Era Nietzsche anti-semita?


"Vários excertos da obra do filósofo alemão mostram que sua associação com idéias racistas, anti-semitas ou relativas a um “arianismo” ou “germanismo” não passa de um erro grosseiro. Como exemplo, apresentamos uma citação sobre o anti-semitismo e outra sobre os alemães:

“É certo que os judeus [por serem a raça mais forte e mais rija que vive na Europa], se quisessem – ou, se fossem obrigados a tal, como os anti-semitas parecem querer -, poderiam desde já ter a preponderância, mais ainda, falando de modo completamente literal, o domínio da Europa; é também certo que não trabalham nem fazem projetos nesse sentido. Ao contrário, o que pretendem e querem, no momento, até com certa insistência, é ser absorvidos e integrados à Europa, pela Europa; desejam se fixar seja onde for e ser admitidos, respeitados e dar um fim à vida nômade, ao “judeu errante” (Nietzsche, Para além de bem e mal § 251).

“A minha desconfiança do caráter germânico já se exprimiu aos vinte e seis anos (terceira consideração extemporânea). Os alemães são, para mim, insuportáveis. Quando pretendo imaginar uma espécie de homens absolutamente opostos a todos meus impulsos, é sempre um alemão que se apresenta ao meu espírito” (Nietzsche, Ecce homo “Caso Wagner” § 4).

Não bastassem esses e outros textos de Nietzsche, alguns elementos apresentados acima invalidam uma associação séria entre a filosofia nietzschiana e um projeto eugenista tal como o dos darwinistas sociais não-liberais (Francis Galton, por exemplo) ou dos nacional-socialistas alemães.

Sabemos que a luta dos impulsos ocorre pela superação: tanto a criação de uma nova moral como a transformação radical de uma forma biológica em outra dependem de uma luta de impulsos - o domínio absoluto de um sobre os outros causa a estagnação. Uma luta dinâmica garante o revezamento de comando e de obediência, o que propicia a transformação. Nesse contexto, os ideais de uma raça pura ou de uma raça superior que deva dominar todas as outras, assim como a idéia de uma meta suprema da humanidade ou progresso, são considerados por Nietzsche estratégias de conservação de tipos decadentes.

Nietzsche, portanto, não propõe um tipo ideal que deva ser o ponto culminante do desenvolvimento da espécie humana. O filósofo alemão despreza o objetivo de um tipo fixo, ou seja, não propõe nem a “besta loura”, nem o “bom samaritano” puros. O tipo proposto por Nietzsche, inclusive através de uma seleção cultural, é aquele capaz de uma superação contínua. Assim como um impulso absolutamente dominante destrói o organismo, um tipo absoluto provocaria estagnação. Pelo mesmo motivo, a luta por dominação não pode levar à aniquilação dos combatentes.

Não há, na filosofia nietzschiana, nenhum tipo ideal a ser atingido: o filósofo alemão não acredita no progresso da humanidade como um todo, pois considera apenas o surgimento de homens diferentes. Além disso, o homem superior ou a exceção (ou mesmo o homem inferior e a aberração), ao surgir, pode sucumbir ao peso do numérico da média ou ainda se desagregar devido a sua maior complexidade. Não há nenhuma garantia de que a exceção sobreviva e, ainda mais, exerça um papel de destaque em seu meio. Não há coincidência entre ser melhor e ser dominante.

Além disso, o processo de auto-superação, ao ocorrer no nível do próprio organismo não deve ser institucionalizado. As críticas que Nietzsche faz ao Estado, especialmente ao totalitário, nos permite afirmar que os processos educacionais não devem estar nas mãos dessa instituição. O Estado, para o filósofo alemão, é outro aparato que visa à conservação porque nele ocorre a cristalização do domínio. O Estado, para Nietzsche, é uma estupidez.

Podemos afirmar, portanto, pelo exposto acima, que Nietzsche não propõe processos eugenistas e, muito menos, como política de Estado. Tal como a vida, que é, para o filósofo alemão, um fluxo contínuo de auto-superação, o desenvolvimento do homem deve ocorrer por criação contínua, ou seja, pela possibilidade de transformação e não de conservação ou cristalização. À perpetuação e à monotonia do sempre igual (o mesmo) dos eugenistas, Nietzsche contrapõe a superação e a presença das múltiplas possibilidades humanas: para o filósofo, o homem deve criar-se constantemente".

Fonte:
WILSON ANTONIO FREZZATTI JUNIOR. “EQUÍVOCOS A RESPEITO DE NIETZSCHE:O DARWINISMO, A EUGENIA E A DEMOCRACIA PÓS-MODERNA”.

É isso!

Um comentário:

  1. Vi um monte de cristao associando q Nieztche era um ateu antissemita. Eles deviam ver mais blogs assim, em vez de lerem uma fonte unica

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