Paul Feyerabend: "pluralismo metodológico"

“Os exemplos de Copérnico, da teoria atômica, do vodu e da medicina chinesa mostram que até mesmo a teoria mais avançada e aparentemente mais precisa não é invulnerável, podendo ser alterada ou inteiramente destruída com o auxílio de idéias que a vaidade da ignorância já tenha lançado nos cestos de resíduos da História. Essa a via pela qual o conhecimento de hoje pode, amanhã, passar a ser visto como conto de fadas; essa a via pela qual o mito mais ridículo pode vir a transformar-se na mais sólida peça da ciência.

O pluralismo das teorias e das doutrinas metafísicas não é apenas importante para a metodologia; também é parte essencial da concepção humanitária. Educadores progressistas têm sempre tentado desenvolver a individualidade de seus discípulos, para assegurar que frutifiquem os talentos e convicções particulares e, por vezes, únicos que uma criança possua. Contudo, uma educação desse tipo tem sido vista, muitas vezes, como um fútil exercício, comparável ao de sonhar acordado. Com efeito, não se faz necessário preparar o jovem para a vida como verdadeiramente ela é? Não significa isso dever ele absorver um particular conjunto de concepções, com exclusão de tudo o mais? E, se um traço de imaginação nele permanecer, não encontrará adequada aplicação nas artes ou em um fluido reino de sonhos que pouco tenha a ver com o mundo em que vivemos? Ao final, não levará esse processo a um divórcio entre a realidade odiada e as deliciosas fantasias, entre a ciência e as artes, entre a descrição cautelosa e a irrestrita autoexpressão? Os argumentos em prol da pluralidade evidenciam que isso não precisa acontecer. É possível conservar o que mereceria o nome de liberdade de criação artística e usá-la amplamente não apenas como trilha de fuga, mas como elemento necessário para descobrir e, talvez, alterar os traços do mundo que nos rodeia. Essa coincidência da parte (o indivíduo) com o todo (o mundo em que vive), do puramente subjetivo e arbitrário com o objetivo e submisso a regras, constitui um dos mais fortes argumentos em favor da metodologia pluralista. Para maior esclarecimento, o leitor é convidado a consultar o magnífico ensaio de Mill, On Liberty.”


---
Fonte:
Paul Feyerabend: “Contra o Método”. Tradução de Octanny S. da Mata Leonidas Hegenberg. Livraria Francisco Alves Editora. Rio de Janeiro, 1977, p. 71.

Nota:
O título e a imagem não se incluem na referida obra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!