiev, que se tornou mais tarde o representante dos sem-partido junto ao Congresso. Nessa mesma linha, as resoluções do IV Congresso da Internacional Comunista, o qual se iniciou em 7 de novembro de 1922, preconizavam o enfraquecimento das "potências imperialistas" através da criação e organização de "frentes únicas antiimperialistas".

Ao mesmo tempo, as tropas soviéticas comandadas pelo general Mikhail Vassilievitch Frunzé (1888-1925), um dos responsáveis do Exército Vermelho que participara na repressão contra o movimento anarquista ucraniano de Nestor Makhno, anexaram, em setembro de 1920, o Khanat (província de Bukhara), que, anteriormente, fizera parte do reino do Afeganistão, e multiplicaram as operações contra os camponeses, os basmatchisis designados como "bandidos", que sempre haviam recusado o domínio russo e depois bolchevique na região -, utilizando métodos semelhantes aos usados contra os camponeses revoltosos na Rússia. A anexação dessa região tornou-se definitiva em 1924, mas os combates prosseguiram, enquanto um milhão de basmatchis se refugiavam no Afeganistão. Só em 1933 os basmatchis foram definitivamente esmagados pelo Exército Vermelho. A influência dos comunistas nas esferas dirigentes do Afeganistão já se fazia sentir; muitos oficiais afeganes iam formar-se na URSS. Paralelamente, "diplomatas soviéticos" realizavam atividades clandestinas: um adido militar e vários engenheiros foram expulsos por esse tipo de trabalho. A presença de agentes da GPU no Afeganistão está igualmente atestada, na pessoa de Georges Agabekov, membro da Tcheka desde 1920, integrado ao serviço Inostrany Otdel (a seção estrangeira), de que se tornou o residente ilegal, primeiro em Cabul e depois em Istambul, onde continuou a ocupar-se do Afeganistão até a sua ruptura com a GPU, em 1930.

Em 1929, o rei Amanollah iniciou uma política de reforma agrária. Conduziu em paralelo uma campanha antireligiosa. As leis foram decalcadas do modelo do reformador turco Kemal Ataturk e provocaram um levante camponês, encabeçado por Batcha-yé-Saqqao, "o Filho do Aguadeiro", que derrubou o regime. Inicialmente, esse levante foi visto pela Internacional Comunista como anticapitalista. Depois, a URSS ajudou as tropas do Antigo Regime, comandadas pelo embaixador afegane em Moscou, Gulam-Nabi Khan, a entrar no Afeganistão. As tropas soviéticas (as melhores unidades de Tachkent, apoiadas pela aviação russa) penetraram no Afeganistão com uniformes afeganes. Cinco mil afeganes que representavam as forcas governamentais foram mortos, todos os camponeses encontrados durante a passagem do Exército Vermelho foram imediatamente executados. O rei Amanollah e Gulam-Nabi Khan fugiram para o estrangeiro, e o apoio soviético terminou. Nader Shah, precipitadamente de volta do seu exílio na França, assumiu a chefia do exército afegane, os notáveis e as tribos proclamaram-no rei, e "o Filho do Aguadeiro", que iniciara uma fuga, foi preso e executado. Nader Shah procurou o entendimento com os ingleses e com os soviéticos. Era reconhecido e escutado em Moscou, em troca do fim do apoio aos insurrectos basmatchis. O dirigente dos basmatchis, Ebrahim Beg, foi rechaçado pelo exército afegane para o território soviético, onde foi preso e executado. A 24 de junho de 1931, foi assinado um novo tratado de não-agressão. Nader Shah morreu assassinado por um estudante, e Zaher Shah, seu filho, tornou-se rei em 1933.

Depois de 1945, o país conheceu várias ondas de "modernização", principalmente sensíveis na capital, com a
implementação de planos quinquenais e septenais. Foram assinados novos acordos de associação e de amizade com a União Soviética, entre os quais o de dezembro de 1955, que preconizava a não-ingerência, ao mesmo tempo que numerosos conselheiros soviéticos eram enviados para o Afeganistão, notadamente a fim de contribuir para a modernização do exército.

O príncipe Mohammed Daud, primo do rei e primeiro-ministro, governou de 1953 a 1963. Participou na criação do movimento dos não-alinhados. Com o decorrer do tempo, a influência soviética tornou-se preponderante, os soviéticos introduziram-se no exército e nos setores-chave da vida do país. Os acordos econômicos foram orientados de modo quase exclusivo a favor da URSS, embora o príncipe tentasse regularmente aproximações com os Estados Unidos. Em 1963, Daud foi demitido pelo monarca, Zaher Shah, que doravante exerceria realmente o poder. No decurso da década de 1963-1973, Zaher tentou transformar o regime numa monarquia constitucional. Os partidos políticos foram legalizados, e as primeiras eleições livres realizaram-se em janeiro de 1965. Um segundo escrutínio foi organizado em 1969. Na ocasião das duas eleições, os resultados deram a vantagem a notáveis locais e a grupos favoráveis ao governo. O Afeganistão ocidentalizava-se e modernizava-se, embora o país não fosse ainda uma verdadeira democracia: "O regime real estava longe de ser perfeito: altivo, privilegiado, frequentemente corrupto", sublinha Michael Barry. "Mas estava longe de ser esse abismo de barbárie que os comunistas afeganes se comprazem em descrever. Além disso, a realeza, desde 1905, abolira a tortura, e até os castigos corporais previstos pela Charia haviam caído em desuso: nesse domínio, o regime comunista representa uma regressão selvagem."


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Fonte:
O Livro Negro do Comunismo: Crimes, terror e repressão”: Jean-Louis Panné, Andrzej Paczkowski, Karel Bartosek, Jean-Louis Margolin, com a colaboração de Remi Kauffer, Pierre Rigoulot, Pascal Fontaine, Yves Santamaria e Sylvain Boulouque. Tradução: Caio Meira. BCD União de Editoras S.A. Rio de Janeiro, p. 356-357.

Nota:
A imagem e o título inicial não se incluem na referida tese.

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