Rui Barbosa: o "Águia de Haia"


O “Arquivo Vivo” de hoje prestará uma extensa homenagem ao grande brasileiro Rui Barbosa (1849-1923), apelidado de “Águia de Haia”, por sua habilidosa defesa de igualdade entre os povos. Rui Barbosa foi jurista, jornalista, escritor e político. Especificamente em sua atuação política, defendeu a abolição da escravatura, contestou a infalibilidade do papa e teceu críticas à situação religiosa no Brasil. Foi deputado pelo Estado da Bahia (no Império), ministro da Fazenda e Senador (na República), além de concorrer duas vezes à presidência da República (em 1911 e 1919).

As imagens, a seguir, publicadas nas revistas “A Cigarra” e “Para Todos”, são partes da trajetória pessoal e política de Rui Barbosa, e servem como uma pequena mostra da importância que ele exerceu na sociedade brasileira. Sem dúvida, imagens significativas aos apreciadores deste grande vulto histórico, que serviu e honrou a nação brasileira durante toda sua vida.

Já em relação aos textos, conforme citações, são eles partes de quatro teses, todas fundamentadas na pessoa de Rui Barbosa e disponíveis em Domînio Público, a saber: “A Raposa e a Águia: J. J. Seabra e Rui Barbosa na Política Baiana da Primeira República”, de Silvia Noronha Sarmento, pela Universidade Federal da Bahia; “Rui Barbosa e a Educação do orpo na reforma do ensino primário”, de Sérgio Henrique Gerelus, pela Universidade Estadual de Maringá; “O Discurso Modernizador de Rui Barbosa”, de Leandro de Almeida Silva, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; e “E ensino de Geografia no projeto educacional de Rui Barbosa”, de Najla Mehanna Mormul, pela Universidade Estadual de Maringá. Selecionei, dentre as teses, uma temática diferente, cada uma abordando um aspecto específico deste grande estadista brasileiro.


Uma breve síntese biográfica
"Rui foi a expressão nítida do discurso de modernização política. Nossa premissa, assim como na visão de uma parcela de historiadores, é que toda a sua modernidade também foi levada pelo apego às tradições. Nasceu em Salvador, em 1849, filho de João José Barbosa e Maria Adélia Barbosa de Almeida. Para entendermos um pouco mais a vida de nossa personagem principal, vamos procurar conhecer a importância de seu pai, célebre por ter tido uma grande barganha nos relacionamentos políticos.

João José Barbosa tinha a formação em Medicina, mas sua paixão era a política. Era um liberal, formado na tradição inglesa, mas também nos princípios do Contrato Social de Rousseau e nos Direitos do Homem e do Cidadão, uma das representações mais significativas da Revolução Francesa. Tais influências acabaram por despertar sua participação na revolta regencial conhecida como Sabinada. Foi um homem voltado sempre para os problemas da educação e da cultura e, por esse motivo, dirigiu a “Instrução Pública” de sua província, publicando importantes relatórios e sustentando polêmicas a respeito de sua atividade. Foi dele a principal influência sobre o filho, benéfica em pelo menos dois sentidos: no amor à leitura dos clássicos e no respeito à documentação em suas pesquisas.

No contexto em que João José Barbosa era Diretor de Instrução Pública, Rui foi estudar no Ginásio Baiano, que funcionava na antiga mansão do Marquês de Barbacena. Seu Diretor era Dr. Abílio Borges, homem culto e liberal. Na memória da cidade era um homem ligado à moderna educação. Foi ele quem aboliu a palmatória para os alunos que eram designados pejorativamente de preguiçosos. Em 1865, Rui terminara o curso ginasial e ficaria pronto para cursar a velha Faculdade de Direito de Recife, lugar onde os grandes debates acadêmicos aconteciam no país. João Barbosa veio do Rio de Janeiro assistir à formatura no curso ginasial e se espantou com o discurso proferido pelo filho. Na ocasião, Rui lançara as bases de seu liberalismo ao defender a unidade nacional e ao proclamar grande parte dos anseios da juventude de sua época, calcados no modernismo liberal.

Sem dúvida, como dissemos, um passo importante de Rui foi o seu ingresso na Faculdade de Direito de Recife. Outra Faculdade, que mais tarde se tornaria um forte campo de debates, foi a Faculdade de Direito de São Paulo. No contexto, a cultura jurídica era uma forma de ascensão política. Gilberto Freyre, em sua obra “Sobrados e Mocambos”, afirma que os bacharéis de São Paulo trouxeram uma determinada perspectiva de renovação das elites, simbolizada na proposta de substituição de um patriarcado rural tradicional por um urbano fortemente europeizado.

Sabemos que o foco de Rui foi voltado para os direitos civis e políticos, não tendo a mesma preocupação com os direitos sociais, nosso lugar de discussão a partir daqui. Entendemos que o cunho liberal de Rui não abarcou uma ampla cidadania social, em quase toda a sua carreira política. A relação entre o seu discurso e a questão da cidadania devem, portanto, serem esclarecidas, uma vez que o ideário liberal-democrático enfatizou seus horizontes na lógica do debate sobre a cidadania, entendida esta no âmbito jurídico-político, nada além disso.

Um dos retratos mais marcantes de Rui foi a possibilidade de ele expressar a coexistência de práticas políticas oligárquicas com os princípios norteadores do Constitucionalismo Liberal, tendo como eixo os discursos favoráveis às demandas do liberalismo individual. Essa lógica também foi uma das fortes motivações de seu pai, que se fundamentava no modelo político anglo-saxão. Rui teve uma vida mergulhada nesses grandes anseios.Como desdobramento de sua formação todas as leituras e influências de seu pai acabaram por levá-lo a ser conhecido como um “homem das letras”. Sua vocação era estar inclinado ao aperfeiçoamento da linguagem, a fim de torná-la cada vez mais um instrumento de combate. Essa tarefa era de permanente investigação, parte de um universo de perpétua pesquisa sistemática. Os livros eram amados por ele. Para termos uma ideia de sua motivação pela cultura, basta observarmos o tratamento que ele dava à própria organização de suas fontes de pesquisa, revelando o apreço que tinha por elas.

As obras eram cuidadosamente citadas com indicações de edição, local, data, página e, às vezes, até de linhas. As mais antigas edições eram de Castilho Antônio, Camões, Shakespeare, Lincoln, Herculano, Frei Luís de Souza, Frei Heitor Pinto, Dr. Antônio Vieira e, mais que todos, Pe. Antônio Vieira. As publicações do pai apresentam a mesma preocupação fundamental. As notas citadas por Rui são tomadas caprichosamente, de acordo com a preocupação de indicar as fontes. Os originais são sempre limpos, caligráficos, frequentemente com tinta de duas cores para destaque dos trechos principais. De acordo com nossa pesquisa, os cadernos mais recentes datam dos últimos anos de sua vida, depois da polêmica sobre o Código Civil (1902), assunto que aprofundaremos no capítulo 2. São centenas de fichas, que representam a negação do improviso e a inspiração momentânea.

Seus horizontes políticos foram consolidados numa série de eventos. Destacou-se como autor de projetos de reforma eleitoral e de emancipação dos sexagenários, o que expressa sua ligação com o contexto do abolicionismo. Foi autor dos pareceres sobre a reforma de ensino, entendendo que uma sociedade deveria ser organizada a partir de uma comunidade letrada. Notamos que isso era tão significativo, pois defendia a tese de que os analfabetos não deveriam exercer o direito de voto. Somente a partir da alfabetização o status de cidadão poderia ser preenchido no sentido de exercer o discernimento e lutar pelos direitos constitucionais, como fica claro no seguinte documento: “[...] a instrução do povo, ao mesmo tempo, que o civiliza e o melhora, tem especialmente em mira a habilitá-lo a se governar a si mesmo, nomeando periodicamente, no município, no Estado, na União, o chefe do Poder Executivo e a legislatura”.

Entre suas lutas mais proeminentes citamos o fato de ele ser um grande líder do Federalismo. Ideário político totalmente influenciado pelo modelo norte-americano, em especial, aquele defendido por Lincoln na época da Guerra de Secessão. Tal federalismo
estadunidense era tão expressivo, que o próprio Lincoln colocava a possibilidade de abolir a escravatura para atingir os seus objetivos de Federação.

No ano de 1868, Rui aos 19 anos, fez um discurso saudando o deputado José Bonifácio, sobrinho e neto do velho fundador do Império brasileiro, um de seus professores em São Paulo. No ano em questão, o Imperador D. Pedro II, contrariando o princípio moderador da Coroa, destituiu o Gabinete Zacarias, recém-convertido ao Liberalismo, pondo em seu lugar Itaboraí. Rui protestou a atitude do Imperador no jornal chamado “Clube da Reforma”, porém depois foi levado a reconhecer o exagero de suas críticas tendo a postura de dizer que o importante era a reforma do Estado, desde que se preservasse a liberdade. Foi logo depois disso que ele proferiu seu discurso em homenagem a José Bonifácio, pois este também era contra a arbitrariedade do Imperador.

Após esse discurso, Rui viria a fundo na sua carreira jornalística no “Radical Paulistano”, miniatura do “Clube da Reforma”, sendo parceiro de Luís Gama, Américo de Campos e Bernardino Pamplona. Foi nesse jornal que Rui passou a canalizar suas ideias sobre ensino livre, abolição da escravatura e eleições diretas. No sentido geral, esses jornais surgiram a partir de algumas discussões travadas por determinados grupos intelectuais, defensores dos valores liberais-democráticos.

Outro aspecto de notoriedade da carreira de Rui Barbosa foi, no ano de 1869, quando teve uma atuação pública bastante significativa, por meio da saudação proferida às tropas que voltavam da Guerra do Paraguai. Durante três noites fez discursos aos soldados defendendo as bandeiras da liberdade e do civilismo. Esse episódio aprofundou a mística de Rui em torno de sua imagem pública.

Em 1875, Rui protestou contra o serviço militar obrigatório decretado pelo Império. Sua perspectiva era no sentido de defender a liberdade contra o militarismo excessivo. Utilizando--se das premissas filosóficas de John Locke, fez um discurso calcado nos pilares das liberdades individuais, trilhando o seu caminho em direção à identidade de sua eloquência.

Estabelecendo um pequeno paralelo entre sua vida política e pessoal, no contexto de 1876, Rui conheceu sua paixão, Maria Augusta Viana Bandeira. Moça pobre, filha de funcionário público, mas vinda de uma ilustre família tradicional aristocrata baiana. A história nos conta que ele tinha que adquirir determinados capitais para os fundos da realização de seu amor e por isso foi para o Rio de Janeiro. Na Corte, logo se empregou em um escritório de advocacia, por recomendação do conhecido político Manuel Dantas e passou a escrever no jornal “A Reforma”, cujo eixo temático principal era a crítica direta ao Partido Conservador, então no governo. Como orador discursou ao embaixador do Chile e proferiu discursos realizados numa Loja Maçônica, o que legitimou seu nome na cidade. O primeiro discurso foi uma defesa da liberdade individual e o segundo, a favor da separação entre a Igreja e o Estado.

No contexto da chamada “Questão religiosa” o anticlericalismo de Rui ganhou espaço proeminente. A gênese dessa questão se encontra na prisão dos bispos do Pará e de Olinda, no ano de 1873, acusados de hostilidades contra os maçons. A ação dos bispos decorrera da obediência, a uma Bula Papal que o imperador não ratificara, sendo assim considerada um desrespeito aos poderes do imperador sobre o clero. No “Diário da Bahia”, Rui se posicionou favoravelmente aos dois bispos, mas quando eles foram anistiados em 1875, Rui protestou o fato nas páginas do jornal. Nesse passo se desenvolvia o processo de sua posição a favor da liberdade religiosa e da separação entre a Igreja e o Estado. Esta postura de Rui se deve ao fato de ele defender um Estado laico e o contexto de transição da Monarquia à República favorecer plenamente sua postura política nesse sentido.

Ainda se tratando da “Questão Religiosa”, Rui se envolveu em outras histórias. Um livro francês contra o dogma da Imaculada Conceição, traduzido e prefaciado por João José Barbosa, fora publicado logo após sua morte. Atacado por defensores das posições papais, Rui Barbosa saiu em defesa do trabalho do pai com uma crítica virulenta das prerrogativas temporais do papa, da intolerância religiosa, dos dogmas da infalibilidade papal e da Imaculada Conceição. Em 1875, logo depois da anistia aos bispos, Rui mais uma vez suscitou a revolta do clero contra si, ao defender publicamente a apresentação, na Bahia, da peça “Os Lazaristas”, considerada anticlerical por discutir os dogmas recentes da Igreja e a atuação temporal do papa.

Quando Rui chegou ao Rio, novamente o “capital social” herdado de seu pai funcionou a seu favor. Vinculou-se à Saldanha Marinho, que ampliava o anticlericalismo estabelecendo uma parceria com Rui ao convidá-lo para traduzir a obra antipapista, do alemão Johann Dollinger. Rui aceitou, pois estava com dificuldades econômicas e precisava obter renda para cumprir os seus principais compromissos. Saldanha garantiu a Rui que a maçonaria compraria 1.500 exemplares do livro, o que seria um grande elemento para se livrar das dívidas herdadas do pai.

Em fins de 1876, Rui retornaria à Serra Fluminense, mas ficaria doente de tifo, chegando a passar por risco de vida. Em seguida retornou a Salvador em meados de 1877, quando assumiu a direção do “Diário da Bahia”, devido à ausência de Rodolfo Dantas, passagem de sua vida que comprova mais uma vez os benefícios das relações pessoais e políticas de seu pai.

Em artigo publicado no jornal “Diário da Bahia”, Rui expressava seus anseios em relação ao povo brasileiro destacando o fato de os homens serem donos de sua própria história. A modernização política de Rui também era celebrada por sua ampla visão acerca da liberdade individual dos homens, como nos mostra o seguinte trecho: “[...] um povo digno de dominar os seus destinos, de ser indisputadamente senhor de si mesmo, não delira, não se atordoa, não fecha os olhos à realidade severa da sua posição. Nas horas mais freqüentes do regozijo, quanto a imaginação e o entusiasmo dourarem das suas irradiações os feitos de nossos pais, ouçamos, cada um no seio de sua alma”.

Outro marco importante de sua vida também ocorreu em 1877, quando ocorreu a homenagem ao General Osório, equivalente liberal ao Duque de Caxias para o Partido Conservador. Rui foi escolhido como orador para saudá-lo em nome da Comissão Central do Partido Liberal, em janeiro de 1878, com o Gabinete de Cansansão de Sinimbu.
É notória a importância da ascensão de Sinimbu. As eleições parlamentares imperiais eram feitas para referendar o Gabinete que assumia, e, portanto os liberais tinham sido a minoria parlamentar nos últimos 10 anos de governo conservador. A partir desse momento, com a ascensão dos liberais ao poder, jovens políticos, como Rui Barbosa, saíam do ostracismo.

Fica evidente que para a eleição de Rui, para ambas as câmaras, provincial e geral, foi decisiva a influência de Manuel Dantas. Este garantiu as eleições, como de costume na época, sem campanha, utilizando-se de arranjos internos da elite conforme as questões complexas de articulações políticas que envolviam as elites no final do século XIX e início do século XX.

No comentário de João Felipe Gonçalves a expressão política de Rui, corroborada por Dantas, pode ser sintetizada nas suas origens da seguinte forma: como deputado provincial a atuação de Rui não teve muitos incidentes dignos de nota (devido a sua curta duração). O maior embate em que se envolveu foi acerca de uma crise no abastecimento de farinha na cidade de Salvador. Rui defendeu um projeto que proibia temporariamente a exportação de farinha como forma de resolver a crise.

Sobre essa polêmica, dois aspectos são de destacar. Primeiro, a defesa de Rui Barbosa foi inteiramente calcada em exemplos similares da história parlamentar inglesa, mostrando a validade da suspensão do livre câmbio em certos casos. Segundo, o fato teve grande repercussão porque o grande opositor do projeto era Luís Antônio Barbosa, tio de Rui, com quem este rompera relações desde que ele rompera com Dantas e João José Barbosa. Tio e sobrinho passaram ao ataque mútuo e constante nos jornais soteropolitanos, trocando agressões abertas. Em mais um duelo verbal se envolvia o jovem Rui, e ia crescendo sua fama de orador e escritor capaz de destruir o argumento alheio. Desse duelo familiar Rui saiu em dezembro de 1878 para ocupar a cadeira na Assembléia Geral, na corte. Mas logo teria também ali chances de se sobressair através de polêmica igualmente ferozes.

Por último, abordamos os primeiros discursos de Rui na qualidade de Deputado Geral. O primeiro discurso foi contra o seu correligionário do Partido Liberal, Gavião Peixoto. Na ocasião, Rui argumentou que o candidato conservador João Mendes apresentava legitimidade para preencher a vaga na Assembléia, uma vez que defendia a tese de que
Gavião Bueno tinha sua elegibilidade invalidada por ser concessionário de serviços públicos. Seu argumento não convenceu a Câmara Liberal, que acabou favorecendo a Gavião Peixoto, porém Rui aumentou com tal estréia sua tradição de tribuno eloqüente e perspicaz.

O segundo discurso significativo de Rui foi em defesa de uma atitude do governo imperial: ter dado o poder a um Gabinete Liberal e convocado novas eleições. Rui proferiu um discurso de aproximadamente quatro horas legitimando uma de suas marcas políticas. Mas o seu maior triunfo foi o duelo de eloqüência com Gaspar Silveira Martins, que tinha sido ministro da Fazenda do Gabinete Sinimbu, então no poder, o qual criticava. Martins discordava da reforma eleitoral proposta por Sinimbu, que não dava direitos políticos aos não-católicos, ponto defendido pelo grupo democrata de que era líder. Rui foi encarregado de defender o Gabinete Sinimbu na Assembléia.

No dia 16 de abril de 1879, o dissidente liberal atacaria o governo e Rui revidaria saindo vitorioso. Porém o ponto mais irônico da questão é que no ano seguinte Rui sugeriu um projeto de reforma eleitoral que determinava a concessão aos não-católicos dos direitos políticos de voto e elegibilidade, ponto que ocasionara a dissidência de Martins em relação ao Gabinete Sinimbu. Isso demonstra que não existia uma homogeneidade no discurso de Rui e ele agiria na arena política de acordo com seus interesses conjunturais em busca de atingir os seus principais objetivos.

Devemos nos lembrar que Rui se encaixava num contexto político que se fundamentou na razão clientelista. Na época, fim do Império início da República, a distribuição de favores governamentais tinha o nome de “patronato e filhotismo”. O meio pelo qual se exercia o patronato era o empenho, ou seja, o pistolão, o pedido, a recomendação, a intermediação, a proteção, o apadrinhamento e a apresentação. Rui viveu nesse período e utilizava a retórica liberal dispondo das benesses das políticas de troca de favores. Foi nesse turbilhão que Rui se fez.

Na história de sua formação, a própria carreira política do pai de Rui foi facilitada pelo apoio de um parente, Luís Antônio Barbosa de Almeida, e de um político conhecido como Manuel de Souza Dantas. A elite política controlava as promoções de cargos através do clientelismo e exercia dessa forma suas práticas de dominação.

Como visto, a formação intelectual de Rui foi espelhada em clássicos da Modernidade como Shakeaspeare, Vitor Hugo, Camões, John Locke, Tocqueville, Montesquieu, Adam Smith, Rousseau, Cavour, Darwin, Lincoln e outros. Já aos 10 anos recitava poemas de Camões e tinha grande familiaridade, conforme dito anteriormente, com os sermões do Pe. Antônio Vieira, base de sustentação de seu cristianismo liberal, que mais tarde se inclinaria ao que poderíamos denominar como “valor do salvador”.

No âmbito de sua carreira política, em 1884 deixou o parlamento, recandidatou-se por duas vezes consecutivas ao cargo, em 1885 e 1886, mas não conseguiu se reeleger. Fora
da Câmara dedicou-se à advocacia, à imprensa e publicou a tradução de “Lições de Coisas”, do educador americano Norman Calkins, em 1896.

Na Imprensa, Rui Barbosa continuou a luta pela abolição, interrompendo-a em 1887, quando ficou doente. Em 1888, foi decretada a abolição da escravatura, o que encerrou a questão para o autor. No ano seguinte, ele envolveu-se em incidentes entre o governo e o exército e com a questão da federação.

No jornal “Diário de Notícias”, iniciou forte campanha para que o modelo monárquico fosse substituído pelo regime federativo, a exemplo dos Estados Unidos. Foi convidado pelo Visconde de Ouro Preto para ser ministro, mas Rui Barbosa, devido às suas ideias sobre federação no país, não aceitou, desvencilhando-se do Partido Liberal e da Monarquia.

Proclamada a República pela tropa comandada pelo general Deodoro da Fonseca, foi convidado para ocupar a pasta de finanças. Como ministro, foi bastante ousado: abandonou o lastro-ouro, ampliou as emissões de papel moeda e alterou o regime das sociedades anônimas, provocando uma reviravolta completa na vida econômica do Brasil. Alastrou-se, porém, pelo país o delírio da especulação, culminando com o encilhamento. Rui Barbosa foi criticado com violência.

No início da República, o ministro dedicou-se também à questão do saneamento urbano e à redação da nova Constituição. Foi nomeado vice-presidente da república, no período de 31 de dezembro de 1889 a agosto de 1890. Assim, como ministro da Fazenda e vice-presidente, trabalhou por quinze meses para o governo republicano – de novembro de 1889 a janeiro de 1891.

Logo depois sua demissão, o presidente da república teve muitos atritos com o parlamento e acabou pondo fim à Câmara. Em 23 de novembro de 1891, Floriano Peixoto liderou uma revolução restabelecendo o Congresso, o que levou a renúncia de Deodoro da Fonseca. Peixoto, como vice-presidente, assumiu o governo. Este não aceitou convocar nova eleição para presidente, decretando, em seguida, estado de sítio, levando muitos opositores ao cárcere. Encerrado o estado de sítio, Rui Barbosa, como advogado, pediu o hábeas-corpus em favor dos desterrados.

Pela imprensa, divulgou os trabalhos norte-americanos e a sua influência na Constituição. Em 1892, reelegeu-se senador pela Bahia e assumiu a direção do Jornal do
Brasil, onde pedia eleição para presidente. O país agitava-se: em seis de setembro de 1893 ocorreu a revolta da Marinha contra o governo Floriano Peixoto. Embora Rui Barbosa não estivesse envolvido com os revoltosos, sob ameaça do estado de sítio, foi obrigado a procurar abrigo na legação do Chile. Em seguida, saiu do país com destino à Argentina. Tentou retornar ao Brasil, mas não obteve sucesso. Assim, fixou-se na Argentina, com a família, permanecendo neste país seis meses. Em seguida, mudou-se para Portugal, posteriormente se transferindo para a Inglaterra, e lá se estabeleceu em Londres, onde colaborou com o Jornal do Comércio. Com a reunião dos artigos publicados neste jornal escreveu “Cartas da Inglaterra”.

Pela imprensa, divulgou os trabalhos norte-americanos e a sua influência na Constituição. Em 1892, reelegeu-se senador pela Bahia e assumiu a direção do Jornal do
Brasil, onde pedia eleição para presidente. O país agitava-se: em seis de setembro de 1893 ocorreu a revolta da Marinha contra o governo Floriano Peixoto. Embora Rui Barbosa não estivesse envolvido com os revoltosos, sob ameaça do estado de sítio, foi obrigado a procurar abrigo na legação do Chile. Em seguida, saiu do país com destino à Argentina. Tentou retornar ao Brasil, mas não obteve sucesso. Assim, fixou-se na Argentina, com a família, permanecendo neste país seis meses. Em seguida, mudou-se para Portugal, posteriormente se transferindo para a Inglaterra, e lá se estabeleceu em Londres, onde colaborou com o Jornal do Comércio. Com a reunião dos artigos publicados neste jornal escreveu “Cartas da Inglaterra”.

Em 1895 retornou ao Brasil e no ano seguinte se reelegeu senador pelo seu estado natal. Rui Barbosa voltou-se para o jornalismo e publicou artigos no jornal “A Imprensa”. Em
1902 trabalhou na comissão incumbida de estudar o projeto do Código Civil. Em 1905 participou das discussões sobre os limites entre Brasil e a Bolívia, que disputavam o território do Acre. Rui Barbosa saiu desta negociação por discordar do encaminhamento dado por Rio Branco, ministro das Relações Exteriores. Após a resolução desta questão, assumiu, como advogado, a causa movida pelo estado do Amazonas contra o Brasil, pelo qual requisitava o território do Acre.

Em 1907 foi convidado para ser representante brasileiro na Segunda Conferência da Paz, que seria realizada em Haia. Sua participação nesta conferência é descrita, pelos biógrafos e comentaristas, com muitos louvores. No ano de 1909 candidatou-se para presidente da República, disputando o pleito com Hermes da Fonseca. Esta disputa ficou conhecida como campanha civilista. Ele obteve a maioria de votos das grandes cidades, porém perdeu no interior do país.

Em 1916 ele foi convidado por Wenceslau Braz para representar o país na Argentina, na qualidade de embaixador, durante as comemorações da independência daquele país. As nações reunidas na Faculdade de Buenos Aires decidiram que não ficariam neutras diante da Primeira Guerra.

O ano de 1918 foi especial, pois ocorreu a comemoração do Jubileu Cívico de Rui Barbosa, sendo que, logo depois, inaugurou-se o seu busto na Biblioteca Nacional. No ano seguinte, concorreu para a presidência do país, disputando a eleição contra Epitácio Pessoa, que acabou saindo vitorioso. Com o fim dessa eleição, foi para a Bahia apoiar um candidato de oposição. Em 1921 renunciou à cadeira de senador, porém seu mandato foi renovado. No ano de 1922, em que Artur Bernardes passou a comandar a presidência da república. Rui Barbosa não acompanhou esse governo, pois ficou doente e se retirou para Petrópolis. O diagnóstico do médico apontava para uma “paralisia bulbar”. Na tarde de março de 1923, Rui faleceu".
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Fonte:
Leandro de Almeida Silva: O Discurso Modernizador de Rui Barbosa -1879-1923. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Orientadora: Prof. Drª Cláudia Maria Ribeiro Viscardi). Juiz de Fora, 2009.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

Estratégias de atuação política
Rui Barbosa atuou como deputado geral, no Império, por apenas seis anos. A partir de 1884, perdeu todas as eleições que disputou. Apesar disso, em 1889, não somente foi cotado para ser ministro como, após a proclamação da República, era considerado um dos principais homens do novo regime. Como se explica a discrepância entre seu desempenho partidário declinante e sua crescente relevância política?

A explicação reside no fato de que a tribuna parlamentar não era o único espaço de debate político na sociedade brasileira das últimas décadas do Império. Havia a rua, os cafés, os teatros, as associações e, principalmente, a imprensa (MELLO, 2007). Embora dirigida aos letrados, que constituíam uma parcela reduzida da população, a imprensa conseguia atingir um público bem mais amplo do que o círculo dos conchavos partidários. Para esse público, especialmente para os que não vinham encontrando espaços para ascender no sistema imperial, quanto mais crítica a postura de Rui, quanto mais incisivos seus ataques, mais interessante e destacado ele se tornava. Sua palavra começou a ganhar, assim, um valor diferente. Ele já não era apenas mais um político tentando fazer carreira na Corte. Era Rui Barbosa, o mestre do verbo, manejando com destreza as armas cortantes da retórica e da erudição.

Foi através do jornalismo, portanto, que Rui conseguiu converter a marginalização relativa a que estava submetido em um trampolim para alcançar novos horizontes na política: arriscava, assim, seus primeiros volteios de “águia” em vôo solo.

Diferente, quase oposto, foi o caminho traçado por Seabra. Como Rui, ele era desprovido de recursos financeiros e não vinha de família tradicional. Precisava, igualmente, do apoio de chefes estabelecidos. Mas, sem dispor, como Rui, de uma porta aberta no Partido Liberal, Seabra tentou estabelecer relações com elementos prestigiosos do partido que detinha o poder. Sua estratégia de inserção, portanto, foi tentar encontrar espaços por dentro do sistema. Apesar de não ter conseguido sequer um mandato em todo o Império, não se pode dizer que ele tenha fracassado. Afinal, Seabra obteve a cátedra em Recife, posição de muito prestígio, além de um emprego de promotor. Com a instalação da República, soube ser flexível e ágil para conquistar um mandato em meio ao atordoamento que parece ter tomado conta de parte da elite baiana. Dava mostras, assim, de grande capacidade de compreender a dinâmica do jogo do poder, como jovem“raposa” política que era.

Essas diferentes estratégias repercutem no desenvolvimento político posterior dos dois baianos. No caso de Rui, o impacto de sua palavra jornalística, estendido mais tarde à tribuna do Senado e aos meios jurídicos, favoreceu o surgimento de uma relação especial com os dirigentes baianos na República: uma relação baseada no respeito, na reverência e, às vezes, no temor.

O marco inicial dessa relação foi a proclamação da República, que assinalou a ascensão definitiva de Rui ao primeiro patamar da política nacional. Além de ministro da Fazenda, ele era vice-chefe do governo provisório, com influência notória sobre o chefe, marechal Deodoro da Fonseca. Foi um dos principais formuladores da primeira Constituição republicana e até sugeriu o novo nome oficial do país: Estados Unidos do Brasil. Por influência de Rui, o governo da Bahia foi entregue a Manuel Vitorino, seu antigo colega de Partido Liberal, no lugar do republicano histórico Virgílio Damásio, que já havia assumido o cargo (SAMPAIO, 1998, p.59).

Desde esses primeiros momentos, firmou-se uma espécie de entendimento tácito entre Rui e os governantes da Bahia republicana – um entendimento que teve seus momentos de tensão, mas que era geralmente respeitado, ao menos até a ascensão de Seabra. Baseava-se, por um lado, no reconhecimento da autoridade de Rui no plano nacional e na renovação de seu mandato no Senado, sua principal tribuna. Em troca, o senador não interferia na política estadual de forma ostensiva, deixando espaço para os governadores conduzirem seus arranjos. Os dirigentes baianos reconheciam seu brilho do conterrâneo e louvavam suas qualidades, o que também era uma forma de mantê-lo distante, longe da Bahia. Seus poucos afilhados políticos eram incluídos nos partidos governistas, não configurando uma corrente à parte. Rui não tinha nem jornal próprio na Bahia, pré-requisito para todo agrupamento político do período. Apesar disso, sua ascendência era grande.

A influência de Rui na política baiana ocorria, basicamente, de duas formas. A primeira era a forma comum: o aproveitamento de sua inserção no primeiro escalão da política nacional, com tudo que isso significava em termos de influência, benefícios, cargos e vantagens. Como político baiano de destaque nacional, era esperado que ele, não só defendesse projetos de interesse da Bahia, ou dos seus aliados na Bahia, como tivesse condições de beneficiar “amigos” baianos na obtenção de vantagens. Era o mundo da “pequena política”, que se explorará com mais detalhes no segundo capítulo. Por ora, basta assinalar que Rui era o único baiano com prestígio comparável ao da “constelação de estadistas” baianos do Império. Como estrela solitária no céu da República, ele se tornou um interlocutor fundamental da elite baiana junto ao poder central.

Não por acaso, partiram da Bahia mais de 30% do total de pedidos enviados a Rui, quando
ministro da Fazenda (CARVALHO, 2000).

A segunda forma de influência de Rui na política baiana era bem menos comum – na verdade, era única. Derivava do peso atribuído nacionalmente à sua palavra, que inibia os dirigentes da política baiana de tomarem qualquer atitude que o contrariasse. A questão é que, mesmo em seus longos períodos de oposição ao governo federal, ele atuava no espaço público com grande visibilidade, nos jornais, no Senado e nos tribunais. Para os políticos dominantes na Bahia, era importante ter Rui como aliado, pois ele era um adversário a temer. O governador Luís Viana expressou claramente esse sentimento, em 1896, ao então correligionário Severino Vieira, que tentava convencê-lo a não renovar o mandato de Rui no Senado, visando agradar ao governo federal. Escreveu Luís Viana:

O Rui é um baiano, um brasileiro, tão eminente que, sem grave responsabilidade, não poderíamos assumir o compromisso de excluí-lo da representação do país (...). Receiam o Rui? Ele nos faria mais mal fora do Parlamento. Não se lembra do que se deu por ocasião da exclusão acintosa dele do Ministério Ouro Preto? (VIANA FILHO, 2008, p. 382-383).

Luís Viana lembrava que, em 1889, contrariado em seus planos pelo visconde de Ouro Preto, Rui assentou suas baterias contra o Império, em campanha jornalística memorável, que contribuiu para criar o clima favorável à derrubada do regime. Qual poderia ser o efeito de seu verbo enfurecido contra o grupo que controlava o governo da Bahia? O governador sabia que, mesmo sem estar no auge da popularidade e da força naquele momento, Rui ainda podia contar com a imediata repercussão de suas palavras em todo o país.

Em 1896, com efeito, a situação política de Rui não estava tão lisonjeira como nos primeiros anos da República. Pesava contra ele amemória de sua atuação como ministro da Fazenda, que resultou em forte descontrole inflacionário. Não se discutirá aqui a política econômica que deu origem ao famoso “encilhamento”. Basta registrar que, ao sair do ministério, em janeiro de 1891, em meio à demissão coletiva dos ministros de Deodoro, Rui carregava uma marca que jamais o deixaria: a do ministro que provocou o maior surto especulativo vivido no país até então. Além disso, os adversários lançavam suspeitas sobre seu enriquecimento, apontando como evidência de sua “vida de nababo” até o brilho dos vestidos de Maria Augusta, sua esposa (GONÇALVES, 2000, p. 78-79; OCRB, v.XX, 1893, t.I, p.43).

Após a saída do ministério, as relações de Rui com o poder central ficaram tensas. Em 3 de
novembro de 1891, ele criticou o marechal Deodoro pelo fechamento do Congresso e, vinte dias depois, apoiou o contragolpe dado pelo vice-presidente Floriano Peixoto. Mas o novo presidente decidiu derrubar todos os governadores deodoristas, inclusive José Gonçalves, da Bahia, aliado de Rui. O senador baiano não podia aceitar essa interferência. Inicialmente, ele pediu a Floriano quemantivesse seu aliado. Não sendo atendido, partiu para uma feroz oposição. Mostrava-se aí, claramente, a importância da política baiana na atuação nacional de Rui Barbosa. Ninguém podia interferir nos negócios da Bahia sem esperar uma reação sua (GONÇALVES, 2000, p.80).

O Brasil vivia um período de turbulência política. Em abril de 1892, Floriano Peixoto recebeu o “manifesto dos 13 generais”, contra sua permanência no cargo. Em represália, os generais foram reformados e foi decretado o estado de sítio. O governo também mandou prender e desterrar manifestantes civis, incluindo alguns parlamentares que participaram de uma manifestação pró-Deodoro. O senador Rui entrou com habeas corpus em favor dos desterrados. Ao descrever o infortúnio dos presos, na peça jurídica, narrou a seguinte cena:

Outro desterrado, senhores juízes, membro do Congresso, lente de uma faculdade jurídica, passou por convícios de tal ordem, que as lágrimas lhe arrasavam os olhos, e a mão, que não podia levantar-se contra os baldoadores seguros da superioridade material, mostrava, como a mais irrefragável das respostas ao insulto, uma cédula de vinte mil réis, soma total da riqueza com que ele partia para o desterro indefinido (OCRB, v.XIX, 1892, t.III).

O homem que partia para o desterro em lágrimas, brandindo uma nota de dinheiro no ar, era o deputado federal J. J. Seabra, que também vinha se batendo contra o florianismo. Nessa época, os dois baianos combatiam lado a lado, e tinham uma relação amistosa, embora não de igual para igual. Era marcante a diferença de importância política entre os dois, que transparece no tom subserviente das cartas de Seabra do período, guardadas no arquivo de Rui (ARB). Diante do prestígio do seu “eminente mestre”, Seabra era apenas um iniciante. Mas, um iniciante que não perdia oportunidades de chamar atenção no cenário nacional.

De fato, Seabra estreou na política com todo o ímpeto que o caracterizava. Na sessão solene de instalação da primeira Assembléia Constituinte republicana, foi o primeiro deputado a solicitar a palavra. Manifestou-se para pedir a nomeação de uma comissão para cumprimentar o marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório. A proposta foi aprovada por unanimidade, pois votar contra seria uma desconsideração ostensiva ao generalíssimo, embora já existisse uma oposição articulada em torno do vice, Floriano Peixoto. O episódio é indicativo da estratégia que Seabra adotaria repetidamente na República: assumir posições destacadas, através dos seus recursos de oratória e da disposição de se expor sem restrições, firmar alianças nacionais e, através disso, fortalecer sua posição na Bahia. Era uma atuação por dentro do poder nacional e,
simultaneamente, a partir de fora, em relação à política baiana.

Sua aproximação do marechal Deodoro foi logo recompensada. Ainda em 1891, aos 36 anos de idade, Seabra foi nomeado diretor da faculdade de Direito de Recife. Chegou a tomar posse, mas ficou pouco tempo no cargo. Suas aspirações acadêmicas já haviam passado definitivamente ao segundo plano, em relação à política.

Como deputado federal, Seabra apoiou os atos do governo provisório, inclusive a gestão de Rui no ministério da Fazenda e o plano do encilhamento. Aplaudiu também outra medida polêmica proposta pelo ministro Rui: a queima de documentos ligados à escravidão, sob o argumento de evitar pedidos de indenização pelos senhores – exatamente o contrário do que Seabra pregou em sua atividade como “abolicionista”. O deputado não somente votou a favor da queima, como propôs ao Congresso uma moção de congratulação com o “patriótico Governo Provisório, que acabou de uma vez para sempre com aquilo que era nossa vergonha, a página negra da historia do Brasil”. A moção foi aprovada, com 83 assinaturas (ACC 1890/1891, p.193).

Como deodorista entusiasmado, Seabra se engajou na oposição a Floriano Peixoto, quando este assumiu o poder. Em 1892, participou da manifestação já mencionada, foi preso e desterrado numa região inóspita da Amazônia. Não se tratará aqui das aventuras de Seabra no desterro, contadas por seus biógrafos: suas narrativas incluem conspirações de fuga, taperas perdidas na selva, sonhos premonitórios e um episódio de malária que quase matou o deputado baiano. Ao retornar ao Rio de Janeiro, ele continuou na oposição a Floriano Peixoto na Câmara. Naquele momento, portanto, Rui e Seabra atuavam do mesmo lado no cenário nacional. Os dois sofriam as conseqüências de ser oposição, em um período de grande tensão política.

Após a defesa que fez dos envolvidos na Revolta da Armada, em setembro de 1893, Rui Barbosa foi perseguido pelo florianismo e teve que deixar o país. Depois de algumas idas e vindas, acabou se exilando na Inglaterra. Seabra também se envolveu com o movimento, chegando a embarcar no navio Aquidabã com os rebeldes. Com o fracasso da revolta, refugiou-se no Uruguai. Ao regressarem do exílio, tanto Rui como Seabra teriam que se esforçar para recuperar seu espaço no jogo de poder baiano e nacional.

Esse foi, provavelmente, o momento politicamente mais difícil para Rui na República. Quando seu mandato no Senado expirou, em 1896, alguns dirigentes da Bahia pensaram em não renoválo, para agradar a Prudente de Morais, sucessor de Floriano. Os aliados do presidente desejavam eliminar Rui do Senado, para evitar que ele se tornasse, mais uma vez, um opositor incômodo. Foram essas as circunstâncias da carta de Severino Vieira a Luís Viana, já citada. Mas, o medo de desagradar Rui foi mais forte do que a vontade de agradar ao presidente. Luís Viana assegurou a eleição de Rui para o Senado, para um novo mandato de oito anos.

No caso de Seabra, a situação era mais difícil. Sua expressão política era infinitamente menor. Ao regressar do exílio, seu primeiro mandato de deputado federal já havia acabado, e ele teve que reassumir a cátedra em Recife. Nas eleições de 1896, buscou apoios para retornar ao Congresso. Mas, ao contrário de Rui, ele não contava com a boa vontade de Luís Viana. Conforme Dunshee de Abranches (1973, apud SANTOS, E., 1990, p.27-28), o governador teria dito que a candidatura de Seabra era repelida pelos baianos e que, “só em caso de desespero”, o partido dominante adotaria o nome “desse fazedor de conspirações e de revoltas”. Como se vê, tanto Rui como Seabra haviam ficado estigmatizados pela atuação na oposição. A exclusão de Seabra também atendia a pedidos do governo federal, especialmente do deputado paulista Francisco Glicério, que era muito influente junto ao novo presidente, Prudente de Morais.

Para furar essa barreira, Seabra recorreu ao tio, almirante Manuel Alves Barbosa, que havia sido designado ministro da Marinha, ao próprio senador Rui Barbosa e a Manuel Vitorino, que havia sido eleito vice-presidente da República. O apoio deste último parece ter sido decisivo. Segundo um relato do juiz Paulo Martins Fontes, em carta ao barão de Jeremoabo (SAMPAIO, 1999, p. 126-127), Vitorino praticamente impôs o nome de Seabra na chapa governista para a Câmara, ao mesmo tempo em que tentava remover Rui do Senado. No tocante a Rui, essa versão contradiz as informações de Luís Viana Filho (2008, p.380), que informa que Manuel Vitorino defendeu essa candidatura ao lado de seu pai, Luís Viana. Os dois teriam resistido às pressões anti-Rui de Severino Vieira, Prudente de Morais e Francisco Glicério.

É difícil saber que interesse tinha Manuel Vitorino na eleição de Seabra. Pode-se imaginar que os dois tenham firmado algum acordo sobre a atuação do deputado na defesa do governo. Quanto a Rui, tanto o apoio quanto a rejeição de Vitorino são verossímeis. O vice-presidente era amigo de Rui desde o Partido Liberal monárquico. Em 1893, em uma conferência na Bahia, os dois se saudaram como “irmãos” (OCRB, v.XX, 1893, t.I, p.23). Por outro lado, como membro destacado do novo governo, Manuel Vitorino pode ter buscado contribuir discretamente para a eliminação de um opositor, atendendo ao que desejavam o presidente e seus aliados.

Eleitos, como se viu, com grandes dificuldades, Rui e Seabra seguiram em suas atividades políticas. Rui, como esperado, partiu para a oposição a Prudente de Morais, não somente no Senado, mas também na imprensa e nos tribunais, advogando em causas contra os interesses do governo (GONÇALVES, 2000, p.96-97). Manteve essa postura também em relação ao presidente seguinte, Campos Sales. Em 1898, fundou um jornal, A Imprensa, que se tornou sua tribuna preferencial para atacar o governo, mas o veículo teve dificuldades financeiras e fechou. Apesar do sucesso como jornalista, da repercussão das suas críticas, a vida na oposição era muito difícil. Na Bahia, a situação de Rui ainda permanecia a mesma, embora sua influência provavelmente tenha diminuído com a ascensão de Severino Vieira ao governo, em 1900.

Quanto a Seabra, o retorno ao Congresso, em 1896, foi a oportunidade de voltar a se agarrar às engrenagens do poder, apoiando-se nos elementos certos para subir. Eleito contra a vontade do presidente, ele conseguiu retomar a estratégia de se destacar como governista, articulando-se ao grupo que pretendia reduzir a influência de Francisco Glicério no governo. Em maio de 1897, propôs ao Congresso uma moção de congratulações a Prudente pela repressão da revolta da Escola Militar, ocorrida naquele mês. A chamada “moção Seabra” – que teve grande repercussão e ajudou a projetar o nome do deputado baiano – foi uma manobra para revelar as conexões de Glicério com os rebeldes. Sem poder subscrever a moção, pois estava realmente ligado aos jacobinos da Escola Militar, Francisco Glicério teve que deixar a liderança do governo. Foi uma vitória do grupo de Seabra, que ampliou seu espaço na base governista.

As relações de Seabra com Prudente de Morais se estreitaram quando o deputado baiano atuou como advogado da família do marechal Bittencourt, ministro da Guerra, morto ao defender o presidente no atentado de novembro de 1897. Seabra acusou os supostos mandantes do crime, inclusive o vice-presidente Manuel Vitorino, que teria se envolvido com os conspiradores para permanecer na Presidência (ele havia assumido o cargo entre novembro de 1896 e março de 1897, quando Prudente se afastara por problemas de saúde). Articulado ao grupo prudentista, Seabra não hesitou em acusar Manuel Vitorino, a quem devia sua eleição para o Congresso. Sob o pseudônimo Caneca (herança da vivência pernambucana), mandou publicar artigos na Gazeta de Notícias (RJ), atacando o vice-presidente e o juiz Afonso de Miranda, responsável pelo caso, que excluiu Vitorino do rol de acusados. O tom dos artigos era de confrontação direta:

Que consciência reta não se achará alarmada e sobressaltada diante do desplante com que o Sr. Afonso de Miranda teve a coragem de vir, lampeiro, afirmar ao Brasil e ao mundo que não encontrou no processo, inquérito e formação de culpa, indícios veementes da criminalidade do homem [Manuel Vitorino] para quem seus amigos já cogitaram de requerer um habeas corpus preventivo, de um homem apontado pela opinião pública como conspirador e co-autor do indigno e infame atentado de 5 de novembro?! (...)
Desde o dia em que o sr. Manuel Vitorino tomou posse do cargo de presidente da República, no impedimento, por moléstia, do dr. Prudente de Morais, que conspira contra o presidente a fim de empolgar o poder, não escolhendo os meios, de modo a concordar com a eliminação dele pela garrucha de Marcelino Bispo (CANECA, 1898, p.VI-VII).

Seabra prosseguiu na linha entusiasmadamente governista durante o governo de Campos Sales. O presidente, no início do mandato, não simpatizava com o deputado baiano, considerando-o “turbulento, agitador e ignorantão” (SANTOS, E., 1990, p.30-32). Pouco depois, ele já assumia o importante cargo de líder do governo na Câmara, destacando-se na defesa do empréstimo do tipo funding loan. Foi reeleito em 1899, sem dificuldades. Com apoio de Campos Sales, Seabra conseguiu ser nomeado ministro da Justiça e Negócios Interiores, no mandato do novo presidente Rodrigues Alves, que se iniciou em 1902. O ministério foi a porta de entrada para Seabra ingressar no primeiro escalão da política brasileira, e o impulsionador de sua primeira tentativa de estabelecer um projeto de domínio político da Bahia.

Coincidentemente, a gestão de Rodrigues Alves também assinalou uma importante inflexão na trajetória de Rui Barbosa. Desde a saída do ministério de Deodoro, ele havia feito oposição a todos os presidentes republicanos. O próprio nome de Rui já estava simbolicamente vinculado à idéia de oposição, de crítica, como assinala Gonçalves (2000, p.107). Porém, a continuação dessa atitude vinha colocando em risco sua sobrevivência política. Até mesmo o mandato de senador pela Bahia já havia sido ameaçado, e Rui não pretendia resumir a ele sua atividade. Suas ações indicam que ele desejava atingir a presidência da República, onde poderia colocar suas idéias em prática. A atitude de eterno opositor tornaria esse projeto inviável. Por tudo isso, em 1902, Rui decidiu apoiar a presidência de Rodrigues Alves, seu antigo colega de faculdade. A adesão foi formalizada em um “verdadeiro ritual de passagem”, descrito por João Felipe Gonçalves:

O ritual se deu em 22 de abril de 1903, quando Rui presidiu um banquete oferecido a Pinheiro Machado, vice-presidente do Senado e agente fundamental do poder oligárquico. Também tocou a
Rui fazer o brinde de honra a Rodrigues Alves, instituindo ritualmente sua adesão ao governo. Seu discurso reforçava a nova posição: afirmou que os mesmos “princípios de liberdade e justiça, de legalidade e democracia” que tinham sustentado sua oposição levavam-no agora a apoiar o novo presidente. Rui dizia ver nele as promessas da “recomposição moral do regime”. Por isso, assegurava: “O meu apoio é como minha oposição: sem rodeios” (GONÇALVES, 2000, p. 107-108).

Ao lado de Pinheiro Machado, o senador baiano agora iria atuar também por dentro do regime, articulando as forças estaduais que sustentavam a República. Dentre essas forças, estava a de sua terra natal, então governada por Severino Vieira e prestes a sofrer as investidas do ministro Seabra. Esses dois elementos políticos ameaçavam atrapalhar a relação consagrada de Rui com o situacionismo baiano, justamente quando o senador precisava de aliados fiéis para seu projeto presidencial. Mas, para compreender como essas forças se conjugavam, será preciso olhar mais de perto como se processava a dinâmica política da Bahia republicana, o que também ajudará a entender outras características da atuação de Rui e Seabra.”
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Fonte:
Silvia Noronha Sarmento: “A Raposa e a Águia J. J. Seabra e Rui Barbosa na Política Baiana da Primeira República”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Antônio Fernando Guerreiro Moreira de Freitas). Salvador, 2009.

Nota:
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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Rui Barbosa e a Educação Brasileira
“Rui Barbosa foi um dos marcantes intelectuais da história da nação brasileira, lutou, entre muitas das questões que defendia, em prol da instrução popular. Ele sempre esteve presente nos mais diferentes “campos de luta” e, durante o Brasil Imperial até sua transição como República, não foram poucas as questões que Rui Barbosa defendeu, entre elas: a luta pela libertação dos escravos, a Reforma eleitoral, a Constituição Republicana, assim como a fervorosa defesa a favor da modernização do país. Porém é na faceta de Rui Barbosa como educador, ou melhor, é como defensor da instrução pública que objetiva-se o aprofundamento, averiguando suas propostas expressas em seus pareceres sobre o ensino secundário, superior e primário, analisando a situação do ensino no país e a participação dos agentes históricos na construção e entendimento da história educacional brasileira.

Rui Barbosa nasceu em Salvador, Bahia, em 5 de novembro de 1849, sua mãe era prima de seu pai, o pai dele tinha um forte apego pelo ideário liberal, legado da Revolução Francesa. Em 1866, foi para Recife estudar direito e depois transferiu-se para São Paulo, as faculdades em seu tempo serviam para criar uma elite administrativa capaz de organizar e governar o nascente Estado nacional.

A formação em Direito consistia de um treinamento para a ocupação de postos burocráticos importantes, sendo a homogeneidade de socialização, de visão de mundo e de valores que era um dos seus principais efeitos – o que um dia chegara a garantir a manutenção da frágil unidade política da ex-colônia
(GONÇALVES, 2000, p. 20).

Em ambiente acadêmico, já se ouviam murmúrios de que Rui Barbosa fazia parte do clã que apoiava as reformas liberalizantes. As técnicas de oratória, os valores do liberalismo europeu e a política do partido liberal faziam parte de sua vida. Rui Barbosa defendeu com muito afinco, como já foi citado anteriormente, a questão da abolição da escravatura, inclusive propõe na Loja América, maçonaria a qual freqüentava, que os maçons libertassem o ventre das escravas. Isso lhe rendeu boas discussões, até com seu professor que acabou abandonando a maçonaria.

Ele acreditava que a tribuna e a política seriam mais poderosas se estivessem munidas das belas-letras, que significava a palavra bem trabalhada. Imbuído de audácia política e de liberdade, iniciou sua luta pela modernização política do país. Rui Barbosa possuía, contudo, uma doença desconhecida, que permitia concluir que seu futuro era incerto, levando-o, muitas vezes, a se ausentar para tratamento. Apesar disso, nunca deixou que suas crenças esmoressem, voltando cada vez mais determinado toda vez que restabelecia sua saúde (GONÇALVES, 2000).

Durante o término de sua faculdade, Rui Barbosa foi acometido por esta doença e, durante este período, ficou em tratamento durante algum tempo. Quando seu pai faleceu, voltou à casa dele e constatou que o mesmo estava passando por muitas dificuldades financeiras e não havia lhe deixado nenhuma fortuna. Rui Barbosa tomou para si as dívidas contraídas por seu progenitor, como sinal de decência e consideração. Assim, notamos que ele não herdou do pai fortunas, mas sim um importante capital social. O pai de Rui Barbosa era
médico, mas sua grande paixão sempre fora a política, seu pai lhe deixara um legado importante de amigos ilustres, que muito lhe serviram nos momentos em que mais precisou, ajudando-o a ascender socialmente. Os amigos que seu pai fizera foram valiosíssimos, entre eles destaca-se Manuel de Souza Dantas, que foi um grande amigo e o influenciou e o ajudou em muitos momentos de sua vida, introduzindo-o no cenário da vida política.

Rui Barbosa começou atuando como advogado, em 1872, no escritório do padrinho Manuel de Sousa Dantas, que foi o responsável pelo seu encaminhamento como político em nível nacional. Colaborou também no jornal
Diário da Bahia, que era de seu padrinho; atuando como advogado e jornalista. Tornou-se muito amigo de Rodolfo Dantas, importante político baiano, filho de Manuel Rodolfo Dantas, que proporcionou a Rui Barbosa uma viagem de quatro meses à Europa para tratar da saúde.

No jornal, Rui Barbosa deslanchou uma campanha em prol das eleições diretas, umas das maiores bandeiras do Partido Liberal. Deste modo, em cada
época de sua vida, levantava uma bandeira e se dedicava totalmente, estudando com afinco a cada uma de suas causas, pelas quais se debruçava com ardor. Ele inspirava-se nos ideais ingleses e defendia arduamente a maneira como estes conduziam seu país.

Em 1876, apaixonou-se por Maria Augusta e foi para o Rio de Janeiro angariar fundos para seu casamento, tanto sua viagem como sua estadia foram patrocinadas por seus amigos. Na corte, trabalhava no jornal liberal “A Reforma” e atacava veemente os conservadores. Defendia a separação entre o Estado e a Igreja, fez a tradução de “O Papa e o Concílio”, a pedido de Saldanha Marinho, que garantiu a Rui Barbosa a compra de 1500 exemplares da obra pela maçonaria. Ao fazer a tradução, acrescentou uma introdução mais extensa que o livro, o que lhe rendeu inimigos para o resto de sua vida.

Ao retornar a Salvador, casou-se e sua lua-de-mel foi interrompida por contrair tifo. Ao se restabelecer, assumiu o Diário da Bahia devido ao afastamento de Rodolfo Dantas. Nesse momento, o partido liberal assumiu o poder com o Gabinete Sinimbu e Rui Barbosa tornou-se deputado provincial e depois geral.
Novamente, contou com o apoio do padrinho, visto que não havia campanhas, somente arranjos internos.

Com o passar do tempo, Rui Barbosa foi se destacando e, juntamente com ele a fama de tribuno eloquente, corajoso e devastador. Escreveu o projeto de reforma eleitoral, que estabelecia eleições legislativas diretas; o projeto foi aprovado em 1881. Como relator do projeto, acrescentou mais tópicos que os sugeridos por Saraiva, que foi quem o nomeou. O projeto ficou conhecido, após a aprovação, como Lei Saraiva ou Lei do Censo, a qual mantinha o voto censitário e vetava os analfabetos de votarem.

Ele entendia que o progresso não seria alcançado se não fossem mudadas as relações de trabalho e modernizada a sociedade civil. Nesse processo, envolveu-se com as questões mais polêmicas, como a separação entre a Igreja e o Estado, o casamento civil, a secularização dos cemitérios, a questão eleitoral, a abolição, a imigração e a importância de se incentivar a industrialização no país
(MACHADO, 2002, p. 30).

Em 1882, começou seu segundo mandato parlamentar, com o gabinete liberal de Martinho Campos, e Rui Barbosa se lançou esperançoso num projeto que há muito desejava a reforma do ensino. Durante o período imperial (1822-1889), a instrução primária era privilégio usufruído somente para os mais favorecidos, ou seja, as famílias abastadas eram as únicas que podiam encaminhar seus filhos aos estudos, que, na maioria das vezes, ocorriam por meio de preceptores. Em relação ao ensino elementar, mantinha-se a Escola de Primeiras Letras, do Decreto de 1827, na capital do Império como nas províncias. Essa lei vigorou até o ano de 1834, e no Município da Corte até 1854, quando foi aprovada e colocada em execução a Reforma de Couto Ferraz, que estabelecia a obrigatoriedade do ensino elementar, vigorava o princípio da gratuidade que fora estabelecida pela constituição, impedia o acesso de escravos ao ensino público e previa a criação de classes específicas para adultos que não sabiam ler nem escrever.

Este decreto tem como objetivo criar as condições para o estabelecimento da liberdade de ensino, em vários níveis de abrangência. Membro do Partido Liberal, que assume o poder em 1878, Leôncio de Carvalho, Ministro dos Negócios do Império, assume a tarefa de encaminhar uma solução à questão educacional cuja precariedade e insuficiência vem se avolumando a concretizar as diretrizes de seu Partido, que defende a necessidade de instrução para todos os brasileiros
(VALDEMARIN, 2000, p. 23).

Em seguida, Rui Barbosa redigiu seus pareceres. Esses pareceres originaram-se da análise do Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, que reformava o ensino primário e secundário no município da Corte e o ensino superior em todo o Império.

No Brasil, a preocupação em torno da difusão da educação do povo e da organização de um sistema nacional de ensino, considerados como fundamentais para criar a unidade da nação, orientava os discursos da imprensa, dos educadores, publicistas e, sobretudo, dos parlamentares da época. Aos olhos desses homens, a educação poderia encaminhar a solução para os problemas que advinham da precária unidade nacional, através de uma formação comum, mobilizando nacionais e imigrantes em torno de uma idéia-força, de uma alma nacional, considerada como fundamental para conduzir o País ao desenvolvimento e à modernização
(SCHELBAUER, 1998, p. 64).

O Decreto foi apresentado pelo ministro Carlos Leôncio de Carvalho, membro do gabinete liberal, presidido por Cansassão de Sinimbu, num momento em que crescia o interesse pela instrução pública.

A pressa de Leôncio de Carvalho na execução dessa reforma pode ser explicada pelo fato de ser o ano de 1879 decisivo para os filhos de escravas, nascidas em 1871 após a Lei do Ventre Livre, quando estariam em idade escolar. Contudo Leôncio de Carvalho não refere essa criança em nenhuma passagem do relatório Brasil, 1878 ou do Decreto, bem como não proibia o escravo de freqüentar a escola, como estava posto no regulamento de Couto Ferraz, de fevereiro de 1854, que vetava a frequência de escravos nas escolas, juntamente com os doentes e não vacinados
[...] (MACHADO, 2005, p. 94).

Esse Decreto foi submetido à apreciação da Comissão de Instrução Pública, composta por Rui Barbosa, relator, Thomaz do Bonfim Spinola e Ulisses Viana. Dessa forma, Rui Barbosa teve a oportunidade de escrever os pareceres sobre a “Reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior”
. No Decreto de Leôncio de Carvalho, ficou explícita a prioridade da iniciativa particular, devendo o Estado basear sua ação na retirada de empecilhos que pudessem atravancar essa proposta. Leôncio de Carvalho defendia que a sociedade se auto-ajustaria
pelas próprias condições do capitalismo.

Motivado pelos modelos estrangeiros, Leôncio de Carvalho deu direito a indivíduos da sociedade que por ora não existiam. Não podiam existir indivíduos ou instituições particulares que fossem impedidos de abrir escolas, que pudessem dar vida e realidade à sociedade que se regularia pela livre competição que se pensava criar. Não existindo demanda real para a abertura de estabelecimentos particulares, o Decreto expressava a intenção de seus autores de restringirem a ação governamental na educação e delegarem aos particulares esta competência. Mas, ao fazer isso, tornava-se contraditório com seus próprios termos, isto é, usava da lei, por definição, um mecanismo de coerção para implantar a liberdade.

Em 1858, Quintino Bocaiúva, em seus artigos que escrevia para o jornal “O Paraíba”, comentava sobre a situação da instrução pública em nosso país, relatando a precariedade, na qual se encontrava e, ainda, salientava a importância da educação para garantir a ordem, o progresso e a civilização da nação brasileira. Liberato Barroso (2005), também em 1865, em relatório apresentado sobre a instrução pública, apontava para a falta de uniformidade do ensino e a precária difusão da instrução pelo Estado.

É importante salientar que, entre os anos de 1868 a 1879, outros projetos de reforma da instrução pública foram elaborados e apresentados à Assembléia Geral Legislativa. Em 6 de agosto de 1870, o ministro do Império Paulino José Soares de Souza entregou ao Parlamento o Projeto de Reforma nº. 18, já o deputado Antonio Candido da Cunha Leitão elaborou dois projetos, um no mês de março e outro em julho de 1873.

Em 16 de junho de 1873, o deputado Antônio Cândido da Cunha Leitão apresentou projeto tornando o ensino particular de instrução primária, secundária, especial e superior, completamente livre em todo o Império. Os professores ou professoras particulares de instrução primária ou secundária que abrissem aula pública deveriam ficar sujeitos às obrigações seguintes: comunicação dentro de dois meses, à autoridade encarregada de inspecionar o ensino público em a respectiva localidade, e por intermédio dela ao presidente da Câmara Municipal, a abertura do estabelecimento, devendo designar o local da escola ou colégio e dar-lhes indicação documentada dos lugares em que tem residido, e das profissões que tem exercido durante os últimos dez anos; mandar o mapa da matrícula ou frequência dos seus alunos, sob a pena de multa de 50$000, imposta pela Câmara Municipal, depois de avisado o interessado pelo presidente da Câmara
(BRASIL, 1942, p. 328-334).

O ministro João Alfredo Correa de Oliveira protocolou o seu projeto em 23 de julho de 187434. Esses projetos arrolaram durante um momento de muitos acontecimentos econômicos, políticos e sociais
. Eles tentavam deliberar sobre a situação da instrução pública primária e secundária no Município da Corte e a
superior em todo o Império. Consideravam a instrução primária um componente importante para a moralização e progresso para a nação brasileira.

Torna-se necessário comentar que tanto Paulino de Souza quanto João Alfredo inspiravam-se nas nações européias, assim como nos Estados Unidos, que, para ambos, eram modelos a serem seguidos pelo país, para alcançar o mesmo desenvolvimento daqueles países. No Brasil, eles ambicionavam a superação das contradições existentes e, para tal realização, tornava-se necessário que o Estado interferisse nos rumos da educação.

Além disso, quando Rui Barbosa elaborou seus
pareceres, tinha conhecimento dos projetos anteriores e citou os de Paulino de Souza, Cunha Leitão e João Alfredo em seus escritos sobre educação. Portanto, somente de posse das informações da real situação do ensino no país, poderia, então, concretizar seu documento."
[...]
---
Fonte:
NAJLA MEHANNA MORMUL: “O ENSINO DE GEOGRAFIA NO PROJETO EDUCACIONAL DE RUI BARBOSA”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa: História e Historiografia da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª: Maria Cristina Gomes Machado). Maringá, 2009.

Nota
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A questão da escravidão
"A medida que a pressão externa e o descontentamento interno iam crescendo, tomava impulso o movimento abolicionista brasileiro, defendendo que o trabalho escravo precisava ser superado, porque se tornara demasiado custoso economicamente, somado a argumentos que brandiam pela liberdade total dos homens modernos. Nas primeiras fileiras da batalha travada contra a escravidão, esteve Rui Barbosa.11 Desde seus primeiros trabalhos como jornalista, opôs-se a escravidão por conta das conseqüências morais e sociais que, segundo ele, justificavam-se, em grande parte, pela presença do elemento servil na sociedade. A este respeito teceu considerações no texto Elogio de Castro Alves, publicado no ano de 1869 no Radical Paulistano.

Ora, o elemento servil e o cunho negro de toda a nossa historia, e a extinção do elemento servil será a fimbria luminosa de todo o nosso futuro. A ignomínia que barbariza e desumaniza o escravo, conspurca a família livre, escandaliza no lar domestico a pureza das virgens e a castidade das mães; perverte irreparavelmente a educação de nossos filhos; atrofia nossa riqueza; explica todos os defeitos do caráter nacional, toda a indolência do nosso progresso, todas as lepras da nossa política, todas as decepções das nossas reformas, todas as sombras do nosso horizonte. O abolicionismo e a expressão da mais inflexível das necessidades sociais (BARBOSA, 1956, p. 38).

E, em 1875, Rui Barbosa publicou, no Diário de Notícias as “Senhoras da Bahia”, o texto Pelos Escravos, no qual os comparou com as plantas, tendo o poder de fertilizar o globo quando banhado nas ondas luminosas da liberdade, ou encher de morte a atmosfera empobrecida quando reduzido na opressão. E ainda, com formosidade poética, ele comparou a situação do escravo na senzala a de um vegetal deixado na escuridão que, enfim, encontraria a claridade quando liberto.

Vereis o pobre vegetal supliciado, exausto e desbotado de saudades do sol, crescer no meio da sua tristeza, estender dia a dia o colo filiforme, despido e pálido; serpear; retrair-se diante dos obstáculos, e margina-los; sumir-se pelo chão, e ressurgir; dilatar-se persistente, incessante, infatigável; subir, estirando-se pela parede negra da galeria; apalpar-lhe as saliências; enfiar-se por algum interstício inexplorado, longo, tortuoso, estreito; atirar-se, onde ninguém pensara, por alguma fisga imperceptível do solo; evadiar-se, afinal, através do relvado, a prisão subterrânea; e, saudando, no seu verdor mal corado ainda, as florinhas do campo, receber avidamente o primeiro beijo dos esplendores do dia (BARBOSA, 1956, p. 13).

A escuridão da senzala em que viviam os escravos, para Rui Barbosa, expandia a escuridão da sociedade brasileira; nesse sentido, devolver a luz aos escravos significava libertar seus corpos da situação de exploração em que viviam, para que pudessem desenvolver cada um as suas capacidades e coloca-las a serviço da nação. No processo de modernização social, política e econômica, a abolição representaria a disseminação da luminosidade irradiada pelos princípios liberais burgueses, bem como um passo fundamental para a retirada do pais da penumbra subterrânea, conduzindo ao vislumbre do arrebol.

Apesar do combate em prol do abolicionismo e do reconhecimento das vantagens do trabalho livre, a produção com base no trabalho compulsório se reproduziu no pais, especialmente em setores econômicos como a cafeicultura, no qual, mesmo com a alta do preço dos escravos, a lucratividade da produção permitia a continuidade do processo, dado que a extração da mais valia era integral. Contudo, ja no ano de 1880, havia, no pais, novos indivíduos livres da escravidão, como exemplo, a “Lei do Ventre Livre” libertara os filhos das escravas nascidos pos 1871; e, ainda, destacou-se a atuação das sociedades abolicionistas que utilizavam de fundos para libertar os escravos, ou mesmo a liberdade fornecida pelos patrões individualmente. A presença destes novos libertos, em conjunto com outras alterações, passou a exigir da sociedade brasileira e da elite dirigente atitudes de enfrentamento ante a nova situação social. A reorganização do espaço social, em decorrência destas mudanças, exigia que se buscasse um ordenamento, ainda que confuso.”

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Fonte:
Sérgio Henrique Gerelus: “RUI BARBOSA E A EDUCAÇÃO DO CORPO NA REFORMA DO ENSINO PRIMÁRIO”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração: Fundamentos da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra.: Maria Cristina Gomes Machado). Maringá, 2007.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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IMAGENS DE RUI BARBOSA
Homenagem da revista "A Cigarra", quando da decisão de Rui Barbosa em encerrar sua carreira política, em 1921


Multidão em Frente à Rotisserie Sportman, onde se hospedou Rui Barbosa e sua comitiva, quando discusaria numa conferência na capital de São Paulo, em 1919 (Revista "A Cigarra", edição de 1919)


Multidão nas proximidades da Estação da Luz, à espera de Rui Barbosa em sua visita a São Paulo, em 1919 (Revista "A Cigarra", edição de 1919)


Outra vista da multidão na saída da Estação da Luz aguardando à chegada do ilustre Rui Barbosa, em 1919 (Revista "A Cigarra")


Rui Barbosa por sobre um automóvel seguido pela multidão, em 1919 (Revista "A Cigarra")


A família de Rui Barbosa em pose para a revista "A Cigarra", em 1919


Saída do féretro em frente á Biblioteca Nacional (revista "A Cigarra", março de 1923)


Em cima: o arcebispo do Rio de janeiro, Sebastião Leme, oficiando a missa de corpo presente do grande brasileiro; embaixo: a viúva do Rui Barbosa dando o braço ao ministro da Agricultura, o Dr. Miguel Calmon (revista "A Cigarra", março de 1923)


Vista da câmara ardente, na reportagem da revista "A Cigarra", estando presente o presidente da República Artur Bernardes

O cortejo fúnebre deixando a Avenida Rio Branco em direção ao cemitério São João Batista (revista "A Cigarra", março de 1923)


Reportagem da revista "Para Todos" sobre o funeral de Rui Barbosa, em edição de 1923


A casa onde morreu Rui Barbosa, em Petrópolis (revista "Para Todos", edição de março de 1923)


A câmara ardente, na Biblioteca Nacional, onde o corpo de Rui Barbosa foi exposto ao público (revista "Para Todos", março de 1923)


A saída do féretro - A multidão aglomerada em frente do Teatro Municipal - O cortejo imenso saindo da avenida (revista "Para Todos", março de 1923)


1. Vista do cortejo fúnebre quando entrava na Avenida Beira-Mar; 2. As netas de Rui Barbosa - Grupo de baianos - O filho e um dos genro do político (revista "Para Todos", edição de 1923)


Rui Barbosa na Academia Brasileira de Letras, da qual fora presidente (revista "Para Todos", março de 1923)



Interior da casa onde viveu Rui Barbosa, em reportagem da revista "Para Todos", em março de 1923
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CARICATURAS DE RUI BARBOSA
ZÉ POVO - Bravos conselheiro! Bombardeie esses ambiciosos que me desgraçam.
PINHEIRO - Ih! Marechal... fujamos.
MARECHAL - Ui! acuda Pinheiro... Uma bala me alcançou... Imagine se eu tivesse miolos"
(Capa da Revista "Correio da Semana", edição de 1914)


A. LINS: - Viu, seu Rui, seu único apoio era a cabeça!
ZÉ: - Taí o que dá a politicagem; de outra vez por querem empurrar o Bernardino, perdemos a presidência a que já estávamos acostumados; desta, porque não apresentaram Campos
Sales ou Rodrigues Alves? Está aí: a Águia ferida e S. Paulo barrado...
(Revista "A Lua", edição de 1910)


As surpresas da políticas
O maior pregoeiro da "Candidatura Civilista" ("A Cigarra", edição de 1921)


O domínio do futebol
"Um jornal declarou, há dias, que sem o esporte não haverá patriotismo, e que a força física de um povo é o que faz a grandeza de uma nação"
Qual história! Rui, para ser grande patriota, tem de correr num campo de futebol!
(revista A Cigarra, edição de 1922)


Subindo das trevas para ver a luz
(Caricatura da revista "Echo Phonographico", edição de de 1905)
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Fonte das imagens:
1. Revista "A Cigarra", disponível digitalmente no site: Domínio Público
2. Revista "Para Todos", disponível digitalmente no site da Biblioteca Nacional Digital do Brasil

* A imagem inicial foi extraída da revista "A Cigarra", em uma de suas edições de 1914

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