Thomas Kuhn: O Conceito de Revolução Científica

“Se a história fosse vista como um repositório para algo mais do que anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem de ciência que atualmente nos domina.” (THOMAS KUHN) Norte-americano, Thomas Kuhn nasceu em Cincinnati, Ohio (EUA). Foi professor na Universidade de Princeton; no MIT (Massachusetts Institute of Technology), no período de 1979 a 1991, onde encerrou sua carreira no magistério.

Kuhn é protagonista do que se convencionou chamar de “a nova filosofia da ciência”. Seu trabalho está na esteira de autores aos quais reconhece a antecedência, a saber: as pesquisas históricas de Koyré, Meyerson, Helène Metzger, Anneliese Maier, as inspirações de James B. Conant, os trabalhos de Jean Piaget, de Benjamin Whorf, de Ludwig Fleck, além das análises filosóficas de Quine.

Para Kuhn, o estudo histórico da ciência – que reúne e implica, a um só tempo, a habilidade do historiador e o conhecimento do cientista – é indispensável para se compreender como se desenvolveram as teorias científicas, como também por quê, em alguns momentos da história, certas teorias foram mais bem aceitas em vez de outras e, por isso, justificadas e validadas. Essa postura contraria a idéia de que a filosofia da ciência é, simplesmente, uma reconstrução lógica de teorias científicas.

Apesar de Thomas Kuhn ter, inúmeras vezes, revisto e aprimorado seu pensamento, podemos dizer que suas idéias centram-se no que se poderia chamar de “ciência normal” e de “ciência anormal”.

A ciência normal é aquela que é elaborada por uma comunidade científica e serve de base para os desenvolvimentos subseqüentes. Assim, baseia-se num paradigma (termo grego, empregado por Platão, em vários sentidos: “exemplo”, “amostra”, “cópia”, “padrão”, “modelo”; para melhor significar o sentido de paradigma em Platão, devemos precisar o mesmo como modelo = idéia. O termo também pertence ao vocabulário da gramática, designa um exemplo de construção sobre o qual muitos outros podem ser moldados), do qual derivam regras (sabe-se, no entanto, que para Kuhn, os paradigmas podem orientar a investigação mesmo na ausência de regras). Estabelecido um paradigma, a investigação procede de maneira semelhante à solução de “enigmas”, não sendo postos em dúvida os fundamentos do paradigma.

Descobertas “anomalias” no transcorrer do processo investigatório, o que de fato geralmente ocorre, o pesquisador deixa-as de lado como questões relativamente inoportunas, afim de que sejam melhor analisadas posteriormente. Quando tais anomalias tornam-se excessivas e já não se podem ignorá-las ou explicá-las em termos teóricos “normais” – elas assumem um caráter metafísico e extrapolam os limites científicos da teoria – produz-se, então, uma quebra do paradigma, que será substituído por outro. É no trânsito de um paradigma a outro que a ciência oferece um aspecto “anormal”, pois já não se está somente diante de perplexidades, mas diante de problemas que exigem, para sua solução, uma nova teoria, um novo paradigma.

A mudança de paradigma provoca um “deslocamento” semelhante ao que se observa no campo da percepção quando, de acordo com a Psicologia da Gestalt, se vê uma figura diferente da até então vista. Ora, os mesmos fatos são observados de forma distinta, numa perspectiva diferente, isto é, agora, no âmbito de um novo paradigma. As revoluções científicas consistem nessa crise de fundamentos: são mudanças na visão de mundo < invisíveis > inclusive para os próprios cientistas que as realizam.

As anomalias podem ser interpretadas como falseamento de teorias científicas, mas também podem ser vistas como condições para o surgimento de uma nova teoria. O paradigma pode ser estudado como uma estrutura lógica ou como uma série de pressupostos que são condições de possibilidade da investigação científica.

As idéias de Thomas Kuhn, sobre a estrutura das revoluções científicas, alcançaram grande ressonância devido ao fato de: abarcarem um campo muito amplo que vai da lógica da descoberta científica à psicologia (e à sociologia) da produção científica; seus conceitos básicos terem suficiente flexibilidade para admitir interpretações as mais diversas. Assim, é preciso considerar que uma mudança de paradigma pode acontecer subitamente, a exemplo daquele “deslocamento” da visão, antes indicado, como também pode acontecer que a formação de um novo paradigma leve muito tempo para se consolidar, o que pode implicar a coexistência de dois ou mais paradigmas num mesmo momento histórico.

Kuhn sempre rejeitou interpretações extremas de suas idéias. Assim, recusou todo reconstrucionismo e mesmo todos os falseamentos ingênuos; não aceitou que sua teoria sobre a estrutura e a história das teorias científicas fosse tratada como uma mera manifestação de historicismo, psicologismo ou de sociologismo. Seu trabalho está voltado para o desenvolvimento, por meio da descrição e da análise histórica, de uma teoria da racionalidade dentro da qual talvez se possam explicar as noções de paradigma e de mudança de paradigma, incluindo-se aí toda mudança radical ou revolucionária.

Neste sentido, dado o caso, num determinado momento histórico, de um paradigma diferir fundamentalmente de outro e, de modo específico, se um paradigma novo difere fundamentalmente do velho paradigma que, com o advento da crise, chegou a substituir, parece que se tem de concluir que os dois são completamente incomparáveis entre si. Esta situação de incomparabilidade entre os dois paradigmas não só tornaria difícil, mas também impossível uma história da ciência, que é justamente o que Kuhn procura fazer. Além disso, a ausência de uma história da ciência, fatalmente levaria a um irracionalismo e a um relativismo terminantemente recusados por Kuhn.

Essa incomparabilidade ou incomensurabilidade entre duas teorias, consiste numa diferença estrutural nas relações de termos-tipo (Kindterms) usados em distintas comunidades. Ela é sempre local, quer dizer, uma mudança teórica revolucionária afeta sempre alguns conceitos, mas nunca sua totalidade. Esse caráter local (específico, não geral) da incomensurabilidade, é o que permite uma ampla base conceitual comum para que se possa, apesar das diferenças conceituais pontuais, comparar teorias.

Bem entendida, a incomensurabilidade não impede – como alguns podem pensar – um real progresso do conhecimento. Ao contrário, é ela que, na realidade, leva ao progresso cognoscitivo, uma vez que este progresso não é meramente quantitativo, implicando, assim, uma profunda reorganização do conhecimento até então estabelecido. Não se trata de uma busca progressiva da verdade, pois Kuhn nega a existência de uma verdade independente da teoria.

O progresso científico precisa ser entendido de forma instrumental, como um crescimento intrateórico da capacidade de resolver problemas e de fazer previsões. É claro que essa compreensão do desenvolvimento teórico assinala um preço a ser pago pelas comunidades científicas, a saber: a crescente especialização que isola as comunidades umas das outras.”

NB: Cf., Ferrater Mora, 2001, págs. 1669s, 2199s.


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Fonte:
"Filosofia da Ciência": Nelson Matos de Noronha, José Alcimar de Oliveira, Deodato Ferreira da Costa. UEA – Universidade do Estado da Amazonas. Manaus, 2006.

Nota:
A imagem não se inclui na referida obra.

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