“Na segunda parte de nossa investigação, deveremos perguntar ao texto cartesiano o que Descartes entende por substância e como esse termo se aplica a mim, enquanto ser pensante, e a Deus, enquanto Ser perfeito. O texto que pode nos ajudar sem, aparentemente, muitas dificuldades é o artigo 51 dos Princípios da filosofia, primeira parte. O artigo diz: “mas com respeito ao que consideramos como coisas ou modos das coisas, vale examiná-las aqui uma após outra. Por substância não podemos conceber senão uma coisa que existe de modo a não ter necessidade de nada além de si própria para existir. E, em verdade, pode-se conceber apenas uma substância absolutamente independente, que é Deus. Percebemos que todas as outras coisas só podem existir pela ajuda do concurso de Deus, e, por conseguinte, o termo substância não se aplica a Deus e às outras criaturas univocamente, para adotar um termo familiar nas escolas; isto é, nenhuma significação dessa palavra comum a Deus e a elas pode ser distintamente compreendida”. Descartes não parece deixar dúvidas em relação ao que ele entende por substância, e já deixa neste artigo dois sentidos.
O primeiro sentido é o sentido absoluto, que é aquele que cabe a Deus. Pois, de acordo com esse sentido de substância, algo só pode ser substância se não tem necessidade de nada para existir, a não ser de si próprio, o que já indica fortemente que essa substância deve necessariamente dar a si própria o seu ser – o que indica a causa sui. Mas, além disso, nesta definição, inclui-se o poder de fazer com que as outras substâncias, no sentido fraco, possam existir, pois a substância que tem poder de existir por si própria, também é a que fará com que as outras substâncias existam. Então, é preciso entender a substância divina a partir de duas necessidades: para ser divina ela precisa a) existir por si própria e precisa b) fazer com que as outras substâncias existam a partir de seu concurso. Não se segue daí, todavia, que a substância divina, em sentido próprio, tenha a necessidade de produzir as outras substâncias, mas as outras substâncias precisarão do seu concurso para existir e, depois veremos, também para subsistir. É nestas condições que temos o sentido de substância: não apenas independência, mas também poder de criação de outras coisas que, só por doação serão substâncias inferiores.
E em relação às outras coisas, como fica a definição de substância? Ora, na própria definição da substância absoluta, as coisas passam a ser substâncias nos seguintes termos: as coisas são, por definição, criadas, na medida em que existem pelo concurso da substância divina. Pois elas não possuem pré-requisitos para sejam substâncias, como convém ao termo substância. Então, mesmo ainda no plano conceitual, já podemos dizer que elas recebem da substância divina as suas substancialidades. Essa é a maneira pela qual elas são substâncias. Por conseguinte, o ser substância das coisas, o meu ser substância, enquanto coisa que pensa, só pode acontecer por uma única via, que é por meio do ser da substância divina."
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Fonte:
ADRIANO ALBUQUERQUE GOMES: “A SUBSTÂNCIA DIVINA E A SUBJETIVIDADE EM DESCARTES”. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
As substâncias incriada e criada
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RENÉ DESCARTES,
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