O "fenômeno" neo-ateísta


O mercado editorial religioso nunca entrou em crise. Recentes pesquisas realizadas pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade São Paulo, revelaram um crescimento neste âmbito de 27,98%. Um exemplo atual de sucesso em venda neste setor diz respeito à biografia do dono da Rede Record, Edir Macedo, intitulado “O Bispo - A História Revelada de Edir Macedo", que teve edição esgotada logo no início de seu lançamento.

Todavia, não é apenas na esfera religiosa que este crescimento editorial se fez sentir nos últimos anos; a crítica à religião também se converteu num grande negócio. Em todo o mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, autores como Richard Dawkins têm feito sucesso digno de um Paulo Coelho ou de uma Stephenie Meyer. Além de seu livro de auto-ajuda ateísta “The God Delusion” (traduzido em português como “Deus, um Delírio"), muitos outros ocupam espaço nas grandes livrarias, alimentando a desilusão de um grande número de pessoas pela religião. Por exemplo:

Christopher Hitchens: “God Is Not Great: How Religion Poisons Everything”.

Sam Harris: “Letter to a Christian Nation”.
Daniel Dennett: “Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon”.
Victor J. Stenger: “God: The Failed Hypothesis: How Science Shows that God Does not Exist”.
Fernando Savater: “La vida eterna”.
Adela Cortina e Amelia Valcárcel: “Hablemos de Dios”.
Michel Onfray : “Tratado de Ateologia”.
André Comte-Sponville: “A alma do Ateísmo” etc.

Qual seria a explicação para que livros deste teor alcance tanto sucesso, transformando-se em verdadeiros best-sellers mundial? Apenas uma boa estratégia de marketing editorial explicaria o fenômeno?

Bem. Embora o ateísmo não seja um fenômeno assim tão recente (Epicuro, por exemplo, que viveu antes de Cristo, tinha o seu "quê" de ateu), sabe-se que seu arranco deu-se com mais ênfase a partir do chamado “Iluminismo”, movimento filosófico iniciado a partir do século XVIII, cuja característica principal era a confiança no progresso e na razão. Numa tentativa de afastar as antigas superstições religiosas, muitos intelectuais ligados a este movimento tornaram-se verdadeiros ativistas do “não-deus”.

De lá para cá, o ateísmo ganhou terreno, atingindo seu auge com o materialismo dialético de Marx e Engels. Hoje, apesar do fracasso do socialismo russo, a descrença em Deus, não propriamente no Deus da Bíblia, tem se mantido em constante crescimento. Países antes fortemente influenciados pela religião, tais como França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos etc., apresentam um índice sempre em expansão.

Contudo, não obstante muitos ateus justifiquem sua descrença em Deus pelo viés científico, na verdade, o que realmente impera é a aversão à religião. O passado podre de uma religião que torturou e matou milhares de vítimas inocentes, é, entre outros, um dos grandes fatores que conduz uma pessoa à situação de ateísta. Ademais, os escândalos que muitas religiões tornam públicos diariamente ao redor do mundo, a falta de ação social por parte destas instituições, o conformismo com o pensamento dominante, a alienação quanto aos direitos do homem, também contribuem para que o ateísmo seja de certa forma até maior do que algumas seitas religiosas.

Além disso, a religião em si traz deveres e obrigações. Muitas delas, por exemplo, impõem fortes restrições a seus fiéis, privando-os até mesmo do simples ato de assistir TV. Em conseqüência disso, muitas pessoas, por verem na religião um estorvo para a consumação dos seus instintos, buscam excluir o “proibido”, para assim praticarem o tudo ou o nada que lhes sejam aprazíveis. E, como a religião, pelo menos na maioria dos países do Ocidente, não têm mais o apoio da força secular para impor seu estatuto doutrinário, isso de algum modo contribui para que muitos decidam por renegar a tradição de seus pais, como se estivessem com isso se "rebelando" contra o "sistema opressor”.

Há também o fato de que muitos ativistas do neo-ateísmo atual, por seu elevado status na sociedade e por seu grande potencial financeiro, tem investido fortemente na propagação de seus ideais, tendo ainda o amplo de certos setores da mídia de um modo geral.

É preciso, porém, diferenciar este novo ateísmo daquele ateísmo “clássico”, que sempre se manteve “na gaveta”, e para o qual não havia um líder carismático ou uma espécie de papa às avessas, como é o caso de Richard Dawkins para os novos ateístas. Esta nova vertente ateísta, ao contrário da outra, não está fundamentada em convicções filosóficas, mas na simples birra aos dogmas religiosos.

Deus, para estes novos ateus, tornou-se apenas um pretexto e não à própria causa de sua militância. Eles não se tornaram ateus pelo profundo exame das obras dos grandes filósofos ateus; não passaram a militar em conseqüência de alguma certeza filosófica mais apurada, mas pela simples revolta contra o “sistema”, que pode ser sintetizado no só termo: religião. Sentem-se oprimidos ao mesmo tempo em que acreditam serem intelectualmente superiores aos crentes, quando, sequer leram os "ateus clássicos", como Nietzche e Diderot. Em vez disso deliram extáticos e estáticos ante a figura do ideólogo Richard Dawkins, vendo-o como o protótipo do cientista perfeito. A maioria pouco conhece “A Origem das Espécis", de Darwin, mas sabe de cor até extensos trechos de “Deus, um Delírio”. Por sua peculiar característica extremista, este novo ateísmo metamorfoseou para uma espécie de dogma semelhante àqueles vivenciados pela religião na Idade Média, comportando aversamente em si o mesmo fundamentalismo existente algumas vertentes religiosas atuais. O lema desses novos ateus pode ser sintetizado nos seguintes enunciados: Deus não existe. Eu odeio a Deus. Eu odeio os crentes. Eu odeio os criacionistas. E viva Darwin!
Por tudo isso não me sentiria seguro caso minha vida dependesse da decisão de um desses fervorosos ateus. Lamentavelmente.

É isso!

3 comentários:

  1. Iba, não gostei da sua posição de 'mais ateu que os novos ateus'. Deixa a molecada se descobrir. Antes ateus não muito esclarecidos do que religiosos.

    "Se libertar do sistema opressor" é uma fase da adolescência, aliás muito digna :) Há mesmo essa separação entre os não religiosos, isso eu concordo, mas eu acho que você está esculachando demais os novatos.

    abraço!

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  2. Dizer do ateu clássico e do neo-ateu, é como dizer do gay classico e do neo-gay.It's Bullshit!
    No fim, o motor básico é sempre o mesmo ( ateus e gays ) e dedicar linhas e linhas sobre os significativos desse processo é apenas uma burocracia intelectual.
    pseudo-intelectuais adoram burocracias pra divagar sobre sobre o quanto sabem pensar.

    It's bullshit!

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  3. Caro Paulo,

    Perceba que utilizei o adjetivo "clássico" entre aspas, apenas para realçar que não se pode e é besteira acreditar que a manifestação ateísta de um Manuel Bandeira tenha lá a mesma conotação filosófica de um José Saramago. Se é que me entende...

    É isso!

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