A revolução
cubana, Fidel Castro e a busca de um projeto hegemônico
O Exército Rebelde liderado pelo comandante Fidel Castro chegou
a Havana no dia oito de janeiro de 1959. A sua marcha até a capital de Cuba se
inicia no dia três de janeiro. A demora em chegar ao seu destino, no entanto,
não se deveu à resistência da ditadura de Fulgêncio Batista; que havia fugido
da ilha às pressas com sua família na madrugada de 1º de janeiro, nem tão pouco
dos que o apoiavam e ficaram para negociar a derrota. A razão foi mais
inusitada: A marcha a Havana era interrompida por multidões que queriam
festejar a coluna e ver pessoalmente o líder Fidel Castro, o que dificultava o
seu avanço. O que comprova a popularidade do Exército Rebelde e de seu
comandante (C.f. Nuñez Jiménez, 1982).
Ora, o apoio popular ao Exército Rebelde era naquele momento
inquestionável. A rádio rebelde - que talvez tenha sido o principal instrumento
da guerrilha - era escutada em toda a ilha. A rádio noticiava a vitória da
guerrilha e a iminente chegada de Fidel Castro e da sua coluna a Havana. O
governo do ditador Batista, por sua vez, estava completamente desgastado. Havia
poucos setores da população que ainda o apoiavam em Cuba e é precisamente por
isso que a ditadura de Batista se desmoronou sem que houvesse qualquer combate
militar na capital do país. Na realidade, nem os Estados Unidos da América ou
qualquer outra nação demonstra qualquer resistência à queda do governo Batista
em 1959. No museo de la revolución em
Havana se pode verificar o modesto equipamento militar com que o Exército
Rebelde fez a revolução cubana de 1959. O que corrobora a tese de que o
Departamento de Estado dos Estados Unidos da América não avaliou que a queda da
ditadura de Batista pela revolução poderia ser uma ameaça relevante aos seus
interesses em Cuba, nem tampouco, a posterior ressonância da revolução em toda
América Latina e, muito menos, a possibilidade da ilha se tornar um aliado da
União Soviética em “seu próprio quintal”.
Os Estados Unidos da América não intervieram naquele momento
porque não acreditavam nas possibilidades da revolução cubana e do seu quase
desarmado Exército Rebelde vir a se tornar capaz de fazer resistência à sólida
política norte-americana na ilha. Ademais eles não viam o líder dos rebeldes,
Fidel Castro, como um radical de esquerda, por ele ser filho de grandes proprietários
rurais cubanos e por nunca ter, até então, se aproximado do partido comunista
cubano (antigo PSP) além de não manter quaisquer relações com a União Soviética
e, até por isso, os rebeldes contavam com pouco arsenal bélico durante a
guerrilha. O único partido ao qual Fidel Castro havia sido filiado era o
Partido Ortodoxo Cubano que era visto como um partido populista moderado como
tantos outros na América Latina. Desta forma a inteligência norte-americana
acreditava que com diplomacia tudo seria contornado e que não seria assim
necessária uma intervenção direta de Washington.
O PSP, Partido Socialista Popular, (sigla que o partido
comunista cubano passou a utilizar, segundo seus próprios militantes, devido ao
profundo sentimento anticomunista na ilha) não apoiou ao exército rebelde e sua
ofensiva insurrecional até 1958, prestes à queda de Fulgêncio Batista e somente
quando já havia uma convergência nacional junto à revolução. Nesse sentido,
Pérez-Stable (1993, p.124) afirma:
Sin embargo, los comunistas, al
igual que la oposición moderada, sólo alentaron la rebelión armada cuando
prácticamente no existian otras formas de enfrentamiento a Batista.
Acreditava-se então que a revolução cubana de 1959 era mais
um movimento com faceta populista-reformista e que, ao chegar ao poder seria
facilmente contornado ou subornado, assim como em tantos outros momentos em
Cuba e na América Latina. As rebeliões na América Latina e no Caribe eram
encaradas como pequenos “abalos de terra” que ocorriam sistematicamente em um
ponto ou outro na região, o governo norte-americano, utilizou a diplomacia
primeiramente, como lhe era de praxe, para conter esses movimentos “sísmicos”
tão comuns, contudo previsíveis e contornáveis.
O próprio suceder dos acontecimentos no início de 1959, com
a aprovação do Pacto de Caracas pela guerrilha dava a impressão que o governo
revolucionário seria moderado e integraria todos os grupos e movimentos que se
opunham a Batista. O Pacto de Caracas assinado em 20 de julho de 1958
estabeleceu como estratégia três pontos: o primeiro seria a unidade e luta para
derrocar a ditadura de Batista, o segundo criar um governo provisório e em
terceiro realizar um programa mínimo que garantisse castigo aos culpados,
restabelecesse a paz, a liberdade, o cumprimento dos compromissos
internacionais e o progresso econômico da nação.1 Conjuntamente com a
aprovação do Pacto de Caracas foi nomeado o moderado Manuel Urrutia a
presidente do Governo Provisório (que inclusive lhe deu amplos poderes para
escolher o Primeiro – Ministro e o restante do gabinete) o que levaram aos
Estados Unidos da América a acreditar que a revolução de 1959 não era mais que
uma convergência cívica contra a ditadura de Fulgêncio Batista. E devido a
essas proposições decidiu não intervir diretamente. Mesmo que o governo
norte-americano houvesse apoiado a ditadura de Batista, não encontrava
necessidade da permanência de um governo tão impopular. Contudo desde os
primeiros dias do Governo Provisório podia-se notar que Fidel Castro e o
Exército Rebelde não se contentariam com tão pouco como supunham os seus
futuros adversários. Fidel Castro não assume o poder que ele e o Exército
Rebelde conquistaram. Aceita todas as imposições do Pacto de Caracas, mas
mantém o poder militar e passa desde logo a articular uma nova etapa para a
revolução:
Fidel Castro não se sentia seguro
quanto à lealdade de seu movimento, particularmente
com relação ao setor que ele qualificava como a ala burguesa de direita. A
principal base de apoio político de Fidel era o Ejército Rebelde, cegamente
leal. Porém, o “Ejército Rebelde”, composto basicamente por camponeses em sua
maioria analfabetos, não poderia fornecer administradores em nenhum nível,
muito menos em nível ministerial. Por este motivo, Fidel Castro, desde as
primeiras semanas em Havana procurou estabelecer contatos e aproximar-se dos
comunistas do Partido Socialista Popular. (Máo Júnior, 2007, p. 322).
Desta forma a decisão de não participar e tampouco indicar
nomes de seus companheiros para o gabinete ministerial do governo provisório,
deixa em evidência que esse não era o governo em que Fidel Castro e o Movimento
26 de Julho apostavam. De fato, acreditamos que ele trabalhava a idéia de
construir uma alternativa ao governo de Manuel Urrutia, que não tinha apoio
popular, e preparava pacientemente a conjuntura ideal para uma sucessão de
poder. Desta forma o governo provisório foi visto apenas como mais uma etapa da
consolidação institucional, constitucional e diplomática do processo
revolucionário cubano. Enfim, os principais lideres revolucionários: Fidel
Castro, Ernesto Che Guevara, Raúl Castro entre outros, preparavam-se e, ao
mesmo tempo, construíam as condições necessárias para se estabelecer; de fato a
revolução que, para eles estava inacabada e, diferentemente do que pensava a
inteligência norte-americana, não se restringiria à queda da ditadura de
Fulgêncio Batista.
Sintonizado com o ponto de vista da historiografia comunista
próxima ao PSP cubano, Máo Júnior (2007), afiançado na posição de Carlos Rafael
Rodríguez (1983), que era um dos principais dirigente do PSP, a aproximação de
Fidel Castro ao PSP devia-se exclusivamente a um único fator: Fidel Castro não
tinha quadros para dar prosseguimento à revolução cubana. O que é
contraditório. Ora, por um lado havia um Exército exemplar na luta e que mesmo
sem o apoio do PSP e da União Soviética, conduziram à derrubada da ditadura de
Batista. Mas, ao mesmo tempo, esse exército formado por camponeses analfabetos
seria incapaz de assumir a dura vida burocrática ministerial. Já os quadros
urbanos do Movimento 26 de Julho seriam todos, segundo o autor, vistos por
Fidel Castro como a ala da burguesia de direita do movimento revolucionário2. Desta forma, para Máo
Júnior (2007), Fidel Castro necessitava de quadros preparados e foi à busca dos
militantes do PSP. Ora não há dúvida de que Fidel Castro tenha tido no Exército
Rebelde e em seus comandantes: Ernesto Che Guevara, Raúl Castro, Camilo
Cienfuegos entre outros, a principal base de apoio dentro do Movimento 26 de
Julho e da revolução. Ademais havia de fato a divergência interna dentro do
Movimento 26 de Julho: entre o Exército Rebelde da “Sierra Maestra” e os
setores urbanos, chamados de “Llano” (planície). Mas a partir daqui é preciso
ampliar a análise e não ficar preso a uma suposta falta de quadros.
O principal conflito dentro do Movimento 26 de Julho era
tático: guerrilha urbana ou rural; qual seria mais viável para a queda da
ditadura Batista. Porém como um todo o Movimento 26 de Julho era “fidelista”, e
essa liderança estava acima da disputa interna. Já o PSP foi, a princípio,
contra o movimento como um todo e condenava ambas opções: a do campo, que eles
acusavam de maoísta, e a urbana que eles viam como golpista. Segundo Máo Júnior
após o fracasso da greve de abril, em 1958, se acentuaram as divergências. E
diante destas divergências internas, “a
estrutura clandestina do PSP havia se tornado, aos olhos de Fidel, mais confiável do que o setor urbano do Movimento 26 de
Julho” (MÁO
JÚNIOR,
2007, p. 323).
Nessa afirmação de Máo Júnior (2007) há, evidentemente, uma
tentativa de legitimação histórica e política. Entretanto, o Movimento 26 de
Julho surgiu após o fracasso do assalto ao quartel Moncada, liderado por Fidel
Castro em 26 de julho de 1953; não seria pelo fracasso da greve geral 1958 que
os “Llanos” cairiam em desgraça na visão do líder. Divergências internas havia,
e o resultado da greve geral fortaleceu a tese da luta armada no interior de
Cuba como a melhor tática, e deu mostras a Fidel Castro de que era preciso
ampliar o apoio ao Movimento 26 de Julho nas grandes cidades. Mas isso não
significa que o PSP passava a ser tão ou mais importante que o setor urbano do
Movimento. Deve-se ressaltar que o PSP, fiel à orientação política do Partido
Comunista da União Soviética, acusou os integrantes do grupo que participaram
do assalto ao quartel Moncada, sob a liderança de Fidel Castro, de golpistas e
aventureiros, além de excluir de suas fileiras os militantes da Juventude
Comunista que haviam participado direta ou indiretamente da operação; entre
eles inclusive, estava Raúl Castro.
O PSP foi até o ano de 1958 um ferrenho adversário do
Movimento 26 de Julho como um todo, e não somente dos “Llanos”. Não era
admissível para um partido marxista-leninista ortodoxo aceitar um movimento que
não se definia ideologicamente e que era sustentado apenas na convergência
insurrecional contra uma ditadura. Além disso, o Movimento 26 de Julho teve
posições e militantes que eram adversários da hegemonia soviética como alguns
maoístas, trotskistas, nacionalistas etc. Fidel Castro, enquanto líder do
movimento foi o principal responsável pela recusa do debate ideológico e pela
proposta de convergência nacional. A posição de Fidel Castro tinha um objetivo
preciso: defender um movimento amplo e evitar que os conflitos ideológicos
pudessem causar fissuras internas e para isso se referenciava apenas em José
Martí e na tradição da luta nacional-independentista de Cuba. O que não quer
dizer que Fidel Castro não defendesse que taticamente a luta armada travada
pelo Exército Rebelde em Sierra Maestra era mais eficaz do que as ações nas
cidades; no entanto, não deixou de dar apoio aos “Llanos” e sempre cumpriu o
papel de líder para sedimentar o grupo. Outro ponto importante é que após a
morte de Frank Pais e do fracasso da greve geral em 1958 os “Llanos” haviam
reconhecido a hegemonia da Sierra na luta armada em Cuba e seus principais
líderes inclusive se tornaram combatentes e comandantes do Exército Rebelde;
aliás, não foram poucos os que acabaram mortos antes do triunfo da revolução.
No entanto a militância urbana do Movimento 26 de Julho, sobretudo em Santiago
de Cuba e Havana, mantinha a característica de ser composta em sua ampla
maioria de anticomunistas e anti-soviéticos e é por isso de fato que eram
considerados pelo PSP como a “ala burguesa” do Movimento 26 de Julho.
Fidel Castro, por sua vez, aproveitando o entusiasmo da
população cubana e o seu carisma de líder revolucionário, evitava bater-se com
quem poderia ser um futuro aliado. Portanto, a aproximação ao PSP e suas
organizações significaria atrair mais forças para uma nova etapa da revolução e
não obedeceria à necessidade de quadros bem preparados para compor um futuro
governo. Tampouco se deveria à desconfiança nos quadros urbanos do Movimento 26
de Julho, embora seja plausível acreditar que Fidel Castro entre outros lideres
de Sierra Maestra desconfiassem dos “Llanos”, isso certamente não significaria
que eles confiassem mais no PSP do que no setor urbano do Movimento 26 de
Julho. Enfim, o Exercito Rebelde controlava o interior de Cuba, mas precisava
de mais suporte em Havana e procurou o PSP entre outros grupos para consolidar
a revolução na capital da ilha.
Os principais líderes revolucionários sabiam que deviam
obter apoio de todos os setores à esquerda e de quem mais pudesse para a nova
fase da revolução. A única forma de poder da qual Fidel Castro acertadamente
não abriu mão naquele primeiro momento era o controle absoluto do Exército
Rebelde, que ao incorporar o Exército regular se tornara a maior força militar
da ilha. O PSP por sua vez tinha pretensões de ocupar cargos burocráticos no
futuro governo e isso não era um problema para os líderes revolucionários que
haviam desprezado os cargos ministeriais do Governo Provisório.
Nas grandes cidades e em especial em Havana, era impossível
evitar o choque ideológico entre o PSP e o Movimento 26 de Julho em meio à luta
revolucionária. Eles precisavam travar o debate ideológico e o fizeram com a
máxima energia possível, por meio de jornais, nas universidades, nos
sindicatos, entre outros fóruns que a vida urbana favorece. Os debates teóricos
entre os dois grupos eram muitos: a propósito do humanismo, do socialismo, do
futuro de Cuba, da alternativa de guerrilha, etc. Estes debates, em pouco
tempo, levaram os militantes do Movimento 26 de Julho e do PSP em Havana a
ressentimentos irreconciliáveis. Desta forma, no momento em que Fidel Castro
achou conveniente dialogar com o PSP, ele pôde, juntamente com Che Guevara e
Raúl Castro – este último, mesmo tendo sido expulso, não escondia sua admiração
pelo partido, por seus quadros e pela política do Kremlin – e outros
integrantes do Exército Rebelde, ignorar as mágoas do núcleo urbano do
movimento. O pragmatismo de Fidel Castro e do marxismo ortodoxo do partido
próximo a Moscou, foi o cimento para a consolidação da união entre esses
adversários históricos. No entanto, as principais lideranças do grupo urbano do
Movimento 26 de Julho como Carlos Franqui e Huber Matos entre outros nunca
aceitaram essa aliança.
Assim, desde o inicio do governo provisório de 1959 os
debates entre o Movimento 26 de Julho e o PSP estiveram no centro das lutas
internas em curso na revolução. O primeiro palco foi a reorganização sindical
da CTC - Central dos Trabalhadores Cubanos - que antes da revolução era
controlada pelo chamado grupo Mujalista, liderado por Eusébio Mujal, que
colaborou diretamente com a ditadura de Batista. Mujal, juntamente com a
maioria da direção do sindicato, foge da ilha com temor da justiça
revolucionária. Na reorganização da CTC, o Movimento 26 de Julho garantiu a
maioria da executiva, mas não conseguiu impedir a presença do PSP e até mesmo
de antigos colaboradores de Eusébio Mujal. A esse respeito, Pérez-Stable (1993,
p. 120) pondera que
Los
líderes
sindicales del Movimiento 26 de Julio tomaron el control del ejecutivo, el PSP
asumió muchas de las posiciones en la base y algunos dirigentes mujalistas
mantuvieron sus posiciones en diversas secciones locales. Sin embargo, los del
Movimiento 26 de Julio eran geralmente más jóvenes y menos experimentados que
el resto; también eran menos numerosos y no alcanzaban para cubrir todos los
puestos que quedaban, por lo tanto comunistas e mujalistas cubrieron ese vacío.
A principal meta da revolução era a desestruturação da
hierarquia mujalista, mas os embates entre o Movimento 26 de Julho e o PSP
acabaram por desfocar esse objetivo. A contradição era tão grande que ainda em
fevereiro de 1959, o Movimento 26 de Julho aliou-se aos quadros sindicais que
pertenciam ao Directorio Revolucionario
Estudiantil (DRE) na luta contra o PSP e o expulsaram do Comitê Executivo
da Central de Trabalhadores Cubanos (CTC). Mas, a experiência dos quadros do
PSP, a continuidade dos mujalistas e a impossibilidade numérica do Movimento 26
de Julho de cobrir toda a demanda na base mantêm a luta sindical acesa. A
disputa era sectária: o Movimento 26 de Julho pretendia eliminar a influência
do PSP no movimento sindical:
Desde
el momento en que Fidel Castro proclamo que la ideologia de la revolución no
era ni capitalista ni socialista, sino “humanista”, los dirigentes sindicales
del Movimento 26 de Julio se hicieron eco de esa declaración
(Pérez-Stable, 1993: 128)
Desse modo, Pérez-Stable (1993) esclarece que a facção mais
anticomunista do Movimento 26 de Julho formou a Frente Obrero Humanista (FOH).
Em contrapartida o PSP fazia duras criticas à direção da CTC por impedir as
greves e também por atender constantemente aos pedidos do governo e do
Ministério do Trabalho para negociar e evitar as greves. As divergências eram
tão declaradas que o jornal Revolución
ligado ao Movimento 26 de Julio desencadeou uma campanha contra o PSP, na qual
mostrava a história de colaboração do partido em vários governos passados em
Cuba, inclusive no primeiro governo de Fulgencio Batista no final dos anos 30 e
início dos anos 40. A autora ainda relata que no congresso da CTC, em maio de
1959, Fidel Castro pessoalmente pediu moderação a ambos os lados e
que: “De forma similar, insinuó que la
cooperación entre el Movimiento 26 de
Julio y el PSP era un elemento fundamental en la lucha contra los enemigos de
la revolución” (Pérez-Stable, 1993: 129). Contudo as partes não chegaram a um acordo, os ânimos e as acusações
eram intermináveis. Fidel Castro vinha concentrando cada vez mais o poder em
suas mãos e retorna ao congresso para demonstrar sua insatisfação com o
sectarismo:
Fue
entonces cuando Fidel regresó al congreso y reprendió a los delegados por su
comportamiento casi sedicioso; preguntó qué hubiera pasado si los delegados
hubieran estado armados y dijo que procedimentos semejantes socavaban la moral
de la clase obrera. Afirmó que él también tenía derecho a hablar en nombre del
Movimiento 26 de Julio, y que por eso pedía la unidad de los líderes de la CTC (Pérez-Stable,
1993, p. 129).
Mesmo com o apelo de Fidel Castro não houve um acordo amplo
e o máximo de costura política alcançado, mesmo com o empenho do próprio
Primeiro-Ministro da revolução, foi um comitê executivo sem os quadros do PSP e
os membros da facção radical Frente Obrero Humanista, contudo mantida a
hegemonia sindical do Movimento 26 de Julho. Os debates entre o PSP e o
Movimento 26 Julho continuaram até meados de 1960 quando a ilha se unifica na
luta nacionalista contra o imperialismo norte-americano, sem, contudo
desaparecer as contradições entre esses ferrenhos adversários. Estas lutas
intestinais descontentavam os principais líderes revolucionários Fidel Castro,
Ernesto Che Guevara e Raúl Castro entre outros, e levaram-nos a defender a
centralização do movimento social e a construção de um partido único em defesa
da revolução, como veremos mais adiante.
A pouco mais de um mês de governo provisório o
Primeiro-Ministro escolhido pelo presidente Manuel Urrutia, José Miró Cardona,
foi demitido. Na Constituição assinada às pressas no dia 7 de fevereiro de 1959
os poderes do cargo de Primeiro – Ministro haviam sido consideravelmente
ampliados. Não por coincidência no dia 13 de fevereiro desse mesmo ano, José
Miró Cardona caiu. Fidel Castro assume o poder imediatamente e o Presidente
Manuel Urrutia é posto em segundo plano. Desta forma Fidel Castro como líder do
Movimento 26 de Julho demonstrou porque não se impôs ao tratado de Caracas: ora
ele sabia esperar e novamente surpreendia. Após menos de dois meses o governo
já estava nas suas mãos o que demonstra que os comandantes do Exercito Rebelde
sabiam quem de fato detinha o poder na ilha.
O governo dos Estados Unidos da América já em 1959 passa a
perceber que as principais lideranças da Sierra: Fidel Castro, Ernesto Che
Guevara, Raúl Castro, entre outros, tinham um projeto político bem delineado, e
começaram as campanhas internacionais contra Cuba. As imagens dos fuzilamentos,
“los paredones” tornam-se o alvo de uma campanha internacional contra o governo
cubano. Em Cuba essas mesmas imagens tinham outro significado: eram chamadas
de: “Tribunales Revolucionarios”. Os tribunais eram públicos e eram inclusive
televisionados. A própria população era quem condenava ou não aos julgados. O
tema é controverso:
Ao
contrário do que era divulgado, as pessoas não eram pegas a esmo (....)
consistia
em estabelecer julgamentos públicos de elementos que comprovadamente haviam
cometido crimes em larga escala contra a população. Ao se estabelecer os
“Tribunais Revolucionários” com seus televisionados julgamentos públicos, a
revolução evitou que os populares procedessem a desordenados atos de vingança
que poderiam resultar em verdadeiros assassinatos em massa. Partindo do
principio de que se o Estado não administrasse a justiça, o povo a faria com as
próprias mãos, a justiça revolucionária, na verdade, impediu um verdadeiro
derramamento de sangue (Mao Junior, 2007, p. 324- 325).
Não é de se estranhar que após uma revolução a população
exija vingança contra os que cometeram crimes no regime passado. O Estado e o
Governo Provisório não tinham como ignorar essa exigência de justiça. Mas a
afirmação de que o governo revolucionário não intervinha diretamente nos
julgamentos públicos tem sido muito discutida pela historiografia sobre a
revolução cubana. De fato, há um julgamento público em que ficou notória a
intervenção oficial: foi o julgamento de pilotos da antiga força aérea cubana.
Pérez-Stable relata que “Pocos protestaron cuando, por órdenes de Fidel Castro,
unos pilotos de la fueza aérea, que habían quedado absueltos de los crímenes de
guerra que se les imputaban, volvieron a ser juzgados y, esta vez, condenados”
(1993, p. 118).
Como podemos perceber, o prestigio de Fidel Castro
interferiu diretamente no resultado. Naquele momento a ampla maioria da
população cubana queria que se fizesse justiça aos anos de ditadura e aos
crimes cometidos por Batista e pedia que condenassem a morte seus principais
colaboradores. Sobre isso, Carlos Franqui (1981, p.36) testemunha:
Os
crimes e as torturas cometidos pelo regime de Batista foram inumeráveis. Mas
incluíam a experiência da revolução frustrada de 1930, que traumatizou a nação.
Os criminosos do regime de Machado nunca foram levados a julgamento: eles
matavam pessoas, com Batista de 1934 a 1939, e novamente com Batista, de 1952 a
1958. O fato de a justiça nunca ter sido feita acarretou um desejo de vingança.
(...) Fidel convocou o povo ao Palácio
Nacional. Lá ele perguntou à multidão – inaugurando um estilo que
posteriormente chamaria de democracia direta – se achavam que os criminosos de
guerra deveriam ser fuzilados. “Ponham eles contra a parede!”, alguns gritaram.
Então, um “Sim!” colossal ressoou em resposta à pergunta de Fidel. Uma pesquisa
nacional, feita confidencialmente, indicou que 93% dos entrevistados
concordavam com as sentenças e as execuções. Eu também concordava.
Dessa forma, o governo cubano, agora chefiado por Fidel
Castro, deu à maioria da população cubana a possibilidade de fazer a justiça
que ela almejava. Mas o governo não deixou de utilizar esses mecanismos também
para eliminar adversários, como foi o caso dos pilotos das Forças Aéreas da
ditadura de Batista. É importante não esquecer que embora a revolução tivesse o
apoio da ampla maioria dos cubanos, ainda havia opositores, sobretudo nas
serras do Escambray.
[...]
---
Fonte:
Fonte:
RICKLEY LEANDRO MARQUES: "A CONDIÇÃO MARIEL:
memórias subterrâneas da experiência revolucionária cubana - 1959-1990". (Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em História da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos para a obtenção
do título de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Jaime de Almeida). Brasília-
DF, 2009.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site DOMINIO PUBLICO
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