Deus enquanto causa primeira do mal




DEUS ENQUANTO CAUSA PRIMEIRA DO MAL

Deus é causa primeira do mal físico e do mal de pena, e, em ambos os casos, o mal é causado apenas acidentalmente. Porém, de modo algum, Deus pode ser causa do mal de culpa.

Como foi dito anteriormente, um dos modos pelos quais pode ocorrer uma deficiência no efeito é a causa ser deficiente, pois uma causa deficiente causará um efeito deficiente. Nesse caso, se fosse por esse motivo que Deus causa o mal físico, então deveria haver alguma deficiência em Deus. Ora, como Ele é a suma perfeição, não pode possuir deficiência alguma. Sendo assim, quando se afirma que Deus é causa do mal, não será nos moldes de uma causa deficiente, pois isso Deus não pode ser.

Nesse sentido, quando alguma criatura deficiente não consegue causar perfeitamente certo efeito, o motivo pelo qual falhou é porque ela mesmo possui uma deficiência. Embora Deus seja causa primeira do defeito do agente, a explicação daquilo que há de “falta de eficiência” na ação desse agente remonta unicamente a esse defeito do agente, e não a Deus. Em outras palavras, a falta de eficiência do agente não se dá porque falta eficiência em Deus, mas sim porque há uma deficiência no próprio agente. Assim, embora Deus seja a causa primeira do defeito que faz, por exemplo, a ação de um agente natural falhar, essa ação falha por causa desse defeito, isso é, porque há uma deficiência no agente que a pratica, e não em Deus. Portanto a causa pela qual falta eficiência na ação de um agente é uma deficiência. Esta deficiência, por sua vez, não pode estar em Deus, restando, por isso, que esteja no agente. A falha da ação de um agente deficiente, então, não remonta a Deus como à sua causa. Portanto, se for perguntado “o que há em Deus que explique a deficiência na ação?”, deve-se responder: Nada, somente há no agente.

Porém, mesmo uma ação deficiente mantém alguma eficiência, como já foi dito. Esse “resto de eficiência” não provém daquilo que há de defeito no agente, mas sim daquilo que nele é perfeito. Portanto, aquilo que há de eficiente na ação deficiente é um bem. Ora, se algo é um bem, só pode ser porque participa da bondade de Deus. Assim, o que explica a bondade e perfeição de algo é a participação na bondade e perfeição de Deus. Por isso, diferentemente da deficiência da ação, que se dá por uma deficiência que não está em Deus, mas sim no agente que a pratica, aquilo que resta de eficiência nessa ação se dá, em última instância, por ela participar da bondade e da perfeição de Deus. Assim, Santo Tomás afirma que “tudo o que há de realidade e de ato na má ação, reduz-se a Deus como à sua causa [primeira], mas o que nela é deficiente, não é causado por Deus, mas pela causa segunda deficiente”; ou seja, é porque há uma deficiência no agente, e não em Deus, que a ação é deficiente, mas é, em última instância, por participar da bondade divina que a ação é boa.

Com isto, vê-se que Deus, ao querer e causar o bem da ordem do universo, quer e causa, por acidente, o mal físico e o mal de pena, não porém a deficiência encontrada na ação. Mas o que dizer sobre o mal de culpa?

Em primeiro lugar, há de se notar que Deus não pode ser causa do mal de culpa. Anteriormente se mostrou que o mal de culpa é um afastamento da criatura em relação a Deus, é uma destruição da ordem criada por Ele. Ora, sendo que essa ordem é querida por Deus, isto é, sendo que Deus quer preservar a ordem do universo, não poderia ser Deus quem também destrói tal ordem. Além disso, sendo que o mal de culpa "contraria o ímpeto da divina vontade", e sendo que Deus não pode ser causa nem pode querer algo que contrarie aquilo que quer, então deve-se dizer que Deus não quer nem causa o mal de culpa, nem mesmo por acidente.


Além disso, se Deus não é causa do mal encontrado na ação, e se o mal de culpa é marcado justamente por um mal na ação voluntária, que é a privação da ordem que lhe seria devida, então Deus também não é causa desse mal. E isso foi explicado anteriormente, onde se detectou como sendo a origem do mal moral um certo defeito na vontade. Cabe lembrar que tal defeito não é um mal e nem diminui o caráter voluntário da má ação que dele decorre. Portanto, diferentemente do mal físico e do de pena, o mal de culpa não é causado nem querido por Deus, nem mesmo por acidente.

Mas, se Deus não quer por si nem quer por acidente o mal de culpa, qual pode ser sua posição frente a esse mal? Deus permite esse mal. Assim sendo, percebe-se que permitir não é o mesmo que querer por si ou querer por acidente. Por isso, deve-se explicar essa diferença.


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Fonte:
Napoleão Schoeller de Azevedo Júnior: O MAL NO UNIVERSO SEGUNDO SANTO TOMÁS DE AQUINO”. (Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em filosofia. ORIENTADOR: PROF. DR. FERNANDO PIO DE ALMEIDA FLECK. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA). Porto Alegre, 2007.

Notas:
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