A DUPLA FUNÇÃO DA RELIGIÃO
A religião possui dupla
função: social e psicológica. A social dá-se como força constituinte da coesão
e do ordenamento social, enquanto que a psicológica está relacionada com as
carências emocionais e idealizações de indivíduos e grupos. Quando nos
referimos à função social, queremos significar que é vivenciada coletivamente,
através de crenças expressas, ritos visíveis, culto exterior, cerimônias
públicas. Ou seja, é construção humana que se manifesta coletivamente. É parte
integrante da sociedade que a influencia e é influenciada por ela.
A sociedade é fruto das
relações que se estabelecem entre os grupos humanos, que buscam sobreviver em
seu sentido imediato e histórico. É a partir da necessidade de sobrevivência
imediata e histórica que cerca a todos os seres humanos, que se constituem
universos de representações coletivas:
[...]
uma espécie de realidade em segundo nível que interpreta a realidade material,
a relação do homem com a natureza e as relações sociais, dando-lhes um
sentido. É este sentido que forma a base para os sistemas e práticas que
possibilitam a reprodução das relações, oferecendo assim, um modelo, ou quadro
de comportamento para os indivíduos ou grupos (HOUTART,1982, p.11).
Houtart (1982), ao trabalhar o
fenômeno religioso como uma “realidade em segundo nível que interpreta a
realidade material”, permite verificar a significação do religioso, presente
também na abordagem de Berger (1985), que é oferecer um modelo, ou quadro de
comportamento para a análise dos indivíduos e grupos. É necessário que todo o
indivíduo possua um referencial no qual possa se apoiar e estabelecer a lógica
de seus procedimentos e agir dentro dos espaços de interlocução que lhe são
facultados no interior do contexto por ele vivenciado. Neste sentido ele
necessita de um discurso que uma vez internalizado (1) lhe permita a construção
do referencial que para ele funcionará como guia e possibilitará a que possa situar-se
dentro dos parâmetros aceitos pela sociedade.
Os valores morais, éticos,
culturais, as regras e as normas presentes no universo social possuem esta
função, que permite aos indivíduos interagir e organizar seus padrões
comportamentais dentro do estabelecido, do permitido, do aceito e não aceito,
demonstrando também este aspecto a característica normativa do fenômeno
religioso em sua função social. A religião também é um instrumento que vem
atender a esta necessidade humana de circular nos espaços de interlocução e
estabelecer a conversação segundo Berger (1985). É esta conversação que se
instaura das mais diversas formas, rituais, culturais, simbólicas, etc., que
permite o contato com a realidade exterior, no sentido da construção de uma
estrutura plausível de mundo. Existe, também, a outra face do humano: a
interioridade, que, no dizer de Houtart (1982), é a realidade sendo positivada
a partir do processo de internalização considerando-se Camargo (1961) ou
interiorização se nos referenciamos em Berger (1985).
O fenômeno religioso
constitui-se como condicionado e condicionante da sociedade em sua dimensão
supra-estrutural. Condicionado por ser originário das relações sociais e
condicionante, na medida em que as representações religiosas, entendidas como o
conjunto de imagens, esquemas simbólicos e ideais veiculados, produzem
repertórios de ações coletivas que determinam padrões comportamentais, os quais
influirão no contexto social envolvente, uma vez que são os sistemas de
símbolos culturais que integram a sociedade, porque são como um “elo”, que
estabelece vínculos e padrões que permitem o existir no mundo objetiva e
subjetivamente. Elo este que percebido por Norbert Elias (1994) (2) o fez
afirmar: “o que une os indivíduos não é cimento”.
No campo teórico da sociologia
das religiões autores como Emile Durkheim, Max Weber, Peter Berger, François
Houtart, Otto Maduro e no contexto brasileiro autores como Candido Procópio
Ferreira de Camargo, Francisco C. Rolim, Antônio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi, apontam para a significação de um sistema de
símbolos como impulsionadores, como força motivacional para o agir humano sobre
o mundo, para a interação entre indivíduos e grupos e para organização interna
e externa dos homens em suas existências. Os símbolos religiosos e o sistema de
crenças permitem ao homem interagir com os outros e com o mundo que o circunda,
bem como organizar a si em sua realidade objetiva e subjetiva.
Considerando-se aspectos
preliminares, não parece possível pensar o crente e/ou o adepto da Igreja
Universal do Reino de Deus, distante das determinações da sociedade e da
necessidade da construção de um espaço de interlocução. A força motivacional de
sua conduta de adesão é a mesma que move os crentes e adeptos das demais religiões,
mas o que se constata ser diferenciado no contexto da Universal é a sua forma
de apresentar a fé cristã e construir um modelo de práticas que referenciam os
padrões comportamentais dos indivíduos e grupos que a ela aderem, os quais
acabam por construir suas subjetividades, a partir de um universo de
representações simbólico-religiosas que se regem pela acriticidade e
fragilidade diante do questionamento do real.
O universo de representações
simbólico-religiosas da Universal do Reino de Deus, aprova e ratifica os
padrões comportamentais aceitos pela sociedade e restringem a manutenção das
antigas condutas religiosas tradicionais (3) contrárias ao modelo
sócio-religioso. Neste sentido verifica-se uma forma de reorganização pela
prática discursiva adotada, das condutas dos indivíduos a partir de suas
subjetividades, na medida em que a realidade em segundo nível é reflexo da
internalização ou interiorização do mundo social, do mundo externo.
A Igreja Universal tem, de
alguma forma, conseguido realizar mudanças dos padrões comportamentais de seus
crentes e/ou adeptos, na medida em que, seguindo-se a ótica bergeriana,
trabalha em sua prática discursiva com a diminuição da tensão sempre existente
entre uma identidade social (exterior) e uma identidade apropriada pelos
indivíduos a partir do estabelecimento de vínculos para com a Igreja,
contribuindo, portanto, com a mudança das representações que indivíduos e grupo
fazem de si e de seu contexto vivenciado.
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Fonte:
Fonte:
MARIA CLARA RAMOS NERY: “A
TEODICÉIA DA IURD, A MUDANÇA DAS REPRESENTAÇÕES E PADRÕES COMPORTAMENTAIS DE
SEUS CRENTES E/OU DE ADEPTOS”. (Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia para obtenção do título de Mestre em Sociologia,
sob a orientação do Professor Dr. Enno Dagoberto Liedke Filho. UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA). Porto Alegre, 2001.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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