Calvino e seu contexto



A VIDA E FORMAÇÃO CULTURAL DE CALVINO

“Para se construir postulados deste reformador acerca de como entendia o Ser Humano, quer estivesse o homem no papel de povo, ou de líder político, de príncipe, faz-se necessário sondar, à semelhança de Maquiavel, o contexto histórico em que o próprio Calvino viveu, que em alguma medida fornecera parâmentros de gênese para a construção de uma cosmovisão peculiar, tanto a ele como a outros pensadores de seus dias, do qual, se perceberá, recebera influências para a formação crítica de seus conceitos; também, porque o homem é visto como o agente político, é o homem quem pensa a moral, pensa à luz de uma fontes epistemologia, distinta de Maquivel, quem exerce uma ética. Sendo assim, este capítulo concerne aos aspectos históricos que possam laçar alguma luz para ao tema do Ser Humano. Procurar-se-á investigar aqui acerca do período do nascimento de Calvino, sua família bem como alguma influência recebida de seus pais, de sua terra, e o contexto cultural de sua época. Considerar-se-á a cultura que recebeu, observando os lugares onde estudou, a corrente principal do pensamento destes lugares. Seus principais mestres e, especialmente, as habilidades que nele se destacaram, bem como sua relação com o humanismo e escolasticismo.

Calvino e sua conversão
João Calvino nasceu em Noyon a 10 de julho de 1509. Foi batizado no catolicismo antes de completar trinta dias de vida (Ferreira, 1990, p.38). Não são precisas as circunstâncias e a data da sua “súbita conversão” ao protestantismo, contudo as evidências apontam para um período entre (c.1523-1524), portanto, em Órleans ou Paris. Deve-se atentar, também, para o fato de que a vida de Calvino mesmo antes de sua conversão não fora marcada por um comportamento dissoluto e imoral – já tão comum nos jovens de seu tempo – antes, a sua conversão, como observa Schaff, “foi uma transformação para a fé do Romanismo para o Protestantismo, da superstição papal para a fé evangélica, do tradicionalismo escolástico para a simplicidade bíblica” (Costa, 2004, p.92).

Seu pai chamava-se Gérard Cauvin morava na cidade de Noyon, nascido nesta mesma cidade, mais precisamente num lugar chamado Ponte do Bispo (Beza, 2006, p.9),na Picardia, França. Era católico praticante, gozava de boa posição social e relacionava-se com a nobreza da região (Ferreira, 1990, p. 31); era procurador do capítulo da catedral e secretário do bispo, e advogado bem conceituado em Noyon e circunvizinhança. Além de Jean Cauvin, ou como é mais conhecido, João Calvino, teve também outro filho, o mais velho, chamado Carlos, que em 1519 assumiu a Capelania de La Gesine na Catedral de Noyon (Ferreira, 1990, p.32). A bem dos fatos eram quatro seus irmãos, Além de Charles, Antônio, ainda outro de nome Antônio e François (Beza, 2006, p.6).

A mãe de Calvino chamava-se Jeann de Lafranc, filha de hoteleiro da cidade de Cambrai e muito influente em Noyon (Ferreira, 1990, p.32). Dela, Calvino recebera as primeiras instruções no caminho da piedade cristã.

Calvino e Sua Educação
A cidade de origem de Calvino era muito influente. Ferreira (1990, pp. 36,37) lembra alguns eventos marcantes daquela terra. Recorda que ali fora coroado Carlos Magno como rei dos francos, em 768; Hugo Capetino, ali fora proclamado rei em 487. A cidade também guardava relíquias religiosas e era sede do bispado. Conseqüentemente possuiu um forte movimento religioso e muitas igrejas dentro de seus limites. Além do que, era proprietária de solo fértil fazendo-se um pólo agrícola e comercial.

Vultos intelectuais daqueles dias figuravam em sua galeria, pessoas como Lefrève, Olivetam e Vatable. A cidade se orgulhava de seu perfil educacional já que possuía o Colégio dos Capetos onde estudavam alguns dos filhos das famílias mais nobres, onde Calvino viria estudar (Ferreira, 1990, p.37).

A educação e formação recebida por Calvino são elementos de lapidação em sua vida. É mister considerar esta faceta tendo em vista sua relação direta com a forma pela qual o Reformador lidaria com o texto sagrado e sua exposição, e como conseqüentemente teceria seus conceitos sobre os dominadores e a ética que lhes caberia.

Tornou-se parte da tradição transmitida pela pesquisa acadêmica sobre Calvino que este foi para a Universidade de Paris, pela primeira vez, em 1523, aos quatorze anos, inicialmente freqüentando o Collège de la Marche, onde teve como preceptor a Maturim (Maturino) Cordier (Beza, 2006, p.9), antes de se transferir para o Collège de Montaigu (McGrath, 2004 p.37).

A formação de Calvino
Como Gérard, pai de João Calvino, era secretário apostólico de Charles de Hangest – bispo de Noyon (1501-1525) – e procurador fiscal do município, a sua família mantinha íntimas relações com as famílias nobres da região, sendo ele próprio um ambicioso visionário que procurou encaminhar a educação de seus filhos da melhor maneira possível usando dos meios e recursos de que dispunha (Costa, 2004, p.89). Embora as universidades francesas estivessem em um estado de declínio generalizado, ao final do período medieval, especialmente como centros de treinamento profissional, parece claro que “o pai de Calvino considerava uma educação universitária como um óbvio e excelente meio de crescimento social para seu filho” (McGrath, 2004, pp.48,49).

É sabido que Calvino recebera sua primeira educação juntamente com crianças da nobre família de Hangest. Aqui, “Calvino aprendeu e adquiriu educação e modos refinados próprios da nobreza que o permitiram posteriormente transitar em todos os meios sociais com polidez” (Costa, 2004, p.90).

Além de professores particulares, Calvino estudou na mesma escola dos filhos dos nobres de sua cidade, o Colégio de Capeto (Costa, 2004, p.90). Segundo Calvino, seu Pai, a princípio, pretendia que ele estudasse teologia em Paris. “A motivação para essa intenção é clara: Gérard Cauvin tinha uma boa reputação, tanto com o bispo, como com a diocese de Noyon, abrindo caminho para um rápido progresso eclesiástico para seu filho” (McGrath, 2004 p. 49).

Por que o pai de Calvino o enviou para a universidade? McGrath retrata a motivação da seguinte forma:

A motivação que fundamentava a educação universitária era variada: enquanto alguns indubitavelmente desejavam adquirir um treinamento profissional em direito, muitos viam a educação universitária como um meio de realizar as expectativas sociais e assegurar seu progresso social. A educação raramente era vista como um meio de atingir a realização pessoal, exceto no caso do sentido um tanto restrito e material do aumento das perspectivas de carreiras
(McGrath, 2004 p. 48).

Posteriormente, Calvino, acompanhado de alguns amigos, filhos de nobres de sua terra natal, foi para Paris, onde recebeu seu treinamento para o sacerdócio, estudando alguns meses no Collège de la Marche (Humanidades e Latim - em agosto de 1523), tendo como mestre o humanista Maturinus Corderius, e depois, foi para uma escola menos requintada em seus costumes e mais dura em sua disciplina e de orientação escolástica: Collège de Montaigu (1524) (Costa, 2004, p.90).

Calvino, já durante este período, mostrou as características proeminentes do seu caráter: “ele era consciencioso, estudioso, silencioso, reservado, animado por um estrito senso de dever, e sumamente religioso” (Costa, 2004, p.90). Estes aspectos são elementos formativos na arte hermenêutica e exegética de Calvino.

Seu pai o removeu de Paris, em algum momento em 1527 ou 1528, para que ele estudasse direito civil, em Orleans. Como já demonstrado, a motivação que Calvino atribuiu a seu pai para essa mudança de área e de universidade, fora puramente financeira: a prática do direito era mais rentável (McGrath, 2004 p.49). Calvino dominava tão bem o latim que foi capaz de mudar para o curso de humanidades antes do previsto (McGrath, 2004 p.50). No ano (1528) – concluído o seu curso de Artes – dá-se algo inusitado: devido a uma disputa de seu pai com os clérigos de Noyon, ele resolveu enviar seufilho para a conceituada e concorrida Universidade de Orleans, onde se dedicaria ao estudo de Direito, sob a influência do conceituado jurista, Pierre l`Ètoile, cognominado de “rei da jurisprudência” e “príncipe dos juristas” (Costa, 2004, pp. 90,91).

Já na famosa Universidade de Bourges, fundada em 1463 por Luís XI, estudaria com Alciati e Melchior Wolmar, a quem conhecera em Órleans (Costa, 2004, p.91).

Quanto à sua capelania, recebeu outro encargo; o curato de Sainte Martin de Martheville (setembro de 1527). Em 30 de abril de 1529 Calvino resignou a capelania de La Gesine em favor do irmão mais jovem. “Com a morte de seu pai (25 ou 26 de maio de 1531) tornou a Paris para continuar seus estudos literários e durante certo período voltou a Órleans para concluir seu curso de Direito” (Costa, 2004, p.91).

Quando um de seus amigos, Nicolás Cop, foi eleito reitor da Universidade de Paris, Calvino o ajudou a preparar o seu discurso lido na igreja dos Maturinos, como de costume no dia 1º de novembro de 1533, no qual propunha uma reforma na Igreja (Costa, 2004, p.91).

Calvino e a Universidade
Um estudante poderia formar-se em humanidades em uma faculdade e, então, transferir-se para a faculdade de teologia. O costume atual de estudar teologia logo que se entra na universidade era desconhecido do século 16, em Paris: “Calvino não podia ter iniciado seu estudo em teologia sem completar seus estudos preliminares de quatro ou cinco anos na faculdade de humanidades, que era um pré-requisito” (McGrath, 2004 p. 41).

Ele, então, teve aulas de gramática latina com Marthurin Cordier. “Filiou-se, formalmente, ao Collège de Montaigu. Estudou humanidades, provavelmente com a intenção de estudar teologia, após a conclusão de seu curso” (McGrath, 2004 p.43).

Provavelmente, teve aulas de latim sob a supervisão de Cordier, que podem ter sido ministradas tanto em La Marche como em Sainte-Barbe (McGrath, 2004 p. 43)."

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Fonte:
JOSÉ ROBERTO DA SILVA: “ÉTICA DO POVO E ÉTICA POLÍTICA: Nicolau Maquiavel, João Calvino e a Contemporaneidade”. (Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos para obtenção de título Mestre em Ciências da Religião. Orientadora : Profª. Dra. Márcia Mello Costa De Liberal). São Paulo, 2007.

Nota
:
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