“Lutero recebeu grande influência, quanto aos aspectos econômicos, dos Pais da Igreja, assim “os olhos de Lutero estavam no passado”, e isto é muito compreensivo, Lutero fora educado por uma família de camponeses sujeitos aos ensinamentos tradicionais da Igreja Católica. Como monge, Lutero pôde conhecer melhor as leis da Igreja com relação à prática do empréstimo a juros, o que os Pais da Igreja diziam a respeito e também vivenciar na prática a atitude da Igreja de a entregar mais se ele quiser tirar ainda outras coisas”. O que Lutero quer dizer aqui não é que devemos ir entregando tudo espontaneamente, ou seja, mesmo que não nos seja solicitado, mas se por acaso, quando sofrermos algum tipo de assalto, não devemos resistir e não negarmos nada do que for solicitado. Devemos entregar esta questão para Deus, o reto juiz. É Deus que irá aplicar a justiça, devemos, porém, advertir aquele que nos assola, das conseqüências de seus atos. Como ele próprio nos diz: “Pois é fraterna lealdade cristã assustar a pessoa que te faz injustiça, apontando-lhe sua injustiça e o juízo de Deus”. Resumindo, devemos renunciar os bens materiais e nos preocuparmos com o que realmente é importante, a vida eterna no reino dos céus, pois, mesmo que nos tirassem tudo, como o caso de Jó, Deus ainda assim estará a nos sustentar.
O segundo grau, Lutero coloca-o em posição abaixo do primeiro, que é de “dar a todos livremente e de graça a quem necessita ou deseja”. Aqui Lutero está falando também dos bens materiais, ele nos diz:
Apesar de esse grau ser muito inferior ao primeiro, ele é difícil e amargo para aqueles que encontram mais prazer nos bens temporais do que nos eternos. Pois não confiam suficientementeem que Deus os pode ou quer sustentar nesta vida miserável. Por isso temem que iriam morrer de fome e perecer se tivessem que dar a quem lhes pede, conforme o mandamento de Deus. E como poderiam acreditar que Deus os fosse sustentar eternamente?
Aqui Lutero mostra que a mensagem de Cristo no evangelho de Mateus fora distorcida e criou três costumes entre as pessoas: primeiro, os que usam dar e presentear aos que não necessitam, aos ricos e amigos, para receberem deles louvor e honra, esquecendo dos necessitados. Segundo, os que negam dar aos seus inimigos, “pois a natureza falsa tem dificuldade de fazer o bem aos que lhe fizeram mal”. Lutero diz que o mandamento não faz exclusão de ninguém, devemos dar a quem nos pede, e isto inclui nossos inimigos, esta é a diferença de ser cristão. Porém este mandamento não é obedecido, os mestres mudaram seu significado da ação para a intenção:
Esses salutares mandamentos de Cristo caíram em desuso tal que não somente não se cumpre, mas se os transformou em conselho, que não tem o dever de cumprir necessariamente, como o primeiro grau. Para isso contribuíram os perniciosos mestres, que ensinam que não há necessidade de renunciar aos signa rancoris, os sinais e demonstrações de amargura e rancor contra o inimigo. Dizem que basta perdoa-lhes no coração,em secreto. Dessa maneira transferem o mandamento de Cristo das obras exterioresexclusivamente para a mente, quando ele próprio se refere à obra concreta.
Quanto ao terceiro costume, Lutero o considera o mais perigoso, pois, “tem um brilho enganador, o mais nocivo a essa prática de dar [...] pois atinge aqueles que devem ensinar e governar os outros”. Lutero aqui se refere à função da Igreja Católica que é de ensinar os preceitos bíblicos, mas que modificou o conceito de dar esmolas em dar por amor a Deus, neste sentido deve-se dar para a Igreja, ou seja, não precisa mais ajudar aos carentes e necessitados, contanto que se ofereça suas doações para a Igreja por amor a Deus. Desta forma, a Igreja se enriquece, enganando ao povo com um documento expedido pela própria Igreja garantido o perdão a quem possuí-lo, Deus não participa mais desta ação, a qual é sua exclusividade.
Lutero argumenta que o objetivo destas esmolas ofertadas à Igreja não passa de uma ostentação e luxo, que Catedrais como a de São Pedro em Roma e as ornamentações luxuosas das Igrejas são desnecessárias, pois o que realmente importa é a assistência aos necessitados, porém a Igreja perdeu isto de vista ao “inventar um engenhoso truque que ensina magistralmente como esquivar-se desse mandamento [...] é o seguinte: ninguém é obrigado a socorrer o necessitado a não ser em caso extremo”, o problema é que a própria Igreja se reservava o direito de decidir o que era um caso extremo.
O Terceiro grau, que nas palavras de Lutero é o mais baixo de todos, se refere ao empréstimo a juros. Lutero argumenta que devemos ter disposição para emprestar de forma espontânea, sem que se acrescente um juro. Aqui ele crítica, novamente, àqueles que criam regras que não existem no mandamento dado por Cristo. Cristo ordenou que se fizesse o empréstimo àqueles que nos pedem, sem distinção, neste sentido Lutero “inclui nele toda sorte de pessoas, inclusive os inimigos”, mas eles preferem emprestar aos ricos e amigos a fim de serem reconhecidos do que ajudar àqueles que realmente precisam. Lutero entende que ser cristão implica fazer o bem a todos, sem distinção, assim é dever emprestar sem encargos e a todos que nos pedirem, mesmo que não possam ou não queiram nos restituir.
Se todavia examinarmos a palavra de Cristo mais de perto, veremos que ele não ensina que se deve emprestar sem encargos. Também não é necessário ensiná-lo, porque não existe outra forma de empréstimo exceto empréstimo sem encargo; se for com encargo, não será empréstimo. O que ele quer dizer é que não emprestemos somente aos amigos, aos ricos e às pessoas de nossas relações, que nos podem retribuir por outro empréstimo ou por algum favor, mas que emprestemos também àqueles que não têm condições para isso ou não o queiram, como os carentes e inimigos.
A visão de Lutero vai além de um simples empréstimo, de fazer um favor a alguém, ele entende que os ensinamentos de Cristo, quando falam do amor ao próximo, compreende a todo semelhante, onde o verdadeiro cristão faz além dos costumes, onde muitas vezes são dirigidos pelos interesses. O verdadeiro cristão deve superar os hábitos e atitudes do mundo, assim como Cristo fez.
Da mesma maneira que como nos ensina a amar e dar, assim também ensina a emprestar; tudo deverá ser feito sem intenções de lucro ou de visar vantagens. Isso não acontece a não ser que emprestemos aos inimigos e carentes. Porque tudo o que ele ensina tem por objetivo que aprendamos a fazer o bem a todos, não somente àqueles que fazem o bem por nós, mas também aos que nos fazem o mal, ou não querem retribuir o bem. É isso que quer dizer com as palavras: ‘Emprestai sem esperar retribuição’[Lc 6.35], ou seja, deveis emprestar a pessoas que não estão dispostas nem podem fazer-te um empréstimoem troca. Quem empresta espera receber a devolução do mesmo valor que cedeu em empréstimo; se não espera retorno, como eles o entendem, se trataria de doado, não emprestado. Emprestar a um amigo, a uma pessoa rica ou a alguém que lhe pode ser útil da mesma forma, é uma coisa tão insignificante que até os pecadores, que não são cristãos, fazem isso. Os cristãos, porém, devem fazer algo mais e emprestar àqueles que não retribuem, isso é, aos necessitados e inimigos.
Para Lutero “são usurários todos os que emprestam vinho, cereais, dinheiro, ou o que for, ao próximo com a cláusula de pagar juros [...] ou então [...] com a obrigação de devolver mais ou algo de maior valor do que tomaram emprestado”. Podemos perceber nas suas palavras, as palavras de Santo Tomás de Aquino que considera como sendo uma injustiça aqueles que emprestam algo e querem receber algo de melhor qualidade ou maior valor do que o bem que fora emprestado. Lutero fez três proposições aos usurários com base nos Evangelhos. Primeiro, que emprestem, mas emprestem sem encargos, pois, o Evangelho ordena emprestar, mas sem receber nada a mais, mesmo que seja “apenas como presente”.
Segundo, que não façam às pessoas o que não querem que façam a eles. Ou seja, não emprestar um cereal de menor valor e querer que se devolva com outro de maior valor, e também que se devolva na mesma quantidade que foi emprestada. Terceiro, que se deve amar ao próximo como a si mesmo. Lutero reclama que estes usurários amam apenas a si próprios, que buscam apenas seus próprios interesses e bem-estar.
Diante dessa perspectiva, Lutero não concebe a idéia de se emprestar visando o lucro, ele disse que esta prática tornou-se comum no mundo principalmente amparada pela Igreja, pois ela mesma emprestava com juros “com vistas ao melhoramento das igrejas, do patrimônio eclesiástico e do serviço divino”. Lutero critica veementemente o clero e a Igreja alegando que estes não podem transgredir a lei de Deus, praticando a usura. Estes deveriam agir de forma diferente do mundo, mesmo que todos praticassem a usura, a Igreja não deveria agir assim. Quando a Igreja age emprestando com juros, ela “não o faz em benefício das igrejas e dos bens eclesiásticos, mas no interesse de sua ganância viciada em usura, que se mascara, vinculando-se a estes bons nomes”.
Destacamos, a crítica de Lutero está nas intenções das pessoas, que deixaram os ensinamentos de Cristo para viverem de forma a seguir seus próprios pensamentos. Ele argumenta que ao invés de agir de forma egoística onde “os pensamentos e as mentes de todas as pessoas apenas estão voltados desenfreadamente para os bens, a soberba e a luxúria”, o comportamento correto seria seguir a lei natural onde “diz que o que queremos e desejamos para nós mesmos, devemos querer e desejar para o próximo”. Ele vê neste comportamento egoísta o prejuízo comum, pois, onera todas as terras, cidades, senhores e o povo. Portanto, Lutero compreende que ser cristão verdadeiro não está em pertencer a um determinado credo, ou ostentar algum título que o qualifique como tal. Para ele o verdadeiro cristão é aquele que está disposto a sofrer dano e, ao mesmo tempo, não dar prejuízo ao seu próximo, neste sentido que ele quis dizer que “cristãos são gente rara sobre a terra”. Ele propôs quatro formas do cristão negociar, as quais são:
A primeira é deixar que nos tomem e nos roubem nossos bens [...] pois [os cristãos] sabem que seu Pai no céu prometeu com certeza em Mt 6.11 dar-lhes hoje o pão de cada dia. A segunda é dar gratuitamente a todos os que necessitam, [...] pois quem colocar em prática deveras precisará agarrar-se ao céu e confiar sempre nas mãos de Deus. A terceira é dar emprestado, cedendo meus recursos para recebê-los de volta quando me são devolvidos, tendo de prescindir dos mesmos caso isso não ocorra. [...] o quarto modo de proceder é comprar e vender, pagando em dinheiro ou mercadoria. Quem quiser proceder dessa forma, deve estar ciente de que não pode confiar no futuro, mas somente em Deus.
Desta forma, dentro do conceito cristão de Lutero, ele argumentou que não haveria problema em se fazer empréstimo uns para com os outros, pois, o sentimento seria totalmente diferente do vivenciado pelo mundo, onde ninguém iria querer onerar ao outro.
O empréstimo então seria algo muito bom entre cristãos; cada qual devolveria espontaneamente o que tivesse tomado emprestado, e aquele que tivesse cedido o empréstimo o dispensaria de bom grado, caso o outro não conseguisse devolver. Pois cristãos são irmãos, e um não abandona o outro.
Podemos perceber, assim, como foi que a Igreja papal se comportou diante de uma situação clara e evidente que era a questão dos empréstimos a juros e como ela se envolveu “com as necessidades, ambições, desejos, prazeres e riquezas deste mundo”. Também vimos a concepção de Lutero quanto ao tema. Lutero viveu uma situação diferente de Calvino, não só pela vida que levou como pelo tipo de instrução que recebeu, que influenciaram diretamente em sua opinião. Mesmo que em muitos pontos ambos tinham a mesma opinião, o meio em que viveram levou-os a, em certo casos, terem posição divergente [...]”
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Fonte:
MAURICIO DE CASTRO E SOUZA: "O EMPRÉSTIMO A JUROSEM JOÃO CALVINO". ( Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Orientadora: Profª Drª Márcia Mello Costa De Liberal). São Paulo, 2006.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
O segundo grau, Lutero coloca-o em posição abaixo do primeiro, que é de “dar a todos livremente e de graça a quem necessita ou deseja”. Aqui Lutero está falando também dos bens materiais, ele nos diz:
Apesar de esse grau ser muito inferior ao primeiro, ele é difícil e amargo para aqueles que encontram mais prazer nos bens temporais do que nos eternos. Pois não confiam suficientemente
Aqui Lutero mostra que a mensagem de Cristo no evangelho de Mateus fora distorcida e criou três costumes entre as pessoas: primeiro, os que usam dar e presentear aos que não necessitam, aos ricos e amigos, para receberem deles louvor e honra, esquecendo dos necessitados. Segundo, os que negam dar aos seus inimigos, “pois a natureza falsa tem dificuldade de fazer o bem aos que lhe fizeram mal”. Lutero diz que o mandamento não faz exclusão de ninguém, devemos dar a quem nos pede, e isto inclui nossos inimigos, esta é a diferença de ser cristão. Porém este mandamento não é obedecido, os mestres mudaram seu significado da ação para a intenção:
Esses salutares mandamentos de Cristo caíram em desuso tal que não somente não se cumpre, mas se os transformou em conselho, que não tem o dever de cumprir necessariamente, como o primeiro grau. Para isso contribuíram os perniciosos mestres, que ensinam que não há necessidade de renunciar aos signa rancoris, os sinais e demonstrações de amargura e rancor contra o inimigo. Dizem que basta perdoa-lhes no coração,
Quanto ao terceiro costume, Lutero o considera o mais perigoso, pois, “tem um brilho enganador, o mais nocivo a essa prática de dar [...] pois atinge aqueles que devem ensinar e governar os outros”. Lutero aqui se refere à função da Igreja Católica que é de ensinar os preceitos bíblicos, mas que modificou o conceito de dar esmolas em dar por amor a Deus, neste sentido deve-se dar para a Igreja, ou seja, não precisa mais ajudar aos carentes e necessitados, contanto que se ofereça suas doações para a Igreja por amor a Deus. Desta forma, a Igreja se enriquece, enganando ao povo com um documento expedido pela própria Igreja garantido o perdão a quem possuí-lo, Deus não participa mais desta ação, a qual é sua exclusividade.
Lutero argumenta que o objetivo destas esmolas ofertadas à Igreja não passa de uma ostentação e luxo, que Catedrais como a de São Pedro em Roma e as ornamentações luxuosas das Igrejas são desnecessárias, pois o que realmente importa é a assistência aos necessitados, porém a Igreja perdeu isto de vista ao “inventar um engenhoso truque que ensina magistralmente como esquivar-se desse mandamento [...] é o seguinte: ninguém é obrigado a socorrer o necessitado a não ser em caso extremo”, o problema é que a própria Igreja se reservava o direito de decidir o que era um caso extremo.
O Terceiro grau, que nas palavras de Lutero é o mais baixo de todos, se refere ao empréstimo a juros. Lutero argumenta que devemos ter disposição para emprestar de forma espontânea, sem que se acrescente um juro. Aqui ele crítica, novamente, àqueles que criam regras que não existem no mandamento dado por Cristo. Cristo ordenou que se fizesse o empréstimo àqueles que nos pedem, sem distinção, neste sentido Lutero “inclui nele toda sorte de pessoas, inclusive os inimigos”, mas eles preferem emprestar aos ricos e amigos a fim de serem reconhecidos do que ajudar àqueles que realmente precisam. Lutero entende que ser cristão implica fazer o bem a todos, sem distinção, assim é dever emprestar sem encargos e a todos que nos pedirem, mesmo que não possam ou não queiram nos restituir.
Se todavia examinarmos a palavra de Cristo mais de perto, veremos que ele não ensina que se deve emprestar sem encargos. Também não é necessário ensiná-lo, porque não existe outra forma de empréstimo exceto empréstimo sem encargo; se for com encargo, não será empréstimo. O que ele quer dizer é que não emprestemos somente aos amigos, aos ricos e às pessoas de nossas relações, que nos podem retribuir por outro empréstimo ou por algum favor, mas que emprestemos também àqueles que não têm condições para isso ou não o queiram, como os carentes e inimigos.
A visão de Lutero vai além de um simples empréstimo, de fazer um favor a alguém, ele entende que os ensinamentos de Cristo, quando falam do amor ao próximo, compreende a todo semelhante, onde o verdadeiro cristão faz além dos costumes, onde muitas vezes são dirigidos pelos interesses. O verdadeiro cristão deve superar os hábitos e atitudes do mundo, assim como Cristo fez.
Da mesma maneira que como nos ensina a amar e dar, assim também ensina a emprestar; tudo deverá ser feito sem intenções de lucro ou de visar vantagens. Isso não acontece a não ser que emprestemos aos inimigos e carentes. Porque tudo o que ele ensina tem por objetivo que aprendamos a fazer o bem a todos, não somente àqueles que fazem o bem por nós, mas também aos que nos fazem o mal, ou não querem retribuir o bem. É isso que quer dizer com as palavras: ‘Emprestai sem esperar retribuição’[Lc 6.35], ou seja, deveis emprestar a pessoas que não estão dispostas nem podem fazer-te um empréstimo
Para Lutero “são usurários todos os que emprestam vinho, cereais, dinheiro, ou o que for, ao próximo com a cláusula de pagar juros [...] ou então [...] com a obrigação de devolver mais ou algo de maior valor do que tomaram emprestado”. Podemos perceber nas suas palavras, as palavras de Santo Tomás de Aquino que considera como sendo uma injustiça aqueles que emprestam algo e querem receber algo de melhor qualidade ou maior valor do que o bem que fora emprestado. Lutero fez três proposições aos usurários com base nos Evangelhos. Primeiro, que emprestem, mas emprestem sem encargos, pois, o Evangelho ordena emprestar, mas sem receber nada a mais, mesmo que seja “apenas como presente”.
Segundo, que não façam às pessoas o que não querem que façam a eles. Ou seja, não emprestar um cereal de menor valor e querer que se devolva com outro de maior valor, e também que se devolva na mesma quantidade que foi emprestada. Terceiro, que se deve amar ao próximo como a si mesmo. Lutero reclama que estes usurários amam apenas a si próprios, que buscam apenas seus próprios interesses e bem-estar.
Diante dessa perspectiva, Lutero não concebe a idéia de se emprestar visando o lucro, ele disse que esta prática tornou-se comum no mundo principalmente amparada pela Igreja, pois ela mesma emprestava com juros “com vistas ao melhoramento das igrejas, do patrimônio eclesiástico e do serviço divino”. Lutero critica veementemente o clero e a Igreja alegando que estes não podem transgredir a lei de Deus, praticando a usura. Estes deveriam agir de forma diferente do mundo, mesmo que todos praticassem a usura, a Igreja não deveria agir assim. Quando a Igreja age emprestando com juros, ela “não o faz em benefício das igrejas e dos bens eclesiásticos, mas no interesse de sua ganância viciada em usura, que se mascara, vinculando-se a estes bons nomes”.
Destacamos, a crítica de Lutero está nas intenções das pessoas, que deixaram os ensinamentos de Cristo para viverem de forma a seguir seus próprios pensamentos. Ele argumenta que ao invés de agir de forma egoística onde “os pensamentos e as mentes de todas as pessoas apenas estão voltados desenfreadamente para os bens, a soberba e a luxúria”, o comportamento correto seria seguir a lei natural onde “diz que o que queremos e desejamos para nós mesmos, devemos querer e desejar para o próximo”. Ele vê neste comportamento egoísta o prejuízo comum, pois, onera todas as terras, cidades, senhores e o povo. Portanto, Lutero compreende que ser cristão verdadeiro não está em pertencer a um determinado credo, ou ostentar algum título que o qualifique como tal. Para ele o verdadeiro cristão é aquele que está disposto a sofrer dano e, ao mesmo tempo, não dar prejuízo ao seu próximo, neste sentido que ele quis dizer que “cristãos são gente rara sobre a terra”. Ele propôs quatro formas do cristão negociar, as quais são:
A primeira é deixar que nos tomem e nos roubem nossos bens [...] pois [os cristãos] sabem que seu Pai no céu prometeu com certeza em Mt 6.11 dar-lhes hoje o pão de cada dia. A segunda é dar gratuitamente a todos os que necessitam, [...] pois quem colocar em prática deveras precisará agarrar-se ao céu e confiar sempre nas mãos de Deus. A terceira é dar emprestado, cedendo meus recursos para recebê-los de volta quando me são devolvidos, tendo de prescindir dos mesmos caso isso não ocorra. [...] o quarto modo de proceder é comprar e vender, pagando em dinheiro ou mercadoria. Quem quiser proceder dessa forma, deve estar ciente de que não pode confiar no futuro, mas somente em Deus.
Desta forma, dentro do conceito cristão de Lutero, ele argumentou que não haveria problema em se fazer empréstimo uns para com os outros, pois, o sentimento seria totalmente diferente do vivenciado pelo mundo, onde ninguém iria querer onerar ao outro.
O empréstimo então seria algo muito bom entre cristãos; cada qual devolveria espontaneamente o que tivesse tomado emprestado, e aquele que tivesse cedido o empréstimo o dispensaria de bom grado, caso o outro não conseguisse devolver. Pois cristãos são irmãos, e um não abandona o outro.
Podemos perceber, assim, como foi que a Igreja papal se comportou diante de uma situação clara e evidente que era a questão dos empréstimos a juros e como ela se envolveu “com as necessidades, ambições, desejos, prazeres e riquezas deste mundo”. Também vimos a concepção de Lutero quanto ao tema. Lutero viveu uma situação diferente de Calvino, não só pela vida que levou como pelo tipo de instrução que recebeu, que influenciaram diretamente em sua opinião. Mesmo que em muitos pontos ambos tinham a mesma opinião, o meio em que viveram levou-os a, em certo casos, terem posição divergente [...]”
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Fonte:
MAURICIO DE CASTRO E SOUZA: "O EMPRÉSTIMO A JUROS
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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