Sociedade de consumo: origens e características



“Tendo assumido que consumo e cultura estão inextricavelmente ligados, é importante compreender as origens, bem como algumas das principais características da cultura de consumo na sociedade contemporânea. As origens da sociedade de consumo remontam à Inglaterra do século XVIII, quando ocorreu a chamada revolução do consumo, que emergiu a partir de três elementos principais: o surgimento de uma classe média trabalhadora, responsável pela compra de artigos da vida diária, que estabeleceu as bases para a Revolução Industrial; o surgimento da procura por bens ‘supérfluos’, tais como brinquedos, cadarços, botões e espelhos, entre outros; e a própria mudança cultural, originada por uma série de fenômenos como o aumento do lazer, a leitura de romances românticos e a ascensão da moda (CAMPBELL, 2001).

Segundo Barbosa (2004), as principais mudanças históricas que contribuíram para o surgimento da sociedade de consumo foram a passagem do consumo familiar para o consumo individual e a transformação do consumo de pátina para o consumo de moda. A primeira implica que o consumo e o uso de objetos da cultura material não mais se encontravam subordinados e condicionados à pertinência a grupos de
status ou regulados por leis suntuárias como o eram na sociedade de corte (ELIAS, 2001), mas passam a ser função de escolhas individuais e autônomas, ponto central na cultura de consumo ocidental contemporânea. Já a segunda mudança ilustra a passagem de um ciclo de vida mais longo do objeto, onde o valor reside na tradição e na história de determinado bem, para um mecanismo mais efêmero, cujo cerne é a mudança rápida e a valorização do novo (McCRACKEN, 2003).

No que tange à questão das escolhas individuais, há certa relutância em admitir que elas sejam função da liberdade e da vontade individual dos consumidores. Esse é, possivelmente, um dos pontos mais importantes da ligação entre cultura e consumo. Isto é, a sociedade contemporânea, se não é como a sociedade aristocrática de corte descrita por Elias (2001), na qual os nobres eram obrigados a ter um consumo de acordo com a sua posição social, o que implicava em vestir-se como nobre, alimentar-se como nobre, e inclusive, dormir e acordar como nobre, é composta por uma série de mecanismos sociais que diferenciam os indivíduos em termos de classe, gênero, idade, entre outros aspectos aos quais um determinado tipo de consumo é considerado apropriado. Além disso, como bem postula Barbosa (2004, p. 24), a idéia de que o indivíduo é senhor das suas escolhas é errônea por quatro importantes razões:

Primeiro, porque do ponto de vista teórico é importante considerar uma distinção entre liberdade e escolha feita por uma decisão tomada. Segundo, embora a liberdade de escolha seja um valor central da sociedade contemporânea, ela não flutua em um vácuo cultural. Gênero, classe social, grupo étnico, entre outras variáveis estabelecem alguns parâmetros no interior dos quais a minha ‘escolha’ e a minha identidade se expressam. Terceiro, embora possamos dizer que através do consumo ‘construímos’ identidades, um número maior de vezes a confirmamos ao reconhecermo-nos em produtos, objetos e itens da cultura material que são ‘a nossa cara’ ou que reafirmam e satisfazem aquilo que julgo ser meus gostos e preferências. E, finalmente, mesmo na presença da possibilidade de escolhermos identidades e estilos de vida, estes se mantêm constantes, para a maioria das pessoas, por longos períodos de tempo.

Assim, a função do consumo extrapola a mera satisfação das necessidades materiais dos indivíduos. Não é o consumo de objetos que é o motor da sociedade contemporânea, mas sim o consumo de símbolos, os quais reforçam o sentido de identidade das pessoas e servem como elemento de distinção (LEVY, 1959). Dessa forma, os objetos carregam significados que são construídos culturalmente. Contudo, um objeto cultural não pode ser tomado individualmente, mas sim no seu contexto, ou seja, em sua função dentro da constelação de objetos que formam a cadeia de significados da qual ele faz parte (McCRACKEN, 1989). Sendo assim, o mesmo objeto pode ser consumido de diferentes maneiras de acordo com as disposições e com as diferentes formas de apropriação pelos indivíduos (BOURDIEU, 1979; HOLT, 1997).

Conforme já foi dito, o consumo pode ser utilizado tanto para construir afiliação, quanto para aumentar distinção (BARBOSA, 2004; HOLT, 1997). Em outras palavras, “os bens são neutros, seus usos são sociais, podem ser usados como cercas ou como pontes” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p. 36). Tal afirmação é de extrema importância na construção da teoria que norteia a presente pesquisa, uma vez que práticas de consumo classificatórias podem ser capazes de contribuir para a reprodução das fronteiras entre grupos de posições sociais distintas, bem como em grupos sociais de posições semelhantes, o que em princípio ocorre de forma mais sutil. Dessa forma, consumo de uma determinada classe social seria ao mesmo tempo um resultado de condições sócio-culturais estruturantes e de socialização impostas aos indivíduos por sua condição de classe (HENRY, 2002; WILLIAMS, 2002), atuando como uma subcultura, onde o grau de escolha é limitado ao que se espera de sua posição social em termos de consumo, e uma prática visando a reforçar a identidade e construir ou destruir barreiras sociais. Finalmente, o consumo opera segundo a metáfora da partitura, onde os indivíduos devem seguir um determinado padrão que lhes é imposto pelo sistema cultural (seqüência de notas musicais), mas ao mesmo tempo conferem significados diversos que se reelaboram na prática quotidiana (estilo e interpretação da música).”

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Fonte:
Rodrigo Bisognin Castilhos SUBINDO O MORRO: CONSUMO, POSIÇÃO SOCIAL E DISTINÇÃO ENTRE FAMÍLIAS DE CLASSES POPULARES Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Vargas Rossi). Porto Alegre 2007.

Nota
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