A atitude abstrativa
do consciente que, perseguindo seu ideal, faz de cada evento uma experiência e
transforma as experiências em lei desemboca em certa limitação e empobrecimento,
características do introvertido. Schiller experimentou isso claramente em sua
relação com Goethe; percebeu a natureza mais extrovertida de Goethe como algo objetivamente
oposto a ele. (Jung)
O romance O Ateneu, de Raul
Pompéia, foi publicado em 1888 em folhetim na Gazeta de Notícias, no Rio de
Janeiro.
Para Ártico (1983, p.22-23), “O
Ateneu é um romance autobiográfico: Sérgio não é Pompéia, embora possamos
considerá-lo seu porta-voz. A crítica social é muito clara. O primeiro a
denunciá-la foi o jornal Gazeta de Notícias”. Para alguns críticos, o seguinte anúncio,
que apareceu por ocasião do início da publicação de O Ateneu, seria do
próprio Raul Pompéia.
O Atheneu (Chronica de Saudades)
Por estes
dias – provavelmente no próximo domingo, 8 de abril – começaremos a publicar o
romance d’este título,escripto para a Gazeta de Notícias por um dos nossos
jovens escriptores, de mais lucida intelligencia, mais esmerado cultivo de
espirito, Raul Pompeia. O romance é vasado em moldes inteiramente modernos, sem
intriga, de pura observação e fina critica, passando pelas escabrosidades com a
delicadeza e o fino tacto de um artista de raça, accentuando os ridiculos com a
nitidez de uma photographia. Trata-se das memorias do tempo que passou em um
internato
moderno,
escriptas por um rapaz em pleno desenvolvimento de sua razão, e de posse de
conhecimentos que lhe permitem vêr o bojo vasio da falsa sciencia pedagogica.
As suas primeiras impressões, elle as dá tal qual as recebeu, com todo o brilho
de lantejoulas da exterioridade apparatosa das réclames de um pedagogo
industrial: mas, logo em seguida, o chronista faz a critica do que viu e
sentiu, do que lhe ensinaram e de como lh’o ensinaram. Não ha no livro
propriamente personagens reaes, copiados in totum de um modelo unico; mas não
ha factos inventados, nem scenarios da phantasia.
Araripe
Junior (1966, p. 169) relata que “Raul Pompéia deixou penetrar na esfera da sua
atividade psíquica um raio de pessimismo”.
A criança,
como disse um filósofo, é o pai do homem. Raul Pompéia recordou-se de que no
colégio, vira, um esboço, todas as maldades, vícios e defeitos que tumultuavam
na sociedade por ele agora diretamente observada, e desta surpresa nasceu O
Ateneu.
Araripe Junior ainda relata que em O
Ateneu “encontra-se a alma do romancista amalgamada com as impurezas do
meio em que viveu, mas nunca identificada com esse meio, ao contrário, sempre
sofrendo do seu contato, sendo por ele hostilizado, de outras vezes ameaçado de
assimilação, torturado, rebelde, nunca convencido” (p. 170).
Raul
[...]
expressava as suas ideias tanto
sobre o caráter do homem como sobre a constituição da sociedade de uma maneira
sobreaguda e mortificante. Ele enlouquecia na análise dos fenômenos psíquicos,
quérulo, dia a dia, hora a hora, entre o fato e a forma exata que o devia
revestir; virava-se pelo avesso como o pólipo, e mostrava o aparelho interno
funcionando a descoberto; e tudo isso comunicava-se ao Sérgio do Ateneu,
que, em última análise, era um exemplo palpitante da luta pela vida do caráter
e pela autonomia de uma formidável mentalidade (p. 170).
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Divisão Estrutural
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Protagonista
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- Sérgio
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Outros Personagens
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- Sanches
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- Bento Alves
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- Rebelo
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- Egbert
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- Franco
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- Dona Ema
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- Professor Cláudio
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- Aristarco (Diretor do Colégio)
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- Angela
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Tempo de Duração
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- dois anos (tempo em que Sérgio
passa
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no colégio: dos 11 aos 13 anos de
idade)
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Espaço
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- a escola em regime de internato
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Foco Narrativo
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- em primeira pessoa (Sérgio narra
a história)
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narrador autodiegético
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O romance O Ateneu apresenta-se dividido em 12 capítulos. Para efeitos didáticos, ao invés da descrição de cada um dos doze capítulos, optamos por dividi-los em quatro partes.
Na primeira
parte inserimos apenas o capítulo 1 – (p. 11 a 21), que mostra a apresentação
do Colégio Ateneu por fora e o ingresso de Sérgio no estabelecimento.
Sérgio, aos 11 anos vai para o
internato Ateneu, cujo diretor é o famoso Dr. Aristarco Argolo de Ramos, de
conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte do Brasil. Dr. Aristarco
enchia o império com o seu renome de pedagogo. Ao ser apresentado a D. Ema - esposa do Dr. Aristarco -, ficamos sabendo
que Sérgio é uma figura pequenina, que aparenta ter seis anos, tem os cabelos
compridos e louros, como se fosse um anjinho.
O internato
era frequentado pelos filhos das melhores famílias do país, e Aristarco gostava
de dizer que o seu colégio era apenas maior que o lar doméstico.
Chega agora
o momento de Sérgio definir a sua individualidade e é levado pelo pai para
ingressar no estabelecimento. Sérgio chega a ficar feliz com a novidade, pois
distanciando-se da família, acredita poder se comportar como um homem.
Sérgio sai
do macrocosmo do mundo, para ingressar em um microcosmo que é o internato.
Para tal,
como pede o diretor da escola, Sérgio terá de cortar os cachinhos do cabelo,
que ele mantinha por um capricho amoroso de sua mãe. Aristarco, o diretor diz:
"...os meninos bonitos não provam bem no meu colégio...” (p.20).
D. Ema, a esposa do diretor, chega
na hora em que estão conversando sobre os cabelos de Sérgio. Ela diz ao menino:
"Corte e ofereça à mamãe,...é a infância que ali fica, nos cabelos
louros... Depois, os filhos nada mais têm para as mães" (p.20).
Na segunda
parte estão compreendidos os capítulos 2 ao 7 (p. 22 a 97) e engloba o primeiro
ano de Sérgio no internato.
Sérgio vai
narrar seu primeiro ano de internato, e já vai perceber o microcosmo que é este
espaço em que vive. Nessa fase já lhe bate uma profunda e incontrolável
tristeza. Conhece os companheiros de classe, aproximadamente vinte, uma grande
variedade de tipos. Descobre que no internato tem de se fazer forte, pois os
fracos perdem-se. Porém Sérgio fraquejou, e teve como seu primeiro protetor, o
menino Sanches. Mais tarde Sérgio teria uma
'repugnância de gosma' (p.38) por Sanches. É na figura de Sanches que
Sérgio se confrontará o pecado.
O livro de notas era para os alunos
um mistério e causava nas crianças um grande terror.
Sérgio
descobre a religião, mas descarta-a logo, pois a define como sendo de uma
insuportável melancolia: morte certa, hora incerta, inferno para sempre, juízo
rigoroso; nada mais negro! Acaba por demitir sua padroeira, Santa Rosália.
Aproximou-se de Bento Alves e
estimou-o femininamente, por ser grande, forte, bravo e por respeitá-lo.
Sérgio já
começa a sentir o tédio, e o descreve como a grande enfermidade da escola, o
tédio corruptor que tanto pode ser gerado da monotonia do trabalho como da
ociosidade.
Bento Alves começa a se distanciar
dele e ele se sente solitário.
Esse grupo
de capítulos se encerra com a conferência do Prof. Claúdio, refletindo sobre a
arte.
A terceira
parte, que compreende os capítulos do 8 ao 11 (p.98 a 139), refere-se ao
segundo ano de Sérgio no internato.
Sérgio
começará a observar outros aspectos do Ateneu, sem aquela sedução do que é novo
e o verá, a partir de então, como sendo um cárcere privado, murado de desejos e
privações. Percebe que a amizade no internato não é uma aproximação franca dos
amigos, mas sim uma incerteza do mal-estar. Mas mesmo assim ele conheceu a
amizade, conheceu Egbert, de quem foi amigo, a quem adorava e achava perfeito.
Liam um em companhia do outro e em
suas leituras reviviam o idílio instintivo e puro de Paulo e Virgínia de
Bernardin de Saint-Pierre.
Na quarta
parte encontra-se o capítulo 12 (p.140 a 150), e ali presenciamos a destruição
do Ateneu pelo fogo.
Sérgio sente-se bem ao lado de D.
Ema. Quando ficava doente ela cuidava dele e bastava sua presença para
reanimá-lo no leito. Ela tinha para com ele um carinho de enfermeira e de mãe.
Ele, por sua vez, tinha uma desesperada necessidade da companhia da boa
senhora. E reflete, comparando seu sentimento com o que sentia pela mãe:
"Não! eu não amara nunca assim a minha mãe" (p.143).
Sérgio
sentia-se triste quando ia sarando de uma doença, pois perderia o grande
contato com D. Ema.
Sua mãe estava
na Europa e era como se não vivesse mais para ele. Mas ele não sentia sua
falta, não pensava nela.
Era no
pequeno aposento da enfermaria que Sérgio vivia o seu mundo. O seu passado eram
as lembranças do dia anterior, um especial afago de Ema, a espera dela para que
ele dormisse.
Ema achava
Sérgio pequenino. Pegava-o no colo, agitava-o contra o seio como um
recém-nascido, inundava-o de amor. Mas tudo acabou com um fim brusco de mau
romance.
Acabou também o colégio.
O colégio
Ateneu, que durante dois anos tinha abrigado Sérgio, como a um presidiário,
ardia em chamas. O Ateneu estava devastado, Aristarco estava com seu trabalho
perdido.
A narrativa de O Ateneu se
faz 'depois' de completada a ação narrada, isto é, o tempo da narração não
coincide com o tempo da ação. Daí, o subtítulo: “Crônica de Saudades”,
que soa relativamente irônico, pois como o próprio narrador explica, ele se
lembra “com saudade hipócrita, dos felizes tempos” (p.11).
Na verdade, nessa “Crônica de
Saudades”, Sérgio busca na maturidade uma autocompreensão da infância.
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Fonte:
ANA MARIA DE SENZI MORAES PINTO: “"A
construção do romance moderno de adolescência em Raul Pompéia e em Robert Musil
– em busca de uma leitura didática”. (Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e
Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Estudos Literários. Linha de pesquisa: Análises da
Narrativa. Orientadora: Profa. Dra. Karin Volobuef). Araraquara – SP, 2010.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
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