A reforma pombalina da Inquisição

“A segunda metade do século XVIII representou um momento peculiar à história de Portugal, no geral, e da Inquisição, em particular. Sob o reinado de dom José I, experimentou-se modificações que alteraram e aprofundaram a estrutura já azeitada da política portuguesa. A política josefina vicejava mesclada, paradoxalmente, pela razão iluminista e pela luta do pequeno reino, maior das estrelas dentre as menos brilhantes, para voltar a grandeza de outrora. Assim, contrariado, o ministro Sebastião José de Carvalho, se utilizaria do conhecimento adquirido em Inglaterra e Áustria para lançar mão de uma reforma da prática política. De Portugal ao império colonial ultramarino, mormente, a tônica destas reformas acometia sobre o fortalecimento do poder real, angariando mais recursos à fazenda del’rei. Para isso, duas foram as frentes de Pombal: a alta nobreza e a Igreja, encarnada nos baluartes de Trento (os jesuítas, culpados-mores, o Santo Ofício e as decorrentes decisões ultramontanas).

Nuno Gonçalo Monteiro afirma que “na economia e na sociedade as reforma pombalinas, só por si, não produziram efeitos marcantes a longo prazo”, com algumas pequenas exceções
. Contudo, o impacto mais profundo dessas medidas se deu no campo político e simbólico, pois representou “uma afirmação sem precedentes da supremacia da realeza sobre os demais poderes e instituições”. Contudo, Monteiro afirma que esta gradual mudança político-simbólica é fruto de uma progressiva centralização do processo decisório que teria início no reinado de dom João V, com a intervenção do Conselho de Estado. Portanto, apesar de reforçar o poder das Secretarias de Estado, o consulado pombalino não teria alterado efetivamente o padrão de governo, pois Pombal não passou de um valido tradicional, nada influenciado pelo modelo político do iluminismo. Esta afirmação, o levou a discordar da asserção fulcral em que Maxwell caracteriza Pombal como um paradoxo do iluminismo. Igualmente, a continuidade percebida entre os reinados de dom João V e dom José, bem como a caracterização de Pombal como um valido do século XVII, o fizeram discordar da tese de António Manuel Hespanha sobre a centralização política portuguesa. De todo o modo, o que nos interessa ressaltar é a idéia de que a política josefina (ou pombalina) representou a supremacia do poder real às demais instituições e poderes.

Em um estudo sobre o pombalismo, José Subtil procurou salientar o modo pelo qual Pombal se aproveitou do terremoto de Lisboa para instalar um sistema de governo completamente novo apoiado por um determinado grupo de letrados
. Suas idéias podem ser assim sintetizadas: a) O sistema político implementado pelo pombalismo significou uma ruptura completa com o que veio antes; b) o famoso terremoto de Lisboa (1755) criou o clima adequado para tal ruptura; c) Pombal, que agiu como catalisador para esta transformação, contou, em suas estratégias, com um variado leque de políticos, entre os quais, um grupo de altos juízes e desembargadores. Partindo destas premissas, quais foram os significados das reformas pombalinas?

Silva Dias afirma que

teoricamente, o absolutismo não foi igual a si mesmo do princípio
ao fim do pombalismo. E, por outro lado, não nasceu feito. Fez-se aos poucos, de acordo com o apelo das lutas concretas em que sucessivamente se envolveu. Em vão se tentaria descobrir nele também o decalque de ideias criadas além fronteiras – o que não significa que as tivesse desconhecido ou desaproveitado. Significa, todavia, que possui uma identidade cultural bastante definida, sobretudo colada à problemática do País naquele momento.

Portanto, entende-se que as reformas pombalinas foram fruto das necessidades portuguesas, bem como sua ação política constituiu-se em um contexto histórico específico marcado pelos conflitos com algumas instituições e pessoas e pelo terremoto de Lisboa. Existia, de fato, uma concepção teórica prévia formada pelas letras de alguns intelectuais portuguesas como dom Luís da Cunha –, contudo, o projeto político pombalino nunca foi fechado e acabado. Pelo contrário, construiu-se e se adaptou ao longo do reinado josefino, conforme as carências do Estado português. José Vicente Serrão entende que este projeto político pombalino foi a expressão global da administração e das reformas no reinado de dom José, realizado “por um conjunto de homens e entidades institucionais unidos numa espécie de rede de solidariedade políticas e pessoais que tinha por centro a figura do marquês de pombal”
. Neste sentido, o pombalismo foi constituído pela conjugação de teorias políticas, como o regalismo e as idéias dos letrados portuguêses, pelas necessidades materiais, como a sitação econômica e política portuguesa, e por diversos grupos sociais, como os juízes e desembargadores. Somente a partir daí surgiu o esforço de legitimação e embasamento teórico do pombalismo, sistematizado, sobretudo, na Dedução cronológica e analítica (1767).

No plano prático, os parâmetros das ações e opções pombalinas “foram determinados pela posição de Portugal no sistema de Estado do século XVIII”
, como, aliás, apontou dom Luís da Cunha, mentor intelectual de Pombal. Colocado em seu contexto, é acertada a influência que teve o embaixador do jesuíta Antônio Vieira, do médico Ribeiro Sanches, do Cavaleiro de Oliveira, queimado em efígie pela Inquisição junto com Malagrida, além dos diplomatas Alexandre de Gusmão e o conde de Tarouca, influenciando Luís Antônio Verney e o próprio marquês de Pombal. Este grupo nunca apresentou uma coesão organizacional ou afinidade de propostas, exceto pela caracterização a posteriori dos historiadores, chamando-os de estrangeirados. A maioria dos seus integrantes sequer conheceu um ao outro. Para Saraiva, eram homens que “puderam ‘abrir os olhos’ no estrangeiro”. Certamente, foi graças à observação de uns e a influência de algumas idéias iluministas para outros, que este grupo de “letrados” pôde pensar uma alternativa para a reestruturação da Inquisição, ou mesmo o seu fim. Se Luís da Cunha estava em acordo com o Santo Ofício “quanto ao objeto, que é o de conservar a pureza de nossa santa fé”, discordava “em ordem aos meios de que se serve para esse efeito”.

Não sem razão, Verney afirmou que cabia apenas a Pombal a aplicabilidade destas idéias, mas nem por isso o ministro teve uma ação inteiramente premeditada e acabada
. O que é certo foi que Pombal feriu gravemente a Inquisição, sem, contudo, matá-la. Provocou reformas e reorganizou seus “estilos” à luz das argutas recomendações de dom Luís da Cunha.”

Para Raul Rego, a Inquisição no período pombalino pode ser divida em três fases: a primeira, que compreende o início do governo de dom José I (1750) até o último auto de público, em 1765; a segunda tem como limite o ano do novo
Regimento de 1774; e a terceira corresponde aos últimos anos do governo, até 1777.
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Fonte:
YLLAN DE MATTOS: "A ÚLTIMA INQUISIÇÃO: os meios de ação e funcionamento da Inquisição no Grão-Pará pombalino - 1763-1769". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História. Orientador: Ronaldo Vainfas). Niterói, 2009.

Nota
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