O positivismo e o spencerismo no Brasil

"Ordem e Progresso, inscrição de nossa bandeira nacional, expressou o movimento de alinhamento dos republicanos brasileiros à perspectiva positivista comteana, para a qual a construção da nova sociedade não poderia prescindir do entendimento de que “a ordem constitui sem cessar a condição fundamental do progresso e, reciprocamente, o progresso vem a ser a meta necessária da ordem”. Neste sentido, Comte enfatizou que o princípio de ordem só poderia ser constituído a partir de princípios científicos e que, portanto, o progresso estaria, necessariamente, vinculado ao desenvolvimento da ciência, mais precisamente, da ciência positiva.

Se pela via do positivismo, as elites brasileiras enfatizaram a importância da ordem e da hierarquia para o progresso social, pela via do spencerismo, justificaram a sua naturalização. Sob o mote - “sobrevivência do mais apto”- e tomando como referência de grau evolutivo mais desenvolvido o modo de vida da população mais abastada dos países ricos, Herbert Spencer advogava a idéia de que as diferenças sociais seriam resultado natural de um processo evolutivo, oriundo do conflito e da competição entre os homens. Aplicando a tese darwiniana da seleção natural às sociedades humanas, Spencer procurou justificar as diferenças de classe, de poder aquisitivo, de habilidades cognitivas, de valores morais. Pautado no argumento científico positivo, ofereceu um modelo explicativo, dentre outros fatos, para a ocorrência da expansão da pobreza pós-revolução industrial, para o imperialismo europeu sobre as nações menos desenvolvidas bem como, para a idéia de superioridade da raça branca frente às outras raças.

Se na seleção natural de Darwin a questão da sobrevivência e da evolução passava pela adaptação dos seres aos determinantes da natureza, no spencerismo a superioridade do indivíduo se daria por um processo crescente, de sucessivas adaptações aos imperativos da nova sociedade, sociedade esta, pautada no conhecimento científico e na tecnologia. Sendo assim, este modelo filosófico além de buscar justificativas para o fato, por exemplo, de o capitalista ocupar o topo da cadeia “sócio-evolutiva” - visto que alcançou o domínio da teoria da ciência e a propriedade dos meios de produção -, ou justificar o lugar de subordinação ocupado pela maioria trabalhadora - na medida em que “suas mãos”, tão carentes de evolução quanto sua capacidade de pensamento, dependiam do planejamento e da propriedade alheia para materializar sua força de trabalho em mercadorias -, também, deixava em aberto a possibilidade do trabalhador, caso se empenhasse, por gerações seguidas, em adaptar-se aos imperativos da nova sociedade, de um dia poder conquistar habilidades e propriedades que lhe permitiriam ascender ao lugar de indivíduo dominante na estrutura social.

Tomando como ponto de partida a orientação burguesa do livre jogo das forças individuais e depositando no indivíduo a responsabilidade pelos problemas e contradições sociais, Herbert Spencer, se posicionava contra a intervenção do Estado na economia e na educação - para ele, tanto as empresas quanto os indivíduos estavam sujeitos ao princípio da auto-adaptação, imposto pelos desígnios do mercado. Porém, ao analisar as necessidades da agenda capitalista novecentista, frente às condições de vida e de formação – sobretudo, moral - da população trabalhadora, este filósofo inglês defendeu a importância da transmissão de rudimentos científicos para o proletariado. A defesa tanto de Spencer quanto de Comte ao ensino da ciência - ciência enquanto conhecimento prático, utilitário -, evidenciava uma clara oposição destes filósofos contra o ensino religioso, o qual, segundo eles, pouco podia contribuir para uma sociedade movida pela técnica e pelo paradigma da ordem e progresso.

Tendo em vista, portanto, a necessidade de disciplinar os trabalhadores e torná-los aptos para o trabalho livre e regular, de prepará-los para a vida política e de criar um senso coletivo de pertencimento nacional num país de dimensões continentais, culturalmente muito diverso, a classe dominante brasileira se valeu das contribuições de filosóficos, políticos e reformadores da sociedade, dentre os quais Spencer e Comte. Estes, embora não fossem educadores, na acepção da palavra, desenvolveram teorizações que serviram de alicerces ideológicos sobre os quais ergueu-se a nova nação brasileira e seus aparelhos de difusão e sustentação, dentre os quais, a escola burguesa para todos.

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É isso!

Fonte
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DANIEL VIEIRA DA SILVA: “EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: de como as propostas tangenciam a relação educação-trabalho.” (Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor, Programa de Pós-Graduação em Educação – Área Educação e Trabalho, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Drª Lígia Regina Klein). CURITIBA, 2007.

Nota:
A imagem e o titulo não se inserem na referida tese.

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