O INFERNO
Para se ir ao inferno, fora preciso pagar uma taxa a Caronte (o barqueiro) para descer o rio Aqueronte; tanto este rio, quanto o barqueiro e Cérbero, que vai aparecer mais adiante, estão presentes no Canto VI da Eneida, o que indica a grande influência da Cultura Clássica na concepção da Commedia. O Inferno é dividido em nove semicírculos, como um anfiteatro, em cada estágio se encontram as pessoas que cometeram determinado pecado e sofrem uma pena condizente com a falta cometida. A essa lógica punição pecado, Dante chama de Contrapasso (Inf. XXVIII).
Sobre o Contrapasso, temos no Primeiro Círculo (Inf. IV), o nobre castelo onde filósofos e poetas estão isolados sem poder propagar suas idéias e obras. Que maior mal para um pensador que ter seu pensamento inacessível às pessoas? No Terceiro Círculo (Inf. VI) estão os que se entregaram à gula sendo continuamente fustigados por uma chuva podre e por Cérbero (o cão de três cabeças) e assim sucessivamente em cada canto da Commedia.
Ainda sobre as penalidades do Inferno, no Sétimo Círculo (dos violentos contra o próximo) temos a entrada guardada pelo Minotauro (Inf. XII), nele as almas estão imersas em um lago de sangue fervente, e caso a alma tente sair do lago, há um grupo de centauros prontos a atirarem-lhes flechas, fazendo-as cair novamente. É importante salientar que o que define se uma pessoa vai ou não ao Inferno, Paraíso, ou Purgatório, é um julgamento divino pautado na Ética de Aristóteles:
Non ti rimembra di quelle parole
con le quai la tua Etica pertratta
le tre disposizion che 'l ciel non vole,
incontenenza, malizia e la matta
bestialitade? e come incontenenza
men Dio offende e men biasimo accatta?
Não te lembras da forma clara e vera
pela qual tua Ética apresenta
os três pontos que o céu jamais tolera —
a incontinência, a astúcia, e inda a nojenta
bestialidade? E que à incontinência,
mais leve que é, pena mais leva assenta?
(Inf. XI, 7984)
Algo que é importante no estudo da Commedia, é que a mesma, segundo pensamos, é uma obra agregadora no sentido de que nela se percebe uma confluência de diversas correntes de pensamento harmonizadas pelo poeta. Um exemplo disto é o fato dele conseguir conciliar o pensamento escolástico com a filosofia de Averróis.
Além de Avicena, Averróis e Saladino, do mundo muçulmano aparecem referências a Maomé (Inf. XVIII) que está junto com o poeta Bertrand de Born no Círculo dos Heréticos pelo fato de terem causado separação no seio da Igreja. Eles têm por pena, as partes de seus corpo/alma continuamente sendo decepadas por um demônio que empunha uma afiada espada. Sobre a referência muçulmana há também no Inferno (Canto VIII) uma única cidade — Dite — onde as casas todas são em forma de mesquitas em chamas.
O Inferno, para Dante, fora formado a partir da queda de Lúcifer do Paraíso. E esta cratera que se formou na terra, teria impulsionado no lado oposto do planeta a formação de uma montanha: o Purgatório. Acrescente-se a isso o fato de que o Inferno fica no centro da terra, bem abaixo de Jerusalém, que se acreditava ser o centro do mundo (umbigo do mundo), como a cartografia cristã medieval sempre destaca.
Acrescentaríamos, ainda, para encerrar esta parte do Inferno, que Dante viu muitas atrocidades, uma delas é no último círculo onde está Lúcifer fustigando três pessoas: Brutus, Cássio e Judas. Sabe-se que isso ocorre porque Judas foi quem traiu Cristo (razão religiosa) e os outros traíram César (símbolo do poderio romano, que Dante queria fazer ressurgir unificando a Itália sob o comando do imperador Arrigo VII).
Destarte, é concedido ao Diabo o poder de atormentar as figuras que cometeram crimes inaceitáveis segundo a ótica do poeta: trair Cristo ou o Império. É, ainda, a partir do século XIV (quando é composta a Commedia) que a figura do Diabo começa a ocupar um espaço mais significativo tanto na cultura eclesiástica quanto no imaginário popular, como afirma Delumeau:
“Mas a partir do século XIV as coisas mudam, a atmosfera se torna pesada na Europa e essa contração do diabólico conseguida pela idade clássica das catedrais dá lugar a uma progressiva invasão demoníaca. A Divina Comédia (cujo autor morreu em 1321) marca simbolicamente a passagem de uma época e o momento a partir do qual uma consciência religiosa da elite ocidental deixa por um longo período de resistir à convulsão do satanismo. (...) Bem antes de Dante haviam circulado na Europa relatos fantásticos relativos aos tormentos do inferno”
Na Commedia se percebe uma relação muito curiosa que Dante faz entre a Filosofia Clássica e o Cristianismo; influenciado, é claro, pelo desejo corrente da época de provar pela razão a existência de Deus. Neste aspecto, Dante teve muita influência de Tomás de Aquino. Na composição do Inferno, o poeta bebeu muito da Bíblia, da Eneida, e do Miraj muçulmano 16 onde ocorrem viagens ao mundo dos mortos.
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Fonte:
GIBSON MONTEIRO DA ROCHA: “Dante mm percurso pela literatura brasileira”. Dissertação apresentada como requisito final para a obtenção do grau de Mestre em Letras, sob orientação do Prof. Dr. Lourival Holanda. Recife, fevereiro de 2007, pela Universidade São Paulo – USP.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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O "Inferno" de Dante
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