"O CÃO DE DARWIN COMO EXEMPLAR DA INTELIGÊNCIA SUPERIOR CIVILIZADA"

"Ao longo de todos os capítulos do Descent o discurso de Darwin sobre a evolução da mente está em visível sintonia com a perspectiva eurocêntrica característica da Inglaterra do século XIX. De acordo com essa visão, haveria uma gradação quanto à capacidade mental das diversas raças humanas. Nessa verdadeira escala evolutiva, os seres humanos pertencentes a culturas de caçadoras-coletores são considerados biologicamente mais primitivos e, portanto, moral e mentalmente inferiores. Inúmeras são as passagens nas quais essa crença é explicitada. Uma vez que a análise dessa concepção não está no cerne do problema que ora estou estudando, destacarei aqui apenas um trecho ilustrativo:

The chief causes of the low morality of savages, as judged by our standard, are, firstly, the confinement of sympathy to the same tribe. Secondly, powers of reasoning insufficient to recognise the bearing of many virtues, especially of the selfregarding virtues, on the general welfare of the tribe. Savages, for instance, fail to trace the multiplied evils consequent on a want of temperance, chastity, &c. And, thirdly, weak power of self-command; for this power has not been strengthened through long-continued, perhaps inherited, habit, instruction and religion. (DARWIN, 1998a [1871], p. 123).

Analisando a moralidade “inferior” dos ditos “selvagens”, Darwin afirma também a inferioridade destes no uso da razão e no poder de auto-controle. Noutra passagem Darwin compara a mente do cão com a de seus parentes selvagens. O trecho que segue faz parte da contra-argumentação apresentada por Darwin em oposição à declaração feita pelo Arcebispo Summer, segundo a qual somente o homem seria capaz de auto-aprimoramento. Darwin responde com vários contra-exemplos, dentre os quais o que segue abaixo:

Our domestic dogs are descended from wolves and jackals, and though they may not have gained in cunning, and may have lost in wariness and suspicion, yet they have progressed in certain moral qualities, such as in affection, trust-worthiness, temper, and probably in general intelligence (DARWIN,1998a [1871], p. 83).

Aqui observa-se que o cão de Darwin, como animal domado pela cultura civilizatória, é objeto e agente de uma evolução mental em muito semelhante àquela que caracteriza o homem branco europeu. Assim como o gentil-homem britânico goza de uma inteligência superior à dos grandes antropóides e à dos selvagens primitivos, também o cão supera em capacidade mental o lobo e o chacal, seus parentes selvagens mais próximos. Assim como ocorre com seu dono, o cão de Darwin, seu fiel companheiro, honra seu posto de melhor amigo do homem. São ambos expressões, em escalas diferentes, da supremacia das raças nobres sobre as raças bárbaras, da inteligência civilizada sobre a inteligência primitiva e selvagem.

Será esse cão de Darwin o animal que acompanharemos a partir de agora, analisando suas faculdades mentais em busca de uma melhor compreensão do status das emoções na mente do animal darwiniano."

É isso!

Fonte:
ANDRÉ LUIS DE LIMA CARVALHO. "O Animal Darwiniano: O Status das Emoções na Teoria da Mente em Charles Darwin" (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ,como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre). Área de Concentração: História das Ciências. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Waizbort. Rio de Janeiro, 2005.

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