A expansão colonial e
o Tratado de Tordesilhas
Durante
a Idade Média e início da Idade Moderna, a Igreja Católica era reconhecida na
Europa como a maior autoridade universal. Cabia ao Vaticano, portanto,
distribuir entre os príncipes católicos a missão cristianizadora a ser
desenvolvida em terras ocupadas por infiéis. Foi neste contexto que, em 1442,
D. Henrique obteve do papa Eugênio IV a bula Etsi suscepti, que lha dava
o direito de reter, administrar e legar as terras, portuguesas ou não,
que lhe fossem doadas, bem como as ilhas do mar Oceano. Em concordância com
essa autorização, coube à Ordem de Cristo propiciar o povoamento e a exploração
da Madeira, Porto Santos, Açores e Cabo Verde, futuros modelos iniciais de
colonização do Brasil, por meio do regime de capitanias hereditárias, da
cultura de cana de açúcar e da utilização do trabalho escravo.
Segundo o historiador
português Vitor Manuel Adrião,
O
período preparatório do Ciclo das Descobertas mar ítimas recua a muito antes do
Infante D. Henrique de Sagres. Já no tempo de D. Afonso Henriques, primeiro rei
de Portugal, arquitetava-se tamanho projeto (...). Com a extinção da Ordem do
Templo, em 1312, (...) m as que logo reaparece em 15 de março de 1319 (...)
como Ordem d e Cristo, o projeto de Expansão Marítima foi prosseguido quase que
sem nenhuma interrupção (...). Portanto, o Infante D. Henrique “apenas” deu
consecução a um projeto que já vinha de seus reais antepassados, aproveitando
todas as condições políticas favoráveis da época, ao mesmo tempo que, como
Governador Apostólico ou 8º Geral d a Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo,
herdeira direta e legítima de todos os valores espirituais e temporais da Ordem
dos Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Jerusalém, aplicou o tesouro
desta, mais que o da Coroa, na criação da Escola de Navegação que haveria de le
var Portugal a todos os cantos do Mundo (ADRIÃO, 2004, p.129-130).
O
alerta de Adrião quanto ao componente espiritual da expansão marítima contrasta
com a retórica predominante acerca das relações entre ordens religiosas, a
Igreja Católica e as monarquias europeias. Seguindo a abordagem deste autor
pode-se dizer que a propalada aliança entre o clero e nobreza esconde dentro de
si mistérios e crenças que vão além da mera apropriação de terras e excedentes
econômicos. O que importa aqui não é estar de acordo ou não com determinada
vertente religiosa e sim constatar o fato de que naquela época existiam pessoas
com convicção suficiente em suas crenças a ponto de se lançarem ao mar em busca
da sua comprovação.
De
fato, era antiga a lenda que circulava em Portugal acerca da existência de
ilhas na direção oeste. Assim, conforme aponta Castro (1994, p.21), “enquanto
os portugueses velejavam pela costa da África em busca do caminho marítimo para
as Índias, outros pioneiros devassavam as águas mal conhecidas do Atlântico
Norte”. De acordo com a autora, “Não é (...) de se estranhar que o próprio
Infante D. Henrique tivesse mandado exploradores ao Atlântico Norte, já que
admitia a hipótese da existência de um continente entre a Europa e a Ásia”
(CASTRO, 1994, p.20).
A
comprovação desta hipótese exigia, no entanto, expressivos investimentos e
cautela no trato das informações. O sigilo e a precaução lusitana se
verificavam “desde a proibição da venda de caravelas aos estrangeiros até a
divulgação de documentos e mapas, chegando mesmo a impedir o recrutamento de
pilotos portugueses” (Castro, 1994, p.22).
Tamanha
cautela fez com que os portugueses dispusessem de um arsenal de informações e
perícia técnica que lhes colocou em vantagem em relação aos espanhóis quando da
negociação do Tratado de Tordesilhas, em 1494. Alguns dos primeiros mapas
portugueses do início do século XVI mostram a linha de Tordesilhas colocando
dentro dos territórios lusitanos tanto a foz do Amazonas quanto a do Prata,
denotando o interesse de Portugal sobre estas duas regiões.
A
polêmica sobre a localização da linha estipulada em Tordesilhas se deveu em
primeiro lugar por não ter sido determinada qual da s ilhas do arquipélago de Cabo
Verde serviria de ponto de partida para contagem das 370 léguas acordadas no
Tratado. Também não ficou esclarecida qual seria a medida das léguas adotadas,
o que era uma questão importante na medida em que, à época, existiam diversas
formas de medi-las. Além disso, as próprias dimensões da Terra eram alvo de
controvérsias entre os cosmógrafos.
O
mapa a seguir permite contrapor as interpretações portuguesa e espanhola quanto
ao traçado de Tordesilhas. Nota-se que a quase totalidade do território atual do
Paraguai, inclusive sua capital Assunção, pertenceria aos portugueses na
interpretação que mais lhes favoreciam.
Diante
destas polêmicas a demarcação precisa do meridiano foi sucessivamente adiada
por diversos fatores e conveniências das duas metrópoles. A princípio pela
Espanha, que queria se apoderar das Molucas e Filipinas. Depois por Portugal,
que não desejava perder territórios brasileiros situados além da linha a ser
demarcada. Adicionalmente, a própria União Ibérica entre as duas coroas, em vigo
r de 1580 a 1640, acabou por reduzir a importância da questão durante este
período. No entanto, a controvérsia continuou presente nas relações entre as
metrópoles europeias e entre as nações que se proclamaram independentes no
início do século XIX. A ideia de separação assumia, dessa forma, um caráter de
tensão fronteiriça de longa duração entre Portugal e Espanha e, depois, entre
Brasil e Paraguai.
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Fonte:
Fonte:
MÁRCIO GIMENE DE
OLIVEIRA: “A FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI: PRINCIPAIS FATORES DE TENSÃO DO PERÍODO
COLONIAL AT É A ATUALIDADE”. (Dissertação de Mestrado submetida
ao Departamento d e Geografia da Universidade de Brasília, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Geografia, área de
concentração Gestão Ambiental e Territorial.
Orientadora: PROFª. DRª. MARÍLIA STEINBERGER). Brasília, 2008.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
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