A reação indígena à conquista colonizadora

Florestan Fernandes: a reação indígena à conquista colonizadora

"F
lorestan Fernandes começa, em capítulo publicado em “História Geral da Civilização Brasileira”, afirmando que foram os Tupis, dentre os vários grupos tribais existentes, os que mais travaram contatos com os portugueses que tentaram ocupar e explorar colonialmente o Brasil.

Mais do que isso, os Tupis foram o principal núcleo de resistência organizada aos objetivos dos colonizadores e, ao mesmo tempo, o principal ponto de apoio
deles junto às populações nativas.

Não é verdade, diz o autor, que os aborígines dessa parte da América assistiram passivamente à ocupação das suas terras e à colonização imposta pelos europeus. O que sustenta esse mito é a idéia de que estavam em um nível
civilizatório muito baixo.

Longe disso, dentro das suas possibilidades, foram inimigos duros e terríveis,

que lutaram ardorosamente pelas terras, pela segurança e pela liberdade, que lhes eram arrebatadas conjuntamente.

Apesar de o desfecho do processo ter sido adverso aos indígenas, não se pode negar que esse processo possui duas faces.

Se houve coragem e heroísmo entre os brancos que aqui aportaram, o mesmo deve ser dito dos aborígines, ainda que isso não tenha movimentado a história e,
pior, tenha-se perdido com a destruição do mundo em que viviam, diz o autor.

A partir disso, propõe-se a descrever os aspectos mais importantes da organização das sociedades tupis, procurando, nessa organização, os fatores que
permitem explicar, sociologicamente, o padrão de reação à conquista.

Em síntese, o autor afirma que, na sociedade tupi, os indígenas conviviam de forma ordenada e eram solidários uns aos outros. Habitavam o litoral dos atuais estados do Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão e Pará, praticando a horticultura, a
coleta, a caça e a pesca.

Não se preocupavam em restabelecer o equilíbrio da natureza, o que levava à exaustão das áreas ocupadas e, conseqüentemente, ao deslocamento periódico das tribos para áreas ainda não exploradas. Havia um padrão rígido de equilíbrio
interno e as regras de educação eram pautadas pelo respeito mútuo.

Todavia, com a chegada dos portugueses, aos poucos, houve um efeito
desintegrador, que atingiu o centro desse equilíbrio:

Enquanto estes eram em pequeno número e podiam ser incorporados à vida
ocial aborígine ou se acomodavam às exigências dela, nada afetou a unidade e a autonomia do sistema social tribal.

Isso somente foi possível nas regiões onde os brancos limitavam-se ao
escambo do pau-brasil e outros produtos e, assim, não havia a necessidade da permanência de grande número de estranhos nas tribos, possibilitando aos nativos impor sua autoridade e seu modo de vida.

No entanto, tudo se modifica, a partir de 1533
, quando os portugueses começam a querer subordinar os indígenas, sujeitando-os a seus interesses de exploração da terra:

Ao substituir o escambo pela agricultura, os portugueses alteraram completamente seus centros de interesse no convívio com o indígena. Este passou a ser encarado como um obstáculo à posse da terra, uma fonte
desejável e insubstituível de trabalho e a única ameaça real à segurança da colonização.

Florestan Fernandes, então, diz que passamos do período de tensões encobertas quando, apesar do estado amistoso de convivência com os nativos, os portugueses viviam aterrorizados pela insegurança -, para a era do conflito social com
os índios:

Os alvos dos brancos poderiam ser alcançados e satisfeitos pela expropriação territorial, pela escravidão e pela destribalização.

Dessa forma, explica-nos o autor que, para subjugar os indígenas à ideologia
colonial, a Coroa portuguesa atuou em três frentes distintas. Primeiramente, a do colono, o agente efetivo da colonização:

Para ele, ‘submeter’ os indígenas equivalia a reduzi-los ao mais completo e abjeto estado de sujeição. Tomar-lhes as terras, fossem ‘aliados’ ou ‘inimigos’; convertê-los à escravidão, para dispor “ad libitum” de suas pessoas, de suas coisas e de suas mulheres; tratá-los literalmente como seres sub-humanos e negociá-los...

Depois, atuava o administrador ou agente da Coroa, que se via numa situação
difícil: ao mesmo tempo que compartilhava das idéias dos colonos referentes aos índios, não podia colocá-las em prática, dadas as circunstâncias, ou seja, fazia concessões aos colonos, mas resguardava certos interesses que davam à Coroa a possibilidade de utilizar as tribos aliadas como um instrumento de conquista e de controle dos territórios ocupados.

Sobre essa mediação entre os interesses dos colonos e dos nativos, Florestan Fernandes diz que os colonos nem sempre respeitavam tais convenções, pois, se algumas garantias eram dadas às tribos aliadas, ao mesmo tempo admitia-se o direito à
“guerra justa” contra as tribos hostis.

Ou melhor, estrategicamente, a Coroa, visando à realização da sua política de exploração dos indígenas aliados como auxiliar humano da colonização, não impedia
os abusos dos colonos contra os nativos resistentes.

Por fim, atuaram os jesuítas, visando a subjugar o indígena ao projeto político da
Metrópole, mesmo que, com freqüência, contrariassem, por sua esfera de atuação junto aos nativos, os interesses tanto dos colonos quanto da própria Coroa.

Todavia, como um desses agentes, os jesuítas fizeram bem o seu papel, em consonância com os objetivos do colonizador: destruir as bases de autonomia das
sociedades tribais, reduzindo os indígenas à dominação do branco:

[...] Verifica-se que a influência dos jesuítas teve um teor destrutivo comparável ao das atividades dos colonos e da Coroa, apesar de sua forma branda e dos elevados motivos espirituais que a inspiravam. Coube-lhes desempenhar as funções de agentes de assimilação dos índios à civilização cristã.

Isso, significou, na prática, que os jesuítas conduziram a política de destribalização,
fosse destruindo a influência dos pajés e dos índios mais velhos junto à tribo, ou atacando diretamente as instituições nucleares que a orientavam, como o xamanismo e a antropofagia ritual.

Além disso, os jesuítas incutiram nas crianças dúvidas quanto à opinião dos mais
velhos e quanto à legitimidade das tradições tribais.

Por fim, aglomeraram os indígenas em um número reduzido de aldeias, o que
causou um desequilíbrio nas relações sociais da tribo.

Em contrapartida, diz o autor que houve três formas básicas de resistência à invasão dos portugueses e à subjugação dos indígenas que começava a se desenhar
naquele momento.

Primeiramente, por meios violentos, para preservar a autonomia da tribo, tentando
expulsar o lavrador branco. Como exemplo, cita Fernandes a resistência dos Tamoios, que tiveram algum sucesso nessa empresa.

Outra forma foi a submissão aos portugueses, ou como aliados ou como escravos. Ou seja, submetiam-se aos jesuítas ou aos próprios colonos quando eram derrotados
em “guerras justas”.

Por fim, por meios passivos, migrando para áreas onde o branco não pudesse exercer dominação efetiva. Todavia, esse tipo de reação não terá muita eficiência,
dadas as entradas e as bandeiras postas em ação pelos portugueses.

Conclui o autor que os Tupis, diante das adversidades que se apresentavam, tiveram de escolher entre dois caminhos: a submissão ou a fuga com o isolamento. E
por isolarem-se:

Os Tupis pagaram elevado preço por tal solução, pois tiveram de adaptar-se,
progressivamente, a regiões cada vez mais pobres. Mas conseguiram, pelo menos parcialmente, combinar o isolamento à preservação de sua herança biológica, social e cultural."
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Fonte:
DOUGLAS SOARES DE MIRANDA: "A Guerra em Nome de Deus: Uma Análise Crítica do De Gestis Mendi de Saa, de José de Anchieta". (Dissertação apresentada ao departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Literatura Brasileira. Orientador: Prof. Dr. Eduardo de Almeida Navarro). São Paulo, 2007.

Nota
:
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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