A sedução do plim-plim
Em 2004, os dez programas da
televisão aberta mais assistidos em todo o país pertenciam à grade de
programação da Globo, segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope
(Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). O Jornal Nacional
foi o sétimo programa mais visto em 2004, atrás apenas de três novelas, do reality
show BBB4 e de campeonatos de futebol transmitidos pela Globo
(CASTRO, 2005).
Os números
comprovam a forte interferência da Globo na cultura do Brasil criando um
“jeito global” de ser brasileiro: as músicas mais famosas e as celebridades
mediáticas são sempre as que aparecem na emissora, que se porta como uma
fábrica de hábitos e costumes. Até as transmissões ao vivo de partidas de
futebol, que como as novelas e a televisão têm o status de paixão
nacional, são frequentemente submetidas a critérios de horário e audiência da
grade de programação da Globo. O mesmo ocorre com outros eventos
esportivos cujos direitos de transmissão são exclusivos da emissora, como
corridas de Fórmula 1, Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas etc. Sobre essa
posição central da emissora na vida pública brasileira, Bucci e Kehl afirmam
que
“A
Globo reluz no epicentro da constelação. A Globo reordenou e atualizou o mito
nacional. Ela é o molde do que significa fazer televisão no país. Reina
absoluta, ou quase. Do alto de seu reinado, ditou os padrões, ou melhor, ditou
o seu famoso ‘padrão de qualidade’” (2004: 228)
Atualmente, o sinal da Rede Globo
cobre 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros, o que corresponde a uma
audiência média diária de 170 milhões de brasileiros. Trata-se de uma abrangência
altíssima e muito significativa para o cenário brasileiro, principalmente se
for comparada à quantidade de municípios do país que contam com serviços
públicos básicos, como rede de esgoto. Um estudo divulgado em março de 2004
pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que 60% da
população brasileira não têm acesso à rede de esgoto, o equivalente a cerca de
102 milhões de habitantes.
Nem a região Sudeste, a mais bem
servida em infraestrutura em todo o território nacional, alcança, no quesito
saneamento básico, um índice equivalente ao da cobertura do sinal da Rede
Globo: nessa parte do Brasil, somente 73,6% da população desfrutam dos
benefícios de uma rede coletora de esgoto.
Ocupando o posto de quarta maior
rede privada de televisão do mundo – superada apenas pelas americanas CBS, ABC
e NBC - a Rede Globo compreende 118 emissoras de televisão, incluindo
geradoras (estações transmissoras de programas) e afiliadas (estações locais ou
regionais independentes, que formam uma cadeia ao se juntar a outras para
transmitir programas comuns). A
programação da Globo também é assistida por cerca de 150 milhões de telespectadores
no exterior.
A legitimidade da Globo
aparentemente está relacionada à grande audiência conquistada pela emissora ao
longo de sua história. A programação da rede detém 74% de share de audiência no horário nobre, 56% no matutino, 59% no vespertino e 69% no
noturno, conforme dados disponibilizados pela própria empresa mediática.
Daniel Filho (2001) relaciona o
sucesso de audiência protagonizado pela Rede Globo à eficácia da
programação diária em atrair o telespectador, o que transforma a emissora em
parte constituinte do cotidiano de cada brasileiro:
“A
grade da Globo é algo que vem fazendo sucesso há mais tempo do que tem de
duração, ou teve, qualquer outra emissora no Brasil. Faz parte hoje da vida, do
cotidiano, dos hábitos das pessoas. Já imaginou que transtorno para muita gente
deste país afora se uma noite dessas o Jornal
Nacional deixasse de entrar na telinha?” (DANIEL
FILHO, 2001:348)
Somam-se a esse fator apresentado
por Daniel Filho a qualidade do sinal da emissora, que garante imagens nítidas
e estáveis mesmo nos locais mais distantes dos centros de difusão, e o alto
nível de produção dos programas, que contam com os melhores atores e cenários.
A Globo sempre procura manter em seu casting os melhores e mais
famosos atores e apresentadores, que muitas vezes são provenientes de outras
emissoras, onde alavancaram audiência e representavam perigo para a hegemonia
global.
O desempenho da Rede Globo em
termos de audiência já foi maior que o registrado atualmente. Segundo Daniel
Filho (2001), na década de 80, a participação constante da audiência ou share
era de 70%. Algumas novelas, como Roque Santeiro (1985), atingiram picos
de mais de 90% de participação. O autor atribui ao surgimento de novos canais
concorrentes, com programação diversificada e atraente, e ao aparecimento da
televisão por assinatura a responsabilidade pela queda da audiência da Globo,
que detém hoje uma média de 50% da audiência do horário nobre. Acrescenta-se a
esses fatores o progresso de outros meios de comunicação, como a internet, que
atraíram não somente o público da Rede Globo, mas da mídia televisiva
como um todo desde meados da década de 90 (CASTRO, 2004:18).
Os recordes de audiência garantem à Globo
a maior participação no mercado de publicidade. Interessados em mostrar seus
produtos em um veículo com audiência garantida, os anunciantes preferem a Globo,
que abocanha 75% do total de verbas publicitárias destinadas à mídia
televisiva. Embora tenha amargado um fenômeno de perda de audiência
desencadeado a partir dos últimos anos da década de 90, a Globo ainda é
o veículo da mídia brasileira que mais atrai a publicidade, seja qual for o
horário da programação.
O investimento em telenovelas
empreendido pela Globo ainda repercute positivamente nos elevados
índices de audiência, apesar de algumas produções não alcançarem sucesso de
público. Com um elenco fixo de profissionais consagrados, a emissora exibe
quatro novelas diárias,
tradicionalmente classificadas pelo horário em que são inseridas dentro da
programação: a das seis, que explora temas históricos e românticos; a das sete,
com temática atual e cômica, direcionada ao público mais jovem; a das oito, que
explora temas sociais e adultos, e a Malhação, veiculada no final da
tarde, com nome único desde que foi criada, direcionada particularmente a adolescentes.
Além das quatro novelas, a Globo reprisa às tardes um sucesso da
dramaturgia de um dos três horários noturnos que foi ao ar há alguns anos.
As novelas são produtos de
exportação da emissora. As campeãs de audiência em países da Europa e até na
Ásia são Escrava Isaura, Sinhá-Moça, A Próxima Vítima, Renascer
e O Rei do Gado. Essa vocação pela dramaturgia garante à Globo o
status de
“...
emissora que sabe fazer novelas, que propicia ao telespectador usufruir
produtos com acabamento técnico de Primeiro Mundo, modernos, que por vezes se
parecem com filmes americanos. Preenche, assim, a demanda da audiência por
excelência tecnológica, reforçando, ademais, a sensação de se possuir, no país,
um padrão imbatível no trato com esse tipo de material ficcional.” (BORELLI
& PRIOLLI, 2000:30-31)
A Globo emprega oito mil
funcionários e mais quatro mil profissionais responsáveis pela criação de seus
programas. Ela ocupa o posto de maior produtora do mundo de programas próprios.
A infra-estrutura para realizar tanta coisa é gigantesca. Em 1997, foi
inaugurado a CGP (Central Globo de Produção), um complexo de 1,3 milhão de
metros quadrados localizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Dessa área, 150
mil metros quadrados fazem parte do Projac, que abriga estúdios e cidades
cenográficas das novelas e espaço para o acervo da Globo.
As Organizações
Globo consolidaram-se como o maior grupo de multimídia brasileiro (CASTRO,
2004). O escritor Antonio Callado afirma que “as Organizações Globo são, sem
dúvida, um império dentro da República do Brasil.” (STYCER &
CONTREIRAS, 1994: 95)
A Globopar,
braço financeiro do grupo multimídia, constitui o holding que detém a posse
majoritária das demais empresas, como jornais (os cariocas O Globo e Extra
e os paulistanos Diário de São Paulo e Valor Econômico, este
último em parceria com o Grupo Folha); revistas (publicações da Editora
Globo, como é o caso de Época); canais de TV por assinatura (controle
total da Globosat e participações nas operadoras Net e Sky); redes de rádio (CBN,
que controla cinco geradoras e 16 afiliadas, e Rádio Globo, com 15
emissoras); editora e gráfica para a produção literária e de fascículo
diversos; mercado fonográfico (Som Livre), de vídeo e de DVDs; cinema (Globo
Filmes); portal na Internet (www.globo.com); além da produção de reality
shows e game shows. As Organizações Globo, por meio da Globopar,
centraliza o controle sobre todas essas empresas responsáveis pela produção de
bens mediáticos, cada qual a seu modo.
Na primeira metade dos anos 90, a
Globopar fez altos investimentos em TV paga, novas tecnologias mediáticas e
telecomunicações, que não emplacaram em audiência como a Rede Globo e
não geraram o lucro esperado. Por isso, as Organizações Globo enfrentam
atualmente uma crise financeira e tem uma dívida cujo valor em agosto de
2003 atingia mais de 1,3 bilhão de dólares (CASTRO, 2003).
A crise
enfrentada pela Globo é comum a toda a mídia brasileira, que contraiu
dívidas em dólares em uma época de estabilidade cambial e crescimento da
economia, característicos dos primeiros anos do Plano Real, a fim de investir
em inovação tecnológica e confluência de mídias, TV por assinatura, telefonia e
internet. Em 2004, a Globo e todo o setor pleiteiam empréstimos junto ao
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para pagar os credores. A concessão de empréstimos pelo
BNDES depende de decisão da presidência da República, o que cria um cenário
propício para barganhas políticas com a mídia, a fim de tornar os meios de
comunicação subservientes ao poder político em troca de ajuda financeira para
driblar a crise que assusta o setor. A espera da mídia por empréstimos do BNDES
e a posição de credor ocupada pelo governo federal fez com que autores como
Lima e Caparelli (2004) e Miguel (In: Rubim, 2004) supusessem a possibilidade
de atrelamento dos interesses financeiros da mídia ao governo federal,
enviesando os enquadramentos mediáticos dos fatos noticiados.
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Fonte:
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Fonte:
Karenine
Miracelly Rocha da Cunha: “AGORA É LULA: ENQUADRAMENTOS DO GOVERNO DO PT PELO JORNAL
NACIONAL”. (Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Área de
Concentração em Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação da Unesp/Campus de Bauru, como requisito à obtenção do título de
Mestre em Comunicação, sob a orientação do Professor Dr. Murilo Cesar Soares). Bauru,
2005.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
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