A taxonomia racista de Henri V. Vallois

Fuçando numa dessas férteis bibliotecas da Universidade de São Paulo, deparei-me com o livro “As Raças Humanas”, de Henry V. Vallois (“Professeur du Muséum National d’Histoire Naturelle - Directeur du Musée de I’Homme et de I’Institut de Paléontologie humaine”), traduzido e publicado no Brasil pela antiga Difusão Européia do Livro, em 1954.

Originalmente o livro (“
Les Races humaines”) foi escrito em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, ou seja, num momento histórico totalmente propício à crença no conceito de “raça humana”. Lembrando que um dos pilares do Nazismo fundamentava-se exatamente na idéia de “raça”. Para Hitler os alemães eram o protótipo de “raça superior e civilizada”, daí a necessidade de estigmatizar os judeus como a “raça inferior e corrompida”.

Vallois, "o douto homem da ciência", não apenas criou uma taxonomia própria para as etnias humanas, como, também, defendeu a tese de que a humanidade evoluiu em estágios, isto é, gradativamente conforme reza a tradição evolucionista. Embora a referida obra não tenha nenhum valor prático para os nossos dias, ela é uma mostra viva de que teorias e conceitos científicos são tão transitórios ou efêmeros quanto as doutrinas religiosas. O que hoje é pecado grave, amanhã poderá vir a ser um belo exemplo de virtude.

E, com o objetivo de enfatizar a transitoriedade de teorias tidas como científicas, exponho a seguir alguns pontos abordados por Vallois, todos relacionados ao ultrapassado conceito de “raças humanas”. Vejamos um pouco acerca dos argumentos que um homem da ciência do seu tempo pensava sobre diferenças do tipo: cor da pele, formato do nariz, estatura física, feitio da cabeça etc.

VALLOIS E SUA DEFINIÇÃO DE “RAÇA”
“Não e preciso ter viajado muito para saber que, levando em conta apenas a cor, os homens podem dividir-se em três categorias pelo menos - brancos, amarelos e negros. Porém, cada uma delas é heterogênea. Em algumas regiões, os brancos têm cabelos loiros e olhos azuis, em outras, cabelos e olhos negros; aqui, têm a cabeça alongada, acolá, arredondada, e assim por diante. As descrições dos viajantes informam-nos que diferenças análogas existem entre os negros e os amarelos: tal grupo de negros, por exemplo, que vive na floresta equatorial, compõe-se de homenzinhos peludos de menos de 1,50 m. de altura, ao passo que, não muito longe, os brejos do Alto-Nilo abrigam tribos de corpo glabro e cuja estatura ultrapassa muitas vezes a 1,80 m. Poder-se-iam multiplicar tais exemplos. Mostram que humanidade divide-se num certo número de grupo se distinguem pelos seus caracteres corporais. É a esses grupos que se dá o nome de raças” (p. 7, 8).

OS CARACTERES RACIAIS SEGUNDO VALLOIS
“O mais clássico é a cor da pele. Foi nela que assentaram as mais antigas classificações, e os velhos livros sânscritos, como as antigas figurações egípcias, já faziam alusão a isso. Depende da presença, nas camadas profundas do tegumento, de pequenos grãos de uma substância amarela escura chamada pigmento. A sua quantidade é variável. Se houver muito, a pele torna-se muito escura e assume a cor branca ou preta dos negros. Se houver menos, o vermelho do sangue que circula sob a pele aparece por transparência e a mistura da sua cor com a do pigmento dá os matizes amarelo escuro ou amarelo claro de muitos asiáticos. Se faltar o pigmento, a pele toma a cor branca rosada dos europeus do norte. Conforme a quantidade da matéria corante e a sua densidade, pode-se ter, pois, uma série completa de cores, mas deve-se notar que nenhuma delas é vermelha: como veremos mais tarde, os chamados peles-vermelhas eram, na realidade, amarelos escuros.”

Um caráter muito utilizado, mas cuja apreciação exige um certo treino, é a forma da cabeça: quando se considera a cabeça do alto, verifica-se que eIa tem um contorno oval, pode ser no sentido longitudinal ou no sentido transversal. No primeiro caso, diz-se que a cabeça é dolicocéfala que (da palavra grega “dolichos”, longo), no segundo, é braquicéfala (da palavra grega “brachus”, curto). As cabeças de forma intermediária são “mesocéfalas".

A determinação dessas categorias não deve ser feita ao acaso, mas sim, comparando o comprimento da cabeça (da base da testa, à parte mais saliente do ocipício) com a sua largura (distância máxima entre as duas têmporas). Uma fórmula fácil permite calcular um algarismo que exprime a largura que teria a largura da cabeça se o comprimento fosse igual a 100; é o índice cefálico. Nos dolicocéfalos, é inferior a 76 (isto a largura não excede os 76% do comprimento; nos mesocéfalos, vai de 76 a 81; nos braquicéfalos, ultrapassa este último algarismo).”

A forma do rosto também pode variar: a face é estreita ou larga, oval ou quadrangular, achatada ou abaulada. A modificação mais importante do ponto de vista racial é o grau de desenvolvimento das maxilas: em certas raças, em particular as negras, são salientes: é o prognatismo; se, ao contrário, o perfil é retilíneo, temos o ortognatismo.

O nariz é passível de grandes modificações: fino e proeminente nos europeus, torna-se muito largo e chato em muitas raças de cor. Exprime-se essa modificação pelo índice nasal, cuja fórmula obedece ao mesmo princípio da do índice cefálico” (p. 13).

A CLASSIFICAÇÃO RACIAL DE VALLOIS
"A classificação aqui adotada admite vinte e sete raças, que podemos reunir em quatro grupos pelo conjunto dos seus caracteres:

1º) Raças primitivas, cujas disposições gerais indicam uma evolução morfológica menos avançada que nas outras; são em número de duas;
2º) Raças negras ou negróides, de pele escura, cabelos em carapinha ou fortemente ondulados, nariz geralmente largo; em número de sete;
3º) Raças brancas, de pele clara ou morena, cabelos encaracolados ou ondulados, nariz geralmente fino; em número de dez;
4º) Raças amarelas, de pele com um fundo amarelado, cabelos lisos ou ligeiramente crespos, nariz de largura variável; em número de oito.

O quadro ao lado dá a enumeração dessas raças e indica a sua distribuição pelas cinco partes do mundo.
VALLOIS E O FUTURO DAS “RAÇAS HUMANAS”
"Os fenômenos de expansão e regressão que acabamos de descrever estarão no fim? Em outros termos, poder-se-a supor que a distribuição racial chegou hoje a um estado de equilíbrio e já não muda na sua essência, tanto que o mapa das raças atualmente existentes permaneceria válido por muito tempo? A resposta não admite dúvidas. Não só não existe razão alguma para que os processos já em andamento paralisem, mas tudo faz supor que, se nenhum acidente vier bruscamente destruir ou modificar a civilização européia, eles só poderão aumentar. A multiplicação extraordinária das facilidades de transporte, a febre de prospecção e de exploração de todas as riquezas do solo terrestre, a necessidade paradoxal de uma mão-de-obra cada vez mais numerosa, à medida que o maquinismo se desenvolve, são outras tantas causas tendentes a suprimir as últimas barreiras que ainda protegem algumas raças. Que essa multiplicação de contactos entre todos os homens oferece perigo para os grupos antropológica e culturalmente primitivos, o exemplo do passado indica-o eloquentemente.

É de se esperar que o período em que uma raça destruía outra pela violência, está encerrado, — embora exemplos recentes mostrem que, nessa matéria, seria imprudente presumir demasiado — mas, a maioria das causas de extinção mencionadas num dos parágrafos precedentes, nem por isso deixarão de subsistir; a enorme desproporção de número entre as raças invasoras e as invadidas, acarretará a absorção do que restar destas últimas. Não estaremos muito errados prevendo que daqui a um ou dois séculos, e provavelmente menos, os bochimanos, os hotentotes, os ainu, os australianos, os polinésios, os negritos terão terminado sua existência como raças independentes. A sua única possibilidade de salvação seria a criação de “reservas” análogas às já instituídas para as espécies animais em via de extinção Porém, nesse setor, o homem prefere conceder a sua proteção aos bichos, a concedê-la aos seus semelhantes!” (p. 129).

Qualquer semelhança entre o último parágrafo do texto de Vallois com uma passagem escrita por Darwin em seu “A Origem do Homem”, não é mera coincidência. Os evolucionistas, por suas convicções exageradas no progresso das civilizações, sempre previram a extinção das “raças” que, segundo eles, retrocederam durante o processo evolucionário.

Em algum período futuro não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem exterminarão e substituirão, quase com certeza, as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos... serão sem dúvida exterminados. A brecha entre o homem e seus parentes mais próximos será ainda mais larga, pois ela se abrirá entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o próprio caucasiano, e algum macaco tão inferior quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila” (Charles Darwin: “The Descent of Man”, p. 178).

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É isso!

Fonte:
Henri V. Vallois: “As Raças Humanas”. Difusão Européia do Livro. Tradução: Y. Leite. São Paulo, 1954.

Um comentário:

  1. Quanto mais se relaciona a taxonomia humana ao etnocentrismo, mais estarão alimentando o preconceito desnecessário.
    É uma obra antiga, e etnicamente falando, ficou muito pobre, mesmo que ele queira uma classificação aparentemente fenotípica. Mas relacionar com nazismo é muita canalhice.
    A única frase da crítica que me pareceu congruente, foi a seguinte: ''teorias e conceitos científicos são tão transitórios ou efêmeros quanto as doutrinas religiosas. ''.
    Abraço

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