ONCEITO ONTOLÓGICO DE EDMUND MEZGER











Conceito ontológico de Edmund Mezger

Edmund Mezger publicou em 1931, ainda professor da Universidade de Marburgo, a 1ª edição do Tratado de Direito Penal. Já como sucessor de seu mestre Ernst von Beling na Universidade de Munique, publicou em 1933 a 2ª edição, traduzida para diversos países, entre eles Itália e Espanha.

No seu Tratado adota uma postura que segundo Heleno Cláudio Fragoso consiste na assunção de “compromisso entre a teoria naturalística e a normativa”. Isso porque, ao passo em que afirma que “o conceito de ação, num sistema de Direito Penal,

um conceito-valor”, “coloca, ao início do sistema um conceito descritivo, livre de valoração, „natural‟”. Para Mezger o conceito de ação natural é o ponto de partida para o sistema. Daí porque o conceito de ação neste autor seja ontológico.
Todavia, o próprio Heleno Fragoso lança a crítica quanto à “incongruência de Mezger”, que inclusive afirma ser assinalada por vários autores, quando em seu

Compêndio (Grundriss), publicado em 1938 estabelece “que a origem da ação jaz no mundo dos valores e das considerações finalistas, criando, assim, um conceito final de ação”, em citação do próprio Mezger, Fragoso, mostra a mudança de paradigma do natural para o valorativo ao esclarecer que “a problemática do conceito da ação se  resolve com o fato de que o direito positivo não se edifica sôbre um conceito natural de ação, senão que toma como ponto de partida uma conduta valorada”.

O fato é que Muñoz Conde encontra explicação para estas mudanças de posição de Mezger na sua adequação política ao nacional-socialismo, deixando claro o jurista espanhol que seu Tratado e trabalhos anteriores tinham “natureza fundamentalmente dogmática”, mas, “a partir de 1933 não só seguiu sendo um penalista famoso, mas também se converteu no penalista mais destacado do regime nacional-socialista que dominou a Alemanha de 1933 a 1945”, tendo sido, entre outras promoções e honrarias, nomeado membro da Comissão de Reforma de Direito Penal em outubro de 1933 e Chanceler do Reich de Adolf Hitler em 30 de janeiro de 1935.

As novas tendências paralelas ao pensamento e atitudes políticas no âmbito do Direito Penal por parte de Mezger, que já pela pena de Hanz Welzel se apresentavam à dogmática penal na Alemanha na década de 1930 com pretendida neutralidade política, baseada na existência de um conceito ontológico de ação humana imune às influências políticas e ideológicas, foi rechaçado, de primeiro plano por Edmund Mezger, que manteve a estrutura dogmática causalista de sua teoria. Mas, na exposição de Muñoz Conde, vários dos conceitos da teoria finalista de Welzel serviam muito mais aos anseios políticos do nacional-socialismo que o causlismo de Mezger, razão pela qual procurou adaptar estas, naquilo que politicamente interessava, às suas concepções anteriores:

Idéias como as do “Direito Penal da vontade”, a substituição do Direito Penal do resultado por um Direito Penal do perigo e do conceito de bem jurídico pelo de quebra do dever, e a aplicação da mesma pena para a tentativa e o delito consumado (um dos desejos mais ferventes de Hitler), que eram os princípios fundamentais que caracterizavam o Direito Penal nacional-socialista, encontravam sem dúvida mais apoio na teoria final da ação e na subjetivização do conceito de injusto de WELZEL, que na concepção causal preponderantemente objetiva do injusto que MEZGER mantinha em seu Tratado. Mas também é certo que na época nacional-socialista, MEZGER, com grande ductibilidade e habilidade, viu com simpatia estas novas tendências, procurando adaptar suas concepções anteriores às mesmas.

O fato é que as discussões que se seguiram à queda do regime nazista tiveram motivação política também, na visão de Muñoz Conde. Expõe o jurista espanhol que Mezger foi preso em outubro de 1945 por algumas semanas, afastado de sua cátedra e classificado pela Comissão de Depuração como colaborador de “segunda categoria” do regime nazista. Assim, como forma de afastar o perigo de bancarrota intelectual de sua teoria, à qual havia dedicado cinqüenta anos, e como manobra inteligente para desviar a atenção sobre seu passado recente, Mezger escreveu em 1950 a monografia “Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik”, que criticava a teoria final da ação de Welzel, respondendo-o pela primeira vez. Não é demais observar que Welzel chama Mezger de causal-naturalista e, ao que parece, o incomodava.

Assim, é que na Alemanha do pós-guerra, como de resto em todos os países em que se verifica a influência do pensamento dogmático-jurídico-penal alemão, como é o caso do Brasil, estebeleceu-se uma polêmica entre os causalistas e os finalistas.

Interessante observar que do ponto de vista ideológico a orientação de Welzel era de construção de um sistema de delito neutro do ponto de vista político, o que só foi, convenientemente, aderido por Mezger após sua atuação eficiente de suporte para o regime nacional-socialista, do ponto de vista do fundamento filosófico da conduta humana, Mezger e Welzel adotam um conceito ontológico de conduta humana como um ato dirigido a um fim, porém, do sob o aspecto teórico-dogmático, Mezger entende que o conteúdo da finalidade deva ser objeto de valoração na culpabilidade, ao passo que Welzel a valora no estrato da tipicidade.

inegável que a teoria de Welzel prevaleceu, porquanto na prática diversos tipos penais previam a finalidade como parte dos elementos típicos, em consonância à teoria finalista, e fez com que Mezger tivesse que abrir exceções em sua teoria para incluir alguns “elementos subjetivos do injusto”, mas que não passavam de exceções, porquanto sua concepção continuava causal, mas, como ele mesmo o dizia também valorativa, “mesmo que baseada em normas objetivas de valoração e não nas normas de determinação que fundamentam o juízo da culpabilidade”, esta sim subjetiva.


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Fonte:

Antonio Eduardo Ramires Santoro: “A CONDUTA HUMANA PUNÍVEL”. (Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Filosofia. Orientador:  Fernando  Augusto  da  Rocha Rodrigues). Rio de Janeiro, 2010.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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