"Marx morto, Darwin posto?"
"O zoólogo Edward Wilson publicara em 1975 o seu imenso Sociobiology The New Synthesjs, mas quase apenas conseguira granjear o respeito dos cientistas no seu campo. O seu último capítulo, porém, exasperou a esquerda por parecer intimar uma justificação do status quo Sociopolítico. Estava lançado o rastilho de uma guerra que se ia alastrar aos media. Wilson publicou mais tarde o seu On Human Nature, um autêntico tratado-manifesto sobre a natureza humana que captava Darwin, proporcionando-lhe um complemento teórico apoiado nos avanços da zoologia. Alguns académicos não afeiçoados à biologia quiseram ver nesse livro pressupostos ideológicos conservadores. Depois, havia por outro lado esse The Selfish Gene, de Richard Dawkins, extremamente legível e usando uma metáfora provocatória que irritou seriamente a esquerda. Dawkins seguia por um caminho diferente de Wilson, mas surgia ao público do mesmo flanco da barricada. À esquerda, parecia-lhe estar ali a semente da destruição dos valores éticos da justiça, da democracia, da igualdade. Marx desapareceria enterrado pelos biólogos, zoólogos, etólogos, entomólogos e sociobiólogos. Darwin, no armário até então, vinha agora substituí-lo aos ombros de Wilson e Dawkins. As ciências sociais ficavam reduzidas a pouco ou nada. Não demorou mesmo muito a surgir um livro intitulado The Preemption of the Social Sciences. Não havia já mais razões para se irem buscar ensinamentos às teorias infundamentadas das ciências sociais, fruto de ideologias e utopias mais ou menos complexas mas todas carentes de suporte empírico, condição sine qua non para haver ciência. A biologia vinha agora preencher o vazio deixado pelo marxismo e pelos teóricos Sociais, mesmo de um Max Weber, que veria finalmente explicada a causa da ética protestante e sua relação com o aparecimento e florescimento do capitalismo. Adeus, portanto, ao argumento da Predestinação e à teologia nele subjacente À filosofia e à teologia ficava-lhes enfim e para sempre reservado um lugar: a História. Seria um lugar ideal para se detectar o percurso das ideias a partir da teologia e via filosofia, mas todas desaguan0 numa cosmojogia agora reduzida à física, bem como toda uma teorização humanista que, ao cabo de dois milénios, desembocava na biologia. Era como se alguém tivesse vindo anunciar que Augusto Conte estivera certo até ao seu tempo mas incompleto porque, para além e para baixo da Sociologia, havia afinal um quarto estádio, o da biologia, e depois ainda um quinto e último, o da genética. Os media tiveram um field day, como dizem os americanos. A tradicional divisão entre esquerda e direita explodiu e a confusão generalizou.

A direita, preocupada com a economia e a preservação do capitalismo, exultou com as descobertas da Sociobiologia sobre a agressividade animal que explicava o capitalismo, mas o movimento feminista reagiu fortemente contra a caracterização do feminino como naturalmente submisso ao poder masculino, reduzindo-o ao papel de reprodutor e nutridor. Os negros vituperaram o recrudescimento do racismo que agora surgia com bases supostamente mais sólidas apoiadas na genética. Os homossexuais, porém, exultaram. Afinal Freud estava definitivamente enterrado. O sexo tinha raízes biológicas e genéticas e desapareciam assim as razões para se considerar a homossexualidade como um desvio cultural (pior ainda, moral), uma vez que ela resultava da própria biologia e, mais precisamente, da genética. Desaparecia finalmente o estigma moral em que durante milénios assentara a sua condenação.

As hostes de ambos os flancos cerraram fileiras e até uma política económica como o reaganismo, inspirado em (ou apadrinhado por) Milton Friedman, embandeirou em arco com as descobertas da sociobiologia. Na Inglaterra, aos olhos do público, Richard Dawkins parecia oferecer de bandeja apoio científico à política conservadora de Margaret Thatcher. Até as Igrejas cristãs conservadoras alinharam nisso, ignorando as implicações para a sua teimosa condenação da homossexualidade."

Fonte:
Onésimo Teotónio Almeida: "
De Marx a Darwin: a desconfiança das ideologias". Editora Gradiva. Lisboa, 2009, p. 28-31.

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