A SEDUÇÃO DO PLIM-PLIM


 
A sedução do plim-plim

Falar em televisão no Brasil é falar sobre a Rede Globo. É incontestável que o poder de agendamento dessa emissora de televisão suplanta o de outros meios de comunicação brasileiros. Primeiro, devido à audiência alcançada pela emissora: a Globo domina o cenário mediático brasileiro, à frente de todas outras emissoras, que se portam como figurantes. Segundo, por causa da importância do Jornal Nacional, o mais influente, assistido e tradicional telejornal do país, que desde 1969, quando estreou, ocupa lugar de destaque no horário nobre da emissora.

Em 2004, os dez programas da televisão aberta mais assistidos em todo o país pertenciam à grade de programação da Globo, segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). O Jornal Nacional foi o sétimo programa mais visto em 2004, atrás apenas de três novelas, do reality show BBB4 e de campeonatos de futebol transmitidos pela Globo (CASTRO, 2005).

Os números comprovam a forte interferência da Globo na cultura do Brasil criando um “jeito global” de ser brasileiro: as músicas mais famosas e as celebridades mediáticas são sempre as que aparecem na emissora, que se porta como uma fábrica de hábitos e costumes. Até as transmissões ao vivo de partidas de futebol, que como as novelas e a televisão têm o status de paixão nacional, são frequentemente submetidas a critérios de horário e audiência da grade de programação da Globo. O mesmo ocorre com outros eventos esportivos cujos direitos de transmissão são exclusivos da emissora, como corridas de Fórmula 1, Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas etc. Sobre essa posição central da emissora na vida pública brasileira, Bucci e Kehl afirmam que

“A Globo reluz no epicentro da constelação. A Globo reordenou e atualizou o mito nacional. Ela é o molde do que significa fazer televisão no país. Reina absoluta, ou quase. Do alto de seu reinado, ditou os padrões, ou melhor, ditou o seu famoso ‘padrão de qualidade’” (2004: 228)

Atualmente, o sinal da Rede Globo cobre 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros, o que corresponde a uma audiência média diária de 170 milhões de brasileiros. Trata-se de uma abrangência altíssima e muito significativa para o cenário brasileiro, principalmente se for comparada à quantidade de municípios do país que contam com serviços públicos básicos, como rede de esgoto. Um estudo divulgado em março de 2004 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que 60% da população brasileira não têm acesso à rede de esgoto, o equivalente a cerca de 102 milhões de habitantes.

Nem a região Sudeste, a mais bem servida em infraestrutura em todo o território nacional, alcança, no quesito saneamento básico, um índice equivalente ao da cobertura do sinal da Rede Globo: nessa parte do Brasil, somente 73,6% da população desfrutam dos benefícios de uma rede coletora de esgoto.

Ocupando o posto de quarta maior rede privada de televisão do mundo – superada apenas pelas americanas CBS, ABC e NBC - a Rede Globo compreende 118 emissoras de televisão, incluindo geradoras (estações transmissoras de programas) e afiliadas (estações locais ou regionais independentes, que formam uma cadeia ao se juntar a outras para transmitir programas comuns). A programação da Globo também é assistida por cerca de 150 milhões de telespectadores no exterior.

A legitimidade da Globo aparentemente está relacionada à grande audiência conquistada pela emissora ao longo de sua história. A programação da rede detém 74% de share de audiência no horário nobre, 56% no matutino, 59% no vespertino e 69% no noturno, conforme dados disponibilizados pela própria empresa mediática.

Daniel Filho (2001) relaciona o sucesso de audiência protagonizado pela Rede Globo à eficácia da programação diária em atrair o telespectador, o que transforma a emissora em parte constituinte do cotidiano de cada brasileiro:

“A grade da Globo é algo que vem fazendo sucesso há mais tempo do que tem de duração, ou teve, qualquer outra emissora no Brasil. Faz parte hoje da vida, do cotidiano, dos hábitos das pessoas. Já imaginou que transtorno para muita gente deste país afora se uma noite dessas o Jornal Nacional deixasse de entrar na telinha?” (DANIEL FILHO, 2001:348)

Somam-se a esse fator apresentado por Daniel Filho a qualidade do sinal da emissora, que garante imagens nítidas e estáveis mesmo nos locais mais distantes dos centros de difusão, e o alto nível de produção dos programas, que contam com os melhores atores e cenários. A Globo sempre procura manter em seu casting os melhores e mais famosos atores e apresentadores, que muitas vezes são provenientes de outras emissoras, onde alavancaram audiência e representavam perigo para a hegemonia global.

O desempenho da Rede Globo em termos de audiência já foi maior que o registrado atualmente. Segundo Daniel Filho (2001), na década de 80, a participação constante da audiência ou share era de 70%. Algumas novelas, como Roque Santeiro (1985), atingiram picos de mais de 90% de participação. O autor atribui ao surgimento de novos canais concorrentes, com programação diversificada e atraente, e ao aparecimento da televisão por assinatura a responsabilidade pela queda da audiência da Globo, que detém hoje uma média de 50% da audiência do horário nobre. Acrescenta-se a esses fatores o progresso de outros meios de comunicação, como a internet, que atraíram não somente o público da Rede Globo, mas da mídia televisiva como um todo desde meados da década de 90 (CASTRO, 2004:18).

Os recordes de audiência garantem à Globo a maior participação no mercado de publicidade. Interessados em mostrar seus produtos em um veículo com audiência garantida, os anunciantes preferem a Globo, que abocanha 75% do total de verbas publicitárias destinadas à mídia televisiva. Embora tenha amargado um fenômeno de perda de audiência desencadeado a partir dos últimos anos da década de 90, a Globo ainda é o veículo da mídia brasileira que mais atrai a publicidade, seja qual for o horário da programação.

O investimento em telenovelas empreendido pela Globo ainda repercute positivamente nos elevados índices de audiência, apesar de algumas produções não alcançarem sucesso de público. Com um elenco fixo de profissionais consagrados, a emissora exibe quatro novelas diárias, tradicionalmente classificadas pelo horário em que são inseridas dentro da programação: a das seis, que explora temas históricos e românticos; a das sete, com temática atual e cômica, direcionada ao público mais jovem; a das oito, que explora temas sociais e adultos, e a Malhação, veiculada no final da tarde, com nome único desde que foi criada, direcionada particularmente a adolescentes. Além das quatro novelas, a Globo reprisa às tardes um sucesso da dramaturgia de um dos três horários noturnos que foi ao ar há alguns anos.

As novelas são produtos de exportação da emissora. As campeãs de audiência em países da Europa e até na Ásia são Escrava Isaura, Sinhá-Moça, A Próxima Vítima, Renascer e O Rei do Gado. Essa vocação pela dramaturgia garante à Globo o status de

“... emissora que sabe fazer novelas, que propicia ao telespectador usufruir produtos com acabamento técnico de Primeiro Mundo, modernos, que por vezes se parecem com filmes americanos. Preenche, assim, a demanda da audiência por excelência tecnológica, reforçando, ademais, a sensação de se possuir, no país, um padrão imbatível no trato com esse tipo de material ficcional.” (BORELLI & PRIOLLI, 2000:30-31)

A Globo emprega oito mil funcionários e mais quatro mil profissionais responsáveis pela criação de seus programas. Ela ocupa o posto de maior produtora do mundo de programas próprios. A infra-estrutura para realizar tanta coisa é gigantesca. Em 1997, foi inaugurado a CGP (Central Globo de Produção), um complexo de 1,3 milhão de metros quadrados localizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Dessa área, 150 mil metros quadrados fazem parte do Projac, que abriga estúdios e cidades cenográficas das novelas e espaço para o acervo da Globo.

As Organizações Globo consolidaram-se como o maior grupo de multimídia brasileiro (CASTRO, 2004). O escritor Antonio Callado afirma que “as Organizações Globo são, sem dúvida, um império dentro da República do Brasil.” (STYCER & CONTREIRAS, 1994: 95)

A Globopar, braço financeiro do grupo multimídia, constitui o holding que detém a posse majoritária das demais empresas, como jornais (os cariocas O Globo e Extra e os paulistanos Diário de São Paulo e Valor Econômico, este último em parceria com o Grupo Folha); revistas (publicações da Editora Globo, como é o caso de Época); canais de TV por assinatura (controle total da Globosat e participações nas operadoras Net e Sky); redes de rádio (CBN, que controla cinco geradoras e 16 afiliadas, e Rádio Globo, com 15 emissoras); editora e gráfica para a produção literária e de fascículo diversos; mercado fonográfico (Som Livre), de vídeo e de DVDs; cinema (Globo Filmes); portal na Internet (www.globo.com); além da produção de reality shows e game shows. As Organizações Globo, por meio da Globopar, centraliza o controle sobre todas essas empresas responsáveis pela produção de bens mediáticos, cada qual a seu modo.

Na primeira metade dos anos 90, a Globopar fez altos investimentos em TV paga, novas tecnologias mediáticas e telecomunicações, que não emplacaram em audiência como a Rede Globo e não geraram o lucro esperado. Por isso, as Organizações Globo enfrentam atualmente uma crise financeira e tem uma dívida cujo valor em agosto de 2003 atingia mais de 1,3 bilhão de dólares (CASTRO, 2003).

A crise enfrentada pela Globo é comum a toda a mídia brasileira, que contraiu dívidas em dólares em uma época de estabilidade cambial e crescimento da economia, característicos dos primeiros anos do Plano Real, a fim de investir em inovação tecnológica e confluência de mídias, TV por assinatura, telefonia e internet. Em 2004, a Globo e todo o setor pleiteiam empréstimos junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para pagar os  credores. A concessão de empréstimos pelo BNDES depende de decisão da presidência da República, o que cria um cenário propício para barganhas políticas com a mídia, a fim de tornar os meios de comunicação subservientes ao poder político em troca de ajuda financeira para driblar a crise que assusta o setor. A espera da mídia por empréstimos do BNDES e a posição de credor ocupada pelo governo federal fez com que autores como Lima e Caparelli (2004) e Miguel (In: Rubim, 2004) supusessem a possibilidade de atrelamento dos interesses financeiros da mídia ao governo federal, enviesando os enquadramentos mediáticos dos fatos noticiados.


---
Fonte:
 
Karenine Miracelly Rocha da Cunha: “AGORA É LULA: ENQUADRAMENTOS DO GOVERNO DO PT PELO JORNAL NACIONAL”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Área de Concentração em Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp/Campus de Bauru, como requisito à obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob a orientação do Professor Dr. Murilo Cesar Soares). Bauru, 2005.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!