Mídia e ideologia

“Marx e Engels representam um referencial no que se refere ao conceito de ideologia, pela visão materialista e crítica proposta por esses pensadores. Estarei aqui levantando algumas posições referentes à ideologia, baseados na própria Ideologia Alemã (1988).

Para Marx e Engels, o termo ideologia inicialmente foi utilizado no sentido de realizar uma espécie de crítica ao pensamento dos jovens hegelianos:

Estes sonhos inocentes e pueris formam o núcleo da filosofia atual dos Jovens Hegelianos; e, na Alemanha, são não só acolhidas pelo público com um misto de respeito e pavor como ainda apresentadas pelos próprios heróis filosóficos com a solene convicção de que tais idéias, de uma virulência criminosa, constituem para o mundo um perigo revolucionário.
(Marx e Engels, 1986, p.).

Estes acreditavam que o debate a respeito das “idéias” era fundamental para o entendimento e uma possível mudança do quadro social e políticorelativamente atrasado da Alemanha do início do século XIX. Os jovens hegelianos acreditavam na eficácia de um debate crítico a respeito das idéias como forma de mudar a realidade.

A visão dos hegelianos de esquerda deveria ser contestada pelo fato de oferecer uma grande importância ao papel das idéias, no que se refere à história e à vida social. Eles acreditavam que as idéias, as concepções diversas do pensamento, juntamente com as construções da consciência, representavam os reais limites dos seres humanos. Assim, não percebiam que colocavam idéias para explicar outras idéias, deixando o mundo concreto e real para segundo plano, pelo fato de não realizarem nenhuma ligação concreta e aparente entre as idéias e a realidade sócio-histórica alemã.

Nesse momento, o termo “ideologia” para Marx e Engels adquire a seguinte concepção: ”uma doutrina teórica e uma atividade que olha erroneamente as idéias como autônomas e eficazes e que não consegue compreender as condições reais e as características da vida sócio-histórica
” (Thompson, 2002, p.51).

Outra visão sobre a ideologia adotada posteriormente por Marx e Engels, se refere às idéias em relação à classe dominante. Essa concepção se refere ao termo ideologia como ligada e originada das relações econômicas e de relações de classe. Desta forma o termo ideologia denota “um sistema de idéias que expressa os interesses da classe dominante, mas que representa relações de classe de uma forma ilusória” (Thompson, 2002, p. 54).

Assim, a ideologia estaria sob o comando dos interesses da classe dominante que usa das idéias para manter sua posição de domínio. Marx e Engels diriam que: “As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que tem a força material na sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força intelectual dominante” (Marx e Engels, 1998, p. 64).

Contudo, devemos compreender que as relações entre as idéias, as concepções de mundo e a situação social e histórica das diferentes classes sociais é algo muito complexo. Não se trata de um fenômeno linear e direto de causa e efeito. São as ligações intrínsecas entre as idéias e os interesses das classes sociais que tornam determinantes certas idéias em um contexto histórico-social particular.

É importante afirmar aqui que o caráter ilusório da ideologia deve-se não a um erro proposital de interpretação da realidade. A ilusão origina-se da forma limitada e parcial da apreensão da realidade. Além disso, a ideologia seria ilusória também porque naturaliza e absolutiza os fenômenos sociais, que não são apreendidos como o resultado, muitas vezes não intencional, do complexo de relações que os homens estabelecem entre si com a natureza para assegurar sua sobrevivência coletiva. O “erro” da ideologia deriva do abandono, muitas vezes inconsciente, da perspectiva de pensar a realidade como totalidade unitária, contraditória e em processo de construção simbólica. Mesmo assim, podemos afirmar que sempre há algum conteúdo de verdadeiro na ideologia.

Aqui se faz importante um conceito desenvolvido sob a ótica marxista: o fetichismo da mercadoria. Marx ao tratar sobre o fetichismo da mercadoria faz alusão inicial ao termo mercadoria da seguinte forma:

A mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão.
(Marx, 1996, p.25).

As relações sociais que os indivíduos estabelecem entre si se dão sob o comando e através das mercadorias. Como estas passam a representar a ponte de ligação e comunicação entre os indivíduos, estas relações aparentam ocorrer não entre os sujeitos, mas entre as mercadorias.

Segundo Marx:

O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente em que ela apresenta aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como se fossem características objetivas dos próprios produtos do trabalho, como se fossem propriedades sociais inerentes a essas coisas; e, portanto, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho global como se fosse uma relação social de coisas existentes para além deles.
(Marx, 1996, p. 68).

Significativamente, O Capital começa com a discussão sobre o fetichismo da mercadoria, no qual os objetos materiais (as mercadorias) aparecem como dotados naturalmente de valor, enquanto as relações de trabalho entre os produtores aparecem sob a forma de relações entre os produtos de seu trabalho: "A riqueza das sociedades em que domina o modo capitalista de produção aparece como uma imensa coleção de mercadorias, e a mercadoria individual como sua forma elementar." (Marx, 1983, p.45). Em ambos os casos, Marx está de dentro de seu compromisso com os valores humanistas, tratando da coisificação dos homens enquanto essência desse modo de produção. E o faz com paixão e profundidade teórica.

A crítica marxista do conhecimento que faz do sujeito um objeto tem origem na análise do fetichismo da mercadoria. É nela que se desvenda a maneira pela qual a forma econômica do capitalismo oculta as relações sociais que lhe são subjacentes; é nela que se fundamenta o desvelamento de uma forma de conhecimento que coisifica os homens ao se deter na aparência da realidade social, no que é imediatamente dado, em contraposição ao conhecimento que desvela a sua essência, ou seja, a sua face ocultada. Dizendo de outro modo, de um ponto de vista materialista histórico, na forma assumida pelo trabalho sob o modo de produção capitalista - o trabalho dividido, parcelar - está a origem desta "ilusão de ótica" que transforma as coisas em entidades que se relacionam socialmente e as relações sociais entre os produtores em relações entre coisas.

Cabe à teoria revelar a realidade ocultada, ou seja, as relações sociais de produção. É, portanto, um enorme esforço teórico que possibilita a consciência de que o que aparece como natural é social; o que aparece como a - histórico é histórico; o que aparece como relação justa, é exploração; o que aparece como mero lucro é extração da mais-valia; o que aparece como resultado de deficiências individuais de capacidade é produto de dominação e de desigualdade de direitos determinados historicamente.

Trazendo para o universo da mídia, podemos dizer utilizando a direção oferecida pelo pensamento marxiano descrito acima, que os textos jornalísticos podem ser percebidos como construtos de natureza ideológica. Eles fazem parte e constituem a principal instituição ideológica do capitalismo contemporâneo. Os sistemas de comunicação formam o principal espaço no qual o consenso dominante é forjado e manipulado.

Os meios de comunicação operam a partir da produção de códigos hegemônicos que “cimentam” o social. Estes códigos são coletados desde o limitado campo dos discursos dominantes até uma restrita série de explicações sociais. Os códigos preferenciais se destacam, alcançando um efeito ideológico tal, ao ponto de serem percebidos como naturais. Da mesma forma que o sujeito se confunde e muitas vezes se engana a respeito da fonte de sua identidade, a mídia parece refletir a realidade, quando na verdade está construindo uma realidade.

O autor Adriano Duarte Rodrigues, em sua obra Comunicação e Cultura: A Experiência Cultural na Era da Informação (1994) oferece-nos uma visão muito interessante sobre a ideologia, sendo analisada aqui do ponto de vista da comunicação.

Segundo o autor citado, o papel da comunicação em nossos dias estaria ligado à legitimação de determinados discursos, comportamentos e ações. Ele trata a ideologia difundida pela comunicação como o mais novo instrumento com poder de mobilização, capaz de criar um consenso aceito a nível universal, por todas as instâncias e domínios da experiência moderna (Rodrigues, 1994, p. 13).

O imperativo da ideologia presente na comunicação estaria presente nos relacionamentos entre os indivíduos e também no nível dos Estados e das instituições. Esse poder ideológico (id. p. 13) presente na comunicação teria se tornado indiscutível, na medida em que as sociedades modernas esqueceram-se de contar com outros mecanismos que antes estavam presentes na sociedade, como, a tradição. A formação de um consenso e a preocupação de fundamentar o entendimento deixa de usar quaisquer outras maneiras alternativas, para somente se fixar na comunicação, como fonte poderosa e suficiente para a difusão da ideologia.

Cabe agora à “ideologia comunicacional” (Id. p. 15) a tarefa de construção de uma nova racionalidade, atrelada a uma verdade efetiva, acompanhando à modernidade, mas igualmente aniquilando a participação social e fatalmente os conflitos que essa participação poderia resultar.

O autor afirma ainda que mesmo frente a esse novo quadro de difusão em que se apresenta a ideologia (Id. p. 15) em comunhão com a comunicação, aquela ainda teria o desejo de construção de uma nova era, através de processos de refundação, de recomeço e de uma reinvenção. Para isso, utilizaria ainda os velhos mitos de civilizações arcaicas, representantes da fundação da sociabilidade humana.

O sentido ideológico (Id. p. 15) da comunicação atualmente é apresentado como um ideal positivo, por representar e proporcionar uma espécie de passagem para um espaço multifacetário e multicultural. Mas o autor afirma também sobre as razões “técnico-científicas” que são impostas como leituras originais e legítimas da realidade, e também sobre determinadas posturas “anti-racionalistas”, que representariam os pontos negativos dessa relação comunicação-ideologia.

Parece assim surgir uma nova racionalidade, sustentada por esse mesmo discurso, presente na ideologia da comunicação. Essa racionalidade pretende assim defender um discurso como legitimo, como uma verdade efetiva. Essa nova racionalidade, ligada às questões de consumo, informação e poder, é imposta como legítima, muitas vezes não oferecendo à sociedade a liberdade de escolha de inserção em novos discursos diferentes. A difusão em larga escala e com longo alcance do mesmo discurso, garantiria sua hegemonia sobre os demais.

No próximo capítulo, estaremos tratando como a sociedade brasileira vê a questão da violência, quais as causas que percebe como sendo importantes para a formação e manutenção de situações e fatos violentos e a participação da mídia jornalística nesse universo.”


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Fonte:
JASSON MATIAS PEDROSA: “VIOLÊNCIA, MÍDIA E JUVENTUDE: ANÁLISE SOBRE O DISCURSO ADOTADO PELO JORNALISMO IMPRESSO SOBRE A REALIDADE VIOLENTA DE JOVENS DA PERIFERIA DA CIDADE DE NATAL”. (Dissertação apresentada ao programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais. Orientador: Professor Dr. João Emanuel Evangelista). Natal, 2008.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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