O Espiritismo de Allan Kardec no seu contexto histórico

O que poderia haver em comum entre os livros “A Origem das Espécies” de Darwin e “O Livro dos Espírito” de Allan Kardec?

Os pontos a seguir não são meras coincidências:

1. Ambos foram publicados num mesmo contexto histórico. “O Livro dos Espíritos” em 1857 e “A Origem das Espécies” (“Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida”) em 1859. Ou seja, apenas dois anos de diferença de um para o outro.

2. Ambos estão inseridos no mesmo período em que floresceram os ideais do Positivismo, de Augosto Comte, quem em 1848 publicou o seu “Discurso sobre o espírito positivo”; e do evolucionismo de
Herbert Spencer, o criador da expressão “sobrevivência do mais apto” e autor, entre outros, do livro “A Estética Social”, de 1850.

3. Ambos fazem parte do mesmo instante em que florejavam ideais do pureza racial, como aqueles defendidos pelo primo de Darwin, Francis Galton, o criador da Eugenia e autor da obra "Hereditary Genius", de 1869.

A consequencia de todos esses fatos amalgamados entre si resultou num ponto essencial nas ideologias de ambos personagens: o progresso. Darwin trabalhando com o natural, e Kerdec com o sobrenatural.

Outro aspecto comum tanto em Darwin como em Kardec, diz respeito à crença na existência de estágios evolucionários no processo de desenvolvimento da humanidade. Enquanto Darwin enfatizava a questão sob a égide do naturalismo, Kardec a explorava à luz do espiritismo, e ambos centrados no mesmo ideal de superioridade do homem branco e “civilizado”.

Especificamente em relação a Allan Kardec, os trechos a seguir, extraídos do seu “Livro dos Espíritos”, exemplifica um pouco a questão do “progresso” sob a lógica do espiritual.

TRECHO 1:
Será possível que um homem de raça civilizada reencarne, por exemplo, numa raça de selvagens?

“É; mas depende do gênero da expiação. Um senhor, que tenha sido de grande crueldade para os seus escravos, poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus tratos que infligiu a seus semelhantes. Um, que em certa época exerceu o mando, pode, em nova existência, ter que obedecer aos que se curvaram ante a sua vontade. Ser-lhe-á isso uma expiação, que Deus lhe imponha, se ele abusou do seu poder. Também um bom Espírito pode querer encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente, para fazê-las progredir. Em tal caso, desempenha uma missão” (p. 179).

TRECHO 2:
“A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião, O clima e os costumes produzem, é certo, modificações no caráter físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a influência dessas causas. Entretanto, o exame fisiológico demonstra haver, entre certas raças, diferenças constitucionais mais profundas do que as que o clima é capaz de determinar. O cruzamento das raças dá origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns des cendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto a hipótese de uma origem comum para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro e o peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos “(p. 72,73).

TRECHO 3:
“6º Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomardes de um menino hotentote recém-nascido e o educardes nos nossos melhores liceus, fareis dele algum dia um Laplace ou um Newton?

Qual a filosofia ou a teosofia capaz de resolver estes problemas? É fora de dúvida que, ou as almas são iguais ao nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por que, entre elas, tão grande diversidade de aptidões? Dir-se-á que isso depende do organismo. Mas, então, achamo-nos em presença da mais monstruosa e imoral das doutrinas. O homem seria simples máquina, joguete da matéria; deixaria de ter a responsabilidade de seus atos, pois que poderia atribuir tudo às suas imperfeições físicas. Se almas são desiguais, é que Deus as criou assim. Nesse caso, porém, por que a inata superioridade concedida a algumas? Corresponderá essa parcialidade à justiça de Deus e ao amor que Ele consagra igualmente a todas suas criaturas?

Admitamos, ao contrário, uma série de progressivas existências anteriores para cada alma e tudo se explica. Ao nascerem, trazem os homens a intuição do que aprenderam antes: São mais ou menos adiantados, conforme o número de existências que contem, conforme já estejam mais ou menos afastados do ponto de partida...

À vista da sexta interrogação acima, dirão naturalmente que o hotentote é de raça inferior. Perguntaremos, então, se o hotentote é ou não um homem. Se é, por que a ele e à sua raça privou Deus dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se não é, por que tentar fazê-lo cristão? A Doutrina Espírita tem mais amplitude do que tudo isto. Segundo ela, não há muitas espécies de homens, há tão-somente cujos espíritos estão mais ou menos atrasados, porém, todos suscetíveis de progredir. Não é este princípio mais conforme à justiça de Deus?” (p. 149).

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É isso!

Fonte:
Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”. Tradução de: Guillon Ribeiro. Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1995.

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