“No entanto, o que Foucault problematiza nos seus escritos sobre biopolítica é justamente a funcionalização do desconhecido, que torna própria a forma de ser do homem. Com esta funcionalização, o homem não está mais exposto ao conhecimento de si – que permanece, ainda, inalcançável na sua completude, mas totalmente descrito enquanto estrutura parte de uma sociedade voltada para objetivos determinados. Ainda que a vida humana não seja nunca exaustivamente integrada em técnicas que a dominem e a gere, o biopoder surge como uma intervenção no como viver dos sujeitos de direito. O biológico reflete-se diretamente no político, e o limiar de modernidade biológica de uma sociedade surge no momento que a própria espécie entra em jogo nas estratégicas políticas (FOUCAULT, 1988:134).
O que ocorre, com isso, é que toda a política se torna uma luta pelo espaço que o sujeito tem no controle da própria vida – de um lado, o biopoder enquanto instância de controle do como viver, e da estrutura biológica do homem, e do outro, a exigência, por parte dos sujeitos, por um direito a ter direito sobre o próprio corpo, e a forma de fruir deste; um direito de “encontrar o que se é e tudo o que se pode ser” (FOUCAULT, 1988:136). Neste sentido, o controle do sexo e da sangüinidade surge com uma função simbólica na formação da identidade de uma população (instaurada, a partir do século XVIII, normativamente), esta normalização do sexo, enquanto um controle eugênico de uma população, faz a sexualidade surgir como dispositivo do poder soberano. O controle do sexo, é, essencialmente, a forma mais eficaz de controlar uma população – mantendo, com isso, o caráter de homogeneidade de uma nação.
Podemos identificar, então, três características fundamentais da biopolítica para Foucault: em primeiro lugar, existe um controle sobre o corpo, uma espécie de domesticação dos corpos por parte do controle médico-jurídico, que permite que o homem seja tomado enquanto ente para um conhecimento científico – e nisto a estrutura duplo empírico-transcendental fica mais clara: ao mesmo tempo, o homem é tomado enquanto objeto empírico, que só é possível a partir de um conhecimento que é afirmado de um ponto de partida transcendental, o qual o mesmo homem, enquanto sujeito, participa. Em segundo lugar, a partir desta domesticação, os corpos dóceis dos homens são objetos de uma regulamentação política, que vai implicar em um poder disciplinar do qual o homem é objeto. Assim, temos como terceira característica da biopolítica uma relação permanente de poder-saber que permeia todas as estruturas anteriores – o controle da estrutura biológica do homem, feito a partir de um controle médico da população (primeira característica aqui identificada) implica em uma delimitação do campo de saber empírico ao qual este mesmo homem terá acesso; assim como a regulamentação e controle disciplinar de uma população a partir da estrutura jurídica, vai implicar diretamente nos saberes possíveis-disponíveis para uma determinada população18. Fica, portanto, claro como a relação poder-saber está implicada em toda biopolítica – a partir da neutralização do saber científico, quem tem o controle de um determinado saber científico pode legitimar seu uso a partir da suposta “neutralidade” de sua prática (FOUCAULT in KELLY, 1994:44-45). A idéia de dispositivo, portanto, está ligada a esta relação entre saber-poder, onde o dispositivo de poder controla uma articulação entre um saber e sua aplicação – e, na biopolítica, a aplicação de um determinado saber no próprio corpo de uma população, ou na determinação de uma população homogênea."
Fonte:
FABRÍCIO PONTIN: “BIOPOLÍTICA, EUGENIA E ÉTICA: : UMA ANÁLISE DOS LIMITES DA INTERVENÇÃO GENÉTICA EM JONAS, HABERMAS, FOUCAULT E AGAMBEN” (Dissertação apresentada como requisito parcial à conclusão do Mestrado em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Porto Alegre, 2007.
Nota:
O título e a imagem não se incluem na referida tese.
A biopolítica, segundo Foucault
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