O darwinismo no Brasil

O texto a seguir, foi extraído do livro “Polemos: Uma análise crítica do darwinismo , de José Osvaldo de Meira Penna, publicado pela Editora da Universidade de Brasília, e que aborda a questão da influência das idéias de Darwin no solo brasileiro. O texto faz uma associação entre o Humanitismo da personagem Quincas Borba, do romancista brasileiro Machado de Assis, e o darwinismo, do naturalista inglês Charles Darwin. Interessante!

“Miguel Reale, em A filosofia na obra de Machado de Assis, e Gilberto de Mello Kujawski, apoiando o mesmo ponto de vista, sustentam que nosso maior romancista foi, também, o único que teve uma intuição filosófica verdadeiramente maravilhosa, correta e profunda do pensamento de Darwin. Barreto Filho já propusera, em 1947, a tese de que o "Humanitismo" de Machado constitui uma sátira ao naturalismo evolucionista, mas salientava sobretudo que é uma sátira "ao positivismo que se infiltrava no Brasil" - sem mencionar o darwinismo.

O enredo de Quincas Borba pode ser interpretado como abordando um exemplo clamoroso de luta pela vida, no caso sob a forma de seleção sexual. A crueldade da sorte que destrói Rubião é refletida na fina interpretação psicológica de uma neurose depressiva ou de uma paranóia e me pergunto se, porventura, não tenha Machado de Assis, nessa obra publicada em 1891, sido influenciado pelas notícias que começavam a circular, nos meios cultos da Europa, sobre a recente loucura de Nietzsche - Nietzsche, um filósofo que, em forma aberrante, era por muitos considerado o expoente máximo das ideias de Darwin no modelo do super-homem.

E em
Memórias póstumas de Brás Cubas (capítulo CXVII) que Machado apresenta a figura de Quincas Borba e de sua filosofia inventada, que chamou "Humanitismo". Miguel Reale notou perfeitamente que o Humanitismo nada tem a ver com a filosofia de Augusto Comte, a não ser no sentido de debicá-la. No lema "ao vencedor, as batatas" concentra-se, ironicamente, toda a brutalidade da strugglefor lifedarwiniana.

É uma noção que também descobrimos em Nietzsche. A
Wille ZurMacht comporta o conflito sob suas formas inexoráveis de concorrência profissional, de luta económica, de seleção sexual na sociedade burguesa, de guerra e criminalidade num drama existencial em que uns vencem e recebem as batatas, ao passo que muitos são vencidos, humilhados e vexados de si mesmos. Machado é sarcástico, é cético e pessimista, porém não cruel. EmThree sad races (Cambridge UP, 1983) o professor David Haberly, da Universidade da Virgínia, acredita que Machado tenha desejado descrever o mau uso que do darwinismo faria a classe dominante brasileira, de cor branca, para justificar sua superioridade e seus preconceitos.

Para nosso grande romancista, com efeito, não é verdade que a vida consista numa concorrência inexorável em que uns são eliminados e outros, os mais bem-adaptados, levam os proveitos.
A vida não tem vencedores. O génio literário de Machado procurou despertar em nós um sentimento crítico quanto ao absurdo da teoria do Humanitismo de Quincas Borba e, ao correr da leitura do romance, sentimos crescer um sentimento de profunda compaixão pela sorte de Rubião, muito embora o suposto relator pareça concordar com o cinismo da fórmula de Quincas Borba. Identifícamo-nos finalmente, sem querer, com a angústia do abandono, da loucura e da morte do anti-herói. Machado não seria, em suma, nietzscheano, mas schopenhaueriano. É a compaixão o nosso único recurso contra a miséria existencial da humana conditio.

O processo de seleção espartana, em parceria com o de seleção sexual, pode com certeza ser deduzido da observação da natureza, especialmente nos grupos de macacos superiores. Na hierarquia animal, o domínio do grupo pelo macho mais forte constitui, em si mesmo, um sistema de distinta desigualdade. O animal dominante é mais livre em seus movimentos, come melhor, vive mais tempo, goza de melhor saúde e dispõe de melhores e mais numerosas oportunidade de conjugação sexual.

De certo modo, dispõe também de maior segurança, pois são os jovens machos inferiores, expulsos para a periferia do grupo, os primeiros a enfrentar os ataques de serpentes venenosas e carnívoros predatórios. A observação cuidadosa dos primatas demonstra que o mais forte é, psicologicamente, mais equilibrado. O indivíduo hegemónico é, em suma, feliz! A elite dominante é uma elite satisfeita e reprodutora - uma constatação brutal da ciência que nada tem a ver com nossas belas ilusões filantrópicas, igualitaristas, democráticas e solidárias, pois o que prevalece na natureza é o egoísmo mesmo, o egoísmo feroz, a injustiça. Na natureza, não há dúvida, ao vencedor cabem as batatas...”

Fonte:

José Osvaldo de Meira Penna. “Polemos: uma análise crítica do darwinismo. Editora UnB (da Universidade de Brasília). Brasília, 2006, p. 335-337.

É isso!


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