"Por ironia, a teoria de Dawkins chegou justamente numa altura em que cada vez mais evolucionistas estão rejeitando a suposição panselecionista de que todos os pedaços do corpo são modelados no cadinho da seleção natural. Pode ser que muitos genes, se não todos, trabalhem igualmente bem (ou, no mínimo, suficientemente bem) em todas as suas variantes, e que a seleção não escolha entre eles. Se a maioria dos genes não se apresenta à revista, então eles não podem constituir a unidade da seleção.
Penso, em resumo, que o fascínio gerado pela teoria de Dawkins é fruto de alguns maus hábitos do pensamento científico ocidental — das atitudes (perdoem-me o jargão) que denominamos atomismo, reducionismo e determinismo: a ideia de que os todos podem ser compreendidos por decomposição em unidades "básicas"; de que as propriedades das unidades microscópicas podem gerar e explicar o comportamento de resultados macroscópicos; de que todos os acontecimentos e objetos têm causas previsíveis, definidas e determinadas. Essas ideias têm sido eficazes no estudo de objetos simples, constituídos por poucos componentes e sem a influência de uma história anterior. Tenho absoluta certeza de que meu fogão se acenderá quando eu o ligar (e acendeu). As leis dos gases, construídas a partir das moléculas, levam-nos até as propriedades previsíveis de volumes maiores. Mas os organismos são muito mais do que amálgamas de genes. Têm uma história que não podemos desprezar; suas partes interagem de maneiras complexas. Os organismos são construídos por genes atuando em concerto, são infuenciados pêlos ambientes e traduzidos em partes que a seleção vê e partes que ela não vê. As moléculas que determinam as propriedades da água constituem uma pobre analogia dos genes e dos corpos. Posso não ser o senhor do meu destino, mas minha intuição da totalidade provavelmente reflete uma verdade biológica (p. 79).
Do livro:
"O Polegar do Panda". Stephen Jay Gould. Editora Martins Fontes. São Paulo, 1989.
Do livro:
"O Polegar do Panda". Stephen Jay Gould. Editora Martins Fontes. São Paulo, 1989.
É isso!
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