"O cientista que deseja ampliar ao máximo o conteúdo empírico das concepções que sustenta e que deseja entender aquelas concepções tão claramente quanto possível deve, portanto, introduzir concepções novas. Em outras palavras, o cientista deve adotar metodologia pluralista. Compete-lhe comparar idéias antes com outras idéias do que com a ‘experiência’ e ele tentará antes aperfeiçoar que afastar as concepções que forem vencidas no confronto. Procedendo dessa maneira, manterá as teorias acerca do homem e do cosmos que se encontram no Gênese ou no Pimandro e as elaborará e utilizará a fim de avaliar o êxito da evolução e de outras concepções modernas. Concluirá, talvez, que a teoria da evolução não é tão bem fundada quanto geralmente se admite e que deve ser complementada ou inteiramente substituída por uma aperfeiçoada versão do Gênese. O conhecimento, concebido segundo essas linhas, não é uma série de teorias coerentes, a convergir para uma doutrina ideal; não é um gradual aproximar-se da verdade. É, antes, um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis (e, talvez, até mesmo incomensuráveis), onde cada teoria singular, cada conto de fadas, cada mito que seja parte do todo força as demais partes a manterem articulação maior, fazendo com que todas concorram, através desse processo de competição, para o desenvolvimento de nossa consciência.
Nada é jamais definitivo, nenhuma forma de ver pode ser omitida de uma explicação abrangente. Plutarco ou Diógenes Laércio e não Dirac ou von Neumann são os modelos para a apresentação dessa espécie de conhecimento, onde a história de uma ciência se faz porção inseparável da própria ciência — essencial para seu posterior desenvolvimento, assim como para emprestar conteúdo às teorias que encerra em qualquer momento dado. Especialistas e leigos, profissionais e diletantes, mentirosos e amantes da verdade — todos estão convidados a participar da atividade e a trazer contribuição para o enriquecimento de nossa cultura. A tarefa do cientista não é mais a de ‘buscar a verdade’ ou a de ‘louvar ao Deus’ ou a de ‘sistematizar observações’ ou a de ‘aperfeiçoar as previsões’. Esses são apenas efeitos colaterais de uma atividade para a qual sua atenção se dirige diretamente e que é ‘tornar forte o argumento fraco’, tal como disse o sofista, para, desse modo, garantir o movimento do todo" (p. 40, 41).
Fonte:
“Contra o Método”. Paul Feyerabend. Tradução de Octanny S. da Mata e Leonidas Hegenberg. Livraria Francisco Alves Editora S.A. Rio de Janeiro, 1977.
É isso!
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