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Bases ideológicas do darwinismo
“A própria disputa por uma prioridade na publicação pareceria algo forçada, uma vez que havia várias outras teorias evolutivas já propostas, além das de Darwin e Wallace, algumas com bastante superposição a estas. O que fez com que a de Darwin fosse tão amplamente divulgada? A resposta está na ideologia na qual se apoiava implicitamente Darwin: no laissez-faire do liberalismo econômico (que nada tem a ver com os princípios do liberalismo como doutrina da liberdade individual, consagrados como direitos universais) defendido por Adam Smith em A Riqueza das Nações (1776) - e que ainda é usado, até mesmo por darwinistas “revisionistas” como Stephen Jay Gould. Toda uma tradição da filosofia empiricista britânica que deságua em Adam Smith, ao prever a regulação do conjunto da economia pela “mão invisível” do mercado, se casava bem também com a teoria econômica de Thomas Malthus. Este, em seu ensaio sobre as populações (publicado em 1798 e confessamente livro de cabeceira de Darwin), propunha que a demografia humana cresceria geometricamente, enquanto que os recursos cresceriam menos, de forma aritmética.

São conhecidas as soluções de Malthus para a “superpopulação” resultante desse suposto desencontro: epidemias, guerras, a fome e outras catástrofes se incumbiriam de estabelecer um equilíbrio, o que se casava bem com os ensinamentos de Adam Smith sobre a auto-regulação do mercado. Certamente no auge do imperialismo e colonialismo britânico, uma teoria evolutiva que defendia aspectos como uma inevitável luta pela vida, espécies mais favorecidas e uma seleção natural regida pelo acaso, tinha condições de atrair a seu favor a opinião pública da sociedade vitoriana, que se enxergou justificada pela “ciência” e ajudou a promover ideologicamente a teoria de Darwin.

O darwinismo legitima assim a desigualdade das classes e das raças, bem como aceita a luta, e por extensão as guerras, como fator crucial para a civilização, pois determina quem é o mais apto (Ruffié, 1988). Esta é uma tendência peculiar e coerente com toda a corrente filosófica do empiricismo britânico, como por exemplo no conceito de sociedade apresentado por Thomas Hobbes, que concluiu pela afirmação de que "o homem é o lobo do homem". O “neo-liberalismo” de hoje, especialmente depois da era Thatcher, e que chegou mais tarde ao poder no Brasil pelas mãos principalmente dos governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso, admite os mesmos princípios que os similares do liberalismo da era vitoriana, apenas intensificados pela atuação global do capital.

A teoria malthusiana é igualmente a base ideológica de movimentos mais atuais, como o que propunha o “crescimento nulo” da população na década de 1970, embora tenha havido um abrandamento do radicalismo dessa proposta, que deu lugar àquela outra aparentemente mais suave, a do “crescimento sustentável”. E na biologia, o espectro da ameaça do crescimento populacional tem sido a justificativa de ações ambientalistas de cunho ecológico conservador, que defendem o darwinismo ferozmente (como em Ehrlich, 1993). Essas propostas se baseiam em inferições estatísticas tão duvidosas que, não obstante sua aparente convicção, são passíveis de contestação também matematicamente, em “perigos” como o aumento populacional, o super-aquecimento do planeta, o fim da biodiversidade e a escassez de alimentos e de energia, como já o demonstrou recentemente um ecologista arrependido e ex-militante do movimento Greenpeace (Lomborg, 2001).

De fato, as análises estatísticas de Lomborg demonstram que, pelo contrário, a crescente urbanização tende a minorar os problemas econômicos da sociedade, e que a Terra ainda tem muito potencial para crescimento demográfico e possibilidades imensas de alimentar adequadamente essa população. Historicamente as pessoas da atualidade estão sendo melhor alimentadas do que antigamente, mas o espectro da fome existe devido a um problema distributivo, ou seja político, e não técnico ou de falta de alimentos. A saúde e a expectativa de vida só têm aumentado, até mesmo nos países subdesenvolvidos. Claro que é necessário cuidar nacional e internacionalmente do referido problema da distribuição de bens e riquezas, mas a decisão de fazer as economias crescerem e acelerarem cada vez mais também é vital para se resolver o problema. Aprofundar a industrialização é a melhor alternativa para todos e de todos os pontos de vista, apesar da ideologia anti-industrialista que se associou ao mito de sociedade “pós-industrial”. A industrialização pode ajudar inclusive a diminuir a concentração de poluentes no ar; em particular, já foi demonstrado que a chuva ácida não está correlacionada com a emissão de NOx ou SO2 (Lomborg, 2001).

Recuperando uma agenda perdida na pregação romântica por um planeta mais “limpo”, insistimos que a industrialização intensificada também é o único remédio adequado para problemas como a poluição das águas e o processamento do lixo. O uso de pesticidas (tanto industriais quanto naturais) não pode ser descartado para a produção de alimentos e eliminação da fome, tendo baixíssima correlação com doenças. Estudos mais desapaixonados também questionam que a variação do tamanho do buraco de ozônio seja função de efeitos de emissão causados pela industrialização (Maduro, 1990). Mesmo o aquecimento global tem sido contrariado por diversos especialistas em meteorologia, que em verdade apontam para a hipótese contrária, a de estarmos caminhando para uma nova era glacial (Hecht, 1994). O desflorestamento do planeta é certamente um problema, mas é localizado e a área cortada pode ser reflorestada, até mesmo se recuperando a diversidade vegetal e animal. Aliás, a propalada redução da biodiversidade em 40.000 espécies por ano (mesmo não havendo consenso entre os biólogos que permita saber exatamente o que é uma espécie) se revelou falsa, pois está mais perto de 200 espécies por ano – e a extinção pode ser desacelerada (Lomborg, 2001). Água e matérias-primas, inclusive os combustíveis não dão sinal de exaustão e novas tecnologias têm tornado possível tanto seu reaproveitamento quanto a descoberta de mais fontes energéticas. Em contrapartida, todas as propostas ambientalistas radicais têm um fundo na matriz malthusiano-darwinista.

Os antecedentes econômicos e ideológicos citados fizeram com que a obra de Darwin fosse muito bem divulgada pelos seus incentivadores, inclusive pela sempre citada contribuição do confronto público entre seu arquidefensor Thomas Huxley e o bispo criacionista Sam Wilberforce. Com o alarde e sensacionalismo criados em torno do episódio, logo a idéia de Darwin chegou a outros países. A propósito daquele debate, ele continha algumas sutilezas que a sua apresentação caricatural não deixa perceber, e algumas questões por ele levantadas continuaram sendo disputadas até hoje (Hellman, 1999). O grande impulso para a popularização das idéias darwinistas foi dado pela adesão de Herbert Spencer, na Inglaterra, e de Ernst Haeckel, na Alemanha, dois escritores muito populares e com afinidades ideológicas com a teoria de Darwin. No Brasil, o darwinismo teria chegado já na década de 1860, através de traduções francesas das obras de Darwin, Spencer, Haeckel e outros. Sua entrada nos meios acadêmicos brasileiros se deu com o médico Miranda de Azevedo em 1874, tendo-se divulgado pelo uso dos conceitos de evolução darwinista tão marcantes nas obras dos pensadores Sílvio Romero e Tobias Barreto (Collichio, 1988).

Por outro lado, houve sérias objeções a que nem Darwin nem seus patrocinadores souberam responder na época, tais como a idade da Terra e a diluição pouco a pouco das características dos progenitores, e portanto das variações, ao longo das gerações (o chamado “paradoxo de Jenkin”). Esta última dificuldade precisou esperar pela integração do mendelismo ao darwinismo, que se deu com a “teoria sintética”, uma forma de neo-darwinismo. Deve-se notar porém o ataque plenamente contemporâneo a Darwin, de origem mais filosófica e especulativa, feito pelo inglês Samuel Butler, que publicou já em 1863 seu artigo “Darwin entre as Máquinas”. A este se seguiu seu romance “Erewhon”, uma vigorosa sátira contra a hipocrisia moral vitoriana, na qual as máquinas seguem um esquema evolutivo darwiniano, para desnudar o que eram justificativas de domínio das classes abastadas sobre as mais pobres. O tema de Butler se presta admiravelmente à discussão da possibilidade de “inteligência artificial” - lembrando porém que a inteligência humana é um desafio não respondido pelo darwinismo (Blanc, 1994). As idéias de Butler foram modernamente retomadas em conexão sobre a discussão de máquinas que fazem outras máquinas, juntamente com uma hipótese de que o lamarckismo explicaria o mecanismo da evolução nos primórdios da vida (Dyson, 1998), sendo gradativamente substituído pelo mecanismo da seleção natural.

A teoria darwinista da evolução é, para seus atuais adeptos extremados, tão poderosa que mesmo para eventuais formas de vida alienígena, eles acreditam que esta terá se desenvolvido forçosamente de acordo com os princípios desta teoria (Dawkins, 1998). Os argumentos contrários ao darwinismo, quando expostos por darwinistas ortodoxos como Ernest Mayr ou Richard Dawkins, são sofismas que admitem o darwinismo como ponto de partida - para chegarem ao mesmo ponto de onde partiram. Por outro lado, embora seja como se verá adiante uma aparente dissidência, o chamado "saltacionismo" procura no fundo defender a teoria darwinista e atualizá-la, ainda que às custas de seu axioma de transformações lentas e graduais. Os seguidores da linha saltacionista afirmam que a evolução é materialista, não é finalista e não admite uma noção de progresso (Gould, 1979). Mesmo havendo subscrito a hipótese contrária à da teoria sintética, de que a seleção natural não é o único mecanismo determinante da evolução, ao longo de seus livros Stephen Jay Gould lembra que o próprio Darwin também falava de outros mecanismos além da seleção natural e Gould acaba fazendo concessões para nada mudar de fundamental, pois discorda veementemente de que o darwinismo esteja em crise ou em vias de ser superado – seus esforços são, pelo contrário, para revigorá-lo.

Uma das aplicações mais esdrúxulas dos seguidores do darwinismo tem sido a da epistemologia científica. Segundo essa visão, filósofos das ciências bastante renomados, entre os quais Karl Popper e David Hull, de maneiras e com alcances diferentes, teriam proposto que o próprio conhecimento avança por hipóteses que são selecionadas por mecanismos análogos ao da seleção natural: as idéias evoluem, sendo selecionadas as mais aptas na luta por sua existência (Ruiz e Ayala, 1998). Pode-se contra-argumentar notando que a história das ciências mostra que, diferentemente da evolução biológica, há idéias que vão e vêm, dando-se o retorno e atualização de uma idéia muito tempo depois do seu abandono (como por exemplo o sistema heliocêntrico de Aristarco e outros gregos, que só retorna após o Renascimento). Julgamos que a epistemologia, enquanto estudo do processo geral do conhecimento depende de se exercer um dom, este sim resultado da evolução biológica e não da seleção natural, que é a criatividade humana.

Fonte:
Gildo Magalhães (prof. História da Ciência – FFLCH/USP): “Darwin: Herói ou Fraude?

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