Lombroso e o Espiritismo

Por um “acaso” desses que um bom darwinista poderia explicar ((rs)), deparei-me com um periódico religioso, intitulado “Revista Internacional de Espiritismo”, publicado no mês de fevereiro de 2009, ANO LXXXIV, Nº 01. Estando a folheá-lo indiscretamente fiz achar a seção “Ponto de Vista”, que, nesta edição, tinha o título:“Lombroso e o Espiritismo”, de autoria de Eliseu Mota Júnior. Causou-me arrepios, mas não pensem que foram os espíritos! ((rs))

O que me chamou a atenção foi o destaque que o autor concedia ao médico italiano Cesare Lombroso, autor, entre outros, do livro “O Homem Delinquente”. Lombroso também foi o criador da teoria da criminalidade inata e da disciplina denominada antropologia criminal.

Vejamos alguns trechos do referido periódico espírita:

"Com efeito, valendo-se da frenologia, parcialmente inspirado pelo evolucionismo darwiniano do final do Século XIX e depois de examinar exaustivamente inúmeros crânios de infratores vivos e mortos, em busca de alguma relação entre a formação craniana dessas pessoas e seus crimes, Lombroso inicialmente classi¬ficou os criminosos em natos, epiléticos, passionais, insanos e ocasionais, além dos matóides, alcoólatras e histéricos.

De todas essas categorias, a mais polémica é a do criminoso nato que, segundo Lombroso, seria atávico por degeneração, com deformações e anomalias anatómicas, fisiológicas e psíquicas. Desse modo, por causa do atavismo, que é a presença hereditária de certos caracteres físicos ou psíquicos de ascendentes remotos em descendentes atuais, esse tipo de pessoa já nasce delinquente, fato que implica na aceitação do determinismo penal, verdadeiro dogma para os positivistas, com exclusão do livre-arbítrio, que é sustentado pêlos clássicos.

Mais tarde, influenciado pêlos citados estudos de Ferri e Garofalo, e depois de inabalavelmente convencido da realidade dos fenómenos espíritas, sobretudo após o seu encontro com a médium Eusápia Paladino, quando assistiu estupefato à materialização do Espírito da sua própria mãe, Lombroso teve de curvar-se à inexorabilidade do livre-arbítrio na base do móvel das ações humanas, inclusive as criminosas” (p .4).

Bem. Nada vou dizer sobre a exótica experiência espírita de Lombroso. Minha atenção volta-se para o próprio Lombroso em si, e de como um racista no sentido mais exato do termo, mereceu destaque numa publicação religiosa, e, detalhe: em pleno século XXI. E, ninguém melhor do que Stephen Jay Gould, para falar acerca deste ideólogo, o qual até criou um método para "distinguir" “criminosos” por seus traços anatômicos:
"A teoria de Lombroso não foi apenas uma vaga afirmação do caráter hereditário do crime — tese bastante comum em sua época — mas também uma teoria evolucionista específica, baseada em dados antropométricos. Os criminosos são tipos atávicos, do ponto de vista da evolução, que perduram entre nós. Em nossa hereditariedade jazem germes em estado letárgico, provenientes de um passado ancestral. Em alguns indivíduos desafortunados, esse passado volta à vida. Essas pessoas se vêem levadas, devido à sua constituição inata, a se comportar como um macaco ou um selvagem normais, mas esse comportamento é considerado criminoso por nossa sociedade civilizada.

Felizmente, podemos identificar os criminosos natos porque seu caráter simiesco se traduz por determinados sinais anatômicos. Seu atavismo é tanto físico quanto mental, mas os sinais físicos, ou estigmas, como os chamaria Lombroso, são decisivos. A conduta criminosa também pode surgir nos homens normais, mas reconhecemos o "criminoso nato" por sua anatomia. De fato, a anatomia identifica-se com o destino, e os criminosos natos não podem escapar a essa mancha hereditária: "Somos comandados por leis silenciosas que nunca deixam de atuar e que regem a sociedade com mais autoridade que as leis inscritas em nossos códigos. O crime... parece ser um fenómeno natural" (Lombroso, 1887, p. 667).

Para que o argumento de Lombroso ficasse completo, não bastava reconhecer a presença de traços atávicos simiescos nos criminosos pois essas características físicas simiescas só poderiam explicar o comportamento bárbaro de um homem se os selvagens e os animais inferiores tivessem uma inclinação natural para a criminalidade. Se alguns homens parecem macacos, mas os macacos são bons, o argumento é falho. Assim, Lombroso devotou a primeira parte de sua obra mais importante (O homem criminoso, publicada em 1876) ao que podemos considerar a mais ridícula incursão ao antropomorfismo jamais publicada: uma análise do comportamento criminoso dos animais.

Cita, por exemplo, o caso de uma formiga cuja fúria assassina levou-a a matar e esquertejar um pulgão; o de uma cegonha adúltera que assassinou o marido com a ajuda do amante; o de castores que se associaram para matar um congénere solitário; e o de uma formiga-macho que, sem acesso às fêmeas, violentou uma operária com órgãos atrofiados, provocando-lhe a morte em meio a dores atrozes; chega mesmo a afirmar que, quando o inseto come determinadas plantas, sua conduta "equivale a um crime" (Lombroso, 1887, pp. 1-18).

Então, Lombroso dá o seguinte passo lógico: compara os criminosos com os grupos "inferiores". "Eu compararia", escreveu um de seus seguidores franceses, "o criminoso com um selvagem que, por atavismo, surgisse na sociedade moderna; podemos achar que nasceu criminoso porque nasceu selvagem" (Bordier, 1879, p. 284). Lombroso aventurou-se pelo terreno da etnologia para identificar a criminalidade como um comportamento normal entre os povos inferiores. Escreveu um pequeno tratado sobre os dinka do Alto Nilo. Nele, referiu-se às profusão de tatuagens que esse povo faz no corpo, e ao seu alto grau de resistência à dor — na puberdade, quebram os incisivos com um martelo. Sua anatomia normal exibia uma série de estigmas simiescos: "seu nariz... não só é achatado mas também trilobado como o dos macacos".

Seu colega G. Tarde afirmou que alguns criminosos "teriam sido a aristocracia moral e o orgulho de uma tribo de peles-vermelhas" (in Ellis, 1910, p. 254). Havelock Ellis destacou o fato de que, com frequência, os criminosos e os indivíduos pertencentes a grupos inferiores não sabem o que é enrubescer. "A impossibilidade de enrubescer sempre foi considerada um traço concomitante do crime e da falta de vergonha. Os idiotas e os selvagens raramente enrubescem. Os espanhóis costumavam declarar o seguinte a respeito dos índios sul-americanos: 'Como confiar em homens que não sabem enrubescer?'" (1910, p. 138). E o que ganharam os inças por terem confiados nos espanhóis?

Lombroso engendrou praticamente todos os seus argumentos de forma a torná-los imunes à contestação; portanto, do ponto de vista científico, eram todos inócuos. Embora mencionasse abundantes dados numéricos para conferir um ar de objetividade à sua obra, esta continuou sendo tão vulnerável que até mesmo os membros da escola de Broca se opuseram à sua teoria do atavismo. Toda vez que Lombroso topava com um fato que não se enquadrava nessa teoria, recorria a algum tipo de acrobacia mental que lhe permitisse incorporá-lo ao seu sistema.

Esta atitude fica muito evidente no caso de suas teses a respeito da depravação dos povos inferiores pois, repetidas vezes, viu-se à frente de relatos que falavam do valor e da capacidade daqueles a quem pretendia denegrir. Ele distorceu todos esses relatos para que se adaptassem ao seu sistema. Se, por exemplo, tinha de aceitar um traço favorável, associava-o a outros que pudesse depreciar. Citando a autoridade um tanto distante de Tácito, concluiu o seguinte: "Ainda que a honra, a castidade e a piedade possam existir entre os selvagens, a impulsividade e a indolência são características sempre presentes entre eles. Os selvagens têm horror ao trabalho contínuo, de forma que somente a seleção ou a escravatura conseguem forçá-los ao trabalho metódico e ativo" (1911, p. 367).

Vejamos o elogio que, de má vontade, faz da raça, inferior e criminosa, dos ciganos:
”São vaidosos, como todos ss delinquentes, mas não têm medo ou vergonha. Tudo o que ganham é gasto com bebidas e ornamentos. Podem andar descalços, mas suas roupas são sempre de cores vivas ou enfeitadas com fitas; podem não usar meias, mas ostentam sapatos amarelos. São tão pouco previdentes quanto o selvagem ou o criminoso... Devoram carne quase podre. São dados a orgias, encanta-lhes o barulho, e fazem grande alarido nos mercado. Matam a sangue frio para roubar, e já se suspeitou que praticassem o canibalismo... É preciso observar que esta raça, moralmente tão baixa e tão incapaz de qualquer desenvolvimento cultural e intelectual, uma raça que nunca conseguiu se dedicar de forma contínua a nenhuma indústria, e cuja poesia jamais superou a lírica mais elementar, criou na Hungria uma arte musical maravilhosa: mais uma prova de que, no criminoso, podemos encontrar a genialidade mesclada ao atavismo (1911, p. 40)”.

Fonte:
Stephen Jay Gould: “A Falsa Medida do Homem”, Editora Martins Fontes, p. 122-125.


Embora pessoalmente mantenho meu respeito por toda forma de crença, não posso concordar que homens como Lombroso mereçam destaque positivo seja religiosa ou filosoficamente. Sim, devemos nos lembrar dele, mas não com o intuito de fazer qualquer tipo de encômios às suas ideologias perversas. Do contrário, o pensamento religioso ou filosófico não passa de mera alienação. E que grande alienação!

Em tempo:
Um fenômeno curioso que tenho notado é a tendência de darwinistas aderirem ao espiritismo. Por quê? Seria apenas pelo fato de Allan Kardec ter se utilizado da filosofia evolucionista para construir sua filosofia espiritualista?

Interessante que neste mesma edição da revista supracitada, há outro artigo intitulado “Criacionismo ou Evolucionismo?” em que se lê:

"Aceitamos a teoria da evolução das espécies proposta por Darwin, por ser um raciocínio muito bem elaborado em observações e experiências” [...] “Aceitamos apenas um ponto sob a ótica criacionista, de que tudo foi criado por Deus, portanto, o Espiritismo não é extremista” [...] Portanto a posição espírita frente à temática é um Doutrina Evolucionista DEÍSTA” (p. 10).

É isso!


3 comentários:

  1. Caramba eu trabalhava na rua Cesare Lombroso e nem imaginava quem fosse ele e que ia ficar surpreendida por seus pensamentos! rsrs Na verdade acho que só se pode associar um criminoso a um ser digamos irracional porque os animais como agem por instinto, mesmo sendo bons quando se sentem ameaçados agridem mesmo. E há criminosos que justificam-se exatamente assim. Mas não significa que um ser bárbaro (segundo conceitos de uma classe dominante) possa ser criminoso, pois os criminosos frios mesmo, não são como os ciganos, eles sabem exatamente o que estão fazendo e em geral são muito inteligentes e estrategistas, perante a sociedade são muito civilizados.

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    1. Pois e é exatamente o que tb o homem faz, não sendo ele que um animal mais "evoluido".

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  2. As teorias esdruxulas de Lombroso, realmente não merecem "destaque positivo religioso ou filosófico", realmente. Mas a transformação de um materialista, num homem que incontestavelmente reconheceu a doutrina espírita, isso sim, penso que merece destaque!

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