"A trajetória de vida de Macedo revela curiosa proximidade com números. Aos 17 anos ingressou como office-boy na Loterj - Loteria do Rio de Janeiro – trabalhando durante dezesseis anos como funcionário público. Deixou a carreira no funcionalismo somente em 1977, quando exercia a função de agente administrativo, para se dedicar exclusivamente à IURD. Diferentemente da maioria dos líderes pentecostais, freqüentou, no começo dos anos 70, os bancos universitários. Estudou Matemática na Universidade Federal Fluminense e Estatística na Escola Nacional de Ciência e Estatística, sem, contudo, concluir os respectivos cursos. Disto talvez decorra o fato de existir em Macedo, por trás da figura eclesiástica, também a de um empreendedor sempre à vontade com números e balanços contábeis. Tal preparo deve, naturalmente, ter contribuído para que viesse a ser reconhecido como negociador habilidoso, também no âmbito eclesiástico. Ricardo Mariano ainda observa tal característica, associando a projeção do movimento iurdiano à figura do seu líder, destacando a controvertida, mas funcional atuação desempenhada:
Parte do sucesso da IURD deve ser creditada a seu controverso líder, bispo Edir Macedo, sobre o qual não há unanimidade. Venerado por fiéis e subalternos, invejado e criticado por adversários religiosos e pastores concorrentes, acusado pela polícia, pela Justiça e pela imprensa de charlatanismo, estelionato, curandeirismo e de enriquecimento às custas da exploração da miséria, ignorância e credulidade alheias. Edir vai, em parte graças ao Diabo que tanto ataca, interpela e humilha, construindo a passos largos seu império.
A projeção financeira da IURD, que acompanhou o ritmo acelerado da multiplicação dos seus templos, também suscitou inúmeras polêmicas. Reportagens do início da década de 90 calculavam a arrecadação financeira dos templos em “cerca de 150 milhões de dólares ao ano”. Na ocasião da aquisição da TV Record, estratégias de captação de recursos ainda mais agressivas vieram à tona, a fim de garantir a compra dessa emissora e de várias outras estações de rádio adquiridas no período. Mário Justino, então pastor da IURD, relata sobre um megaculto promovido pela IURD no estádio de futebol da Fonte Nova, em Salvador – BA, com a presença de Macedo:
O bispo, depois de recolher os envelopes com as ofertas, denominadas de “sacrifício”, e com os pedidos de oração, que seriam levados para o Monte das Oliveiras, em Jerusalém, pediu aos seus seguidores baianos uma oferta especial para comprar uma emissora de rádio em Salvador, assim como seus fiéis cariocas o haviam contemplado com a Rádio Copacabana. – “Será que os cariocas têm mais fé que os baianos?” – referindo- se à multidão. – Não! – a resposta retumbou como um trovão. As ofertas vieram então em forma de dinheiro e jóias. Passamos três dias trancados em umas ala contando os sacos de dinheiro levantados no Fonte Nova. No final, o dinheiro foi depositado na conta da Igreja, no Bradesco, em Salvador. O ouro foi levado para o Rio de Janeiro e transformado em barras.
Um verdadeiro frenesi também foi causado na mídia pelas palavras de Macedo, proferidas numa concentração de fiéis que lotou o Estádio do Maracanã, com capacidade para mais de cem mil pessoas, na cidade do Rio de Janeiro: “Sacudam bem obreiros [as sacolas de oferta], para eles verem que estão vazias e só voltem quando estiverem tão cheias quanto um saco de pipoca”. Também foram impactantes as imagens que mostraram Macedo – em uma gravação em fita de vídeo – orientando seus pastores sobre como mobilizar os fiéis da Igreja a aumentar as contribuições financeiras. Tais imagens mostravam Edir Macedo, numa chácara, jogando futebol juntamente com a maior parte da liderança de sua igreja. Ao final daquela atividade, informalmente, ele passou a orientar os pastores sobre como deveriam agir na arrecadação de ofertas e na ousadia de conduzir a massa de fiéis:
Você tem que chegar e dizer: ó pessoal! Você vai ajudar agora na obra de Deus. Se quiser ajudar, amém. Se você não quiser ajudar, então Deus vai ajudar outra pessoa a ajudar, amém! Ou dá ou desce! Entendeu como é que é? Porque aí o povo vê coragem em você. O povo tem que ter confiança no pastor. Quer ver o pastor brigando com demônio! Se você mostra aquela maneira “chocha”, o povo não vai confiar em você. (...) Tem que ser o super-herói para o povo e dizer: Olha pessoal, vamos fazer isto aqui? É o grande desafio. Eu fiz isso. Eu peguei a Bíblia e disse: Oh! Deus! Ou o Senhor honra a sua palavra (...) e então joguei a Bíblia, que se despedaçou no chão. Fiz isso na igreja e na televisão. Então isso chama a atenção. O povo diz: Esse aí, pô, briga até com Deus! Cuidado, heim! Então tem aqueles que são tradicionais e dizem: Hi! Esse aí é um falso profeta... esse aí, então, não vai ser abençoado. Agora, têm outros que dizem: Puxa, há quanto tempo que eu queria isso, “poxa”, eu estou cansado de ler a Bíblia, de ler tantas palavras e não acontecer nada na minha vida. Então esse vai ficar do nosso lado. É tudo ou nada! E ele põe tudo lá. Quem embarcar está abençoado. Quem não embarcar fica. Então você nunca pode ter vergonha, timidez. Peça, peça, peça. Se, tem alguém que não quer dar, há um montão que vai dar. (...) O povo está cansado de falsa humildade. O padre é tão humilde, e não dá nada, não oferece nada. O padre com aquela maneira (...) e nós vamos lá, é isso mesmo, (sic) e bota pra quebrar, e vira cambalhota, e faz o povo ficar louco (...). Vejam o caso de Moisés, que se apresentou perante o povo com um cajado na mão – aquele mesmo que ele havia usado para abrir o Mar Vermelho e fazer tantos milagres no deserto - e perguntou: “a caso pode sair água dessa pedra?” Ele bateu com o cajado na rocha e então jorrou água e o povo ficou maravilhado. É também isso que vocês precisam dizer ao povo: quem aqui tem um cajado? O cajado é a fé e o “toque na rocha” significa a oferta de dez mil, cinco mil ou dois mil cruzados novos... Desafiem: se você tem o cajado, então use-o agora! Assim, as pessoas vão dar a oferta e o milagre vai acontecer...
Vários jornais e revistas, na ocasião, reproduziram denúncias sobre esse tema, como por exemplo, a revista Isto É (27/01/1996) e a Folha de S. Paulo 02/01/1996), que publicaram reportagens, apontando aspectos empresariais e de exploração financeira praticados pela IURD e apresentando dados de arrecadações, consideradas “exorbitantes”, de vários templos iurdianos.
Edir Macedo juntamente com a IURD também têm sido alvo de diversos processos criminais sob acusações de práticas escusas envolvendo dinheiro, tais como charlatanismo, vilipêndio do culto religioso etc. Exemplo disso se deu no dia 24 de maio de 1992, quando Macedo foi preso em São Paulo, acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato. Sua prisão teve origem num inquérito aberto, em 1989, por cinco ex-fiéis alegando terem doado dinheiro e bens à igreja em troca de milagres, que não teriam ocorrido. O Ministério Público de São Paulo acatou a denúncia e determinou a prisão. Mas três dias antes de ser detido, Macedo também fora indiciado com base no artigo 15 da Lei do Colarinho Branco, acusado de usar a IURD como instituição financeira clandestina. A acusação principal era de que o bispo teria adquirido grande patrimônio, graças à sua atividade frente à Universal. Segundo o Ministério Público, o patrimônio pessoal de Macedo chegava, em 1992, ao equivalente a 100 milhões de reais. Vale observar que, antes, esse mesmo tribunal, a 21ª Vara Criminal de São Paulo, já havia absolvido Edir Macedo em outros dois processos. Um deles, que tratava de ataques contra cultos afro-brasileiros, acusava quatro pastores da IURD de terem invadido um templo de umbanda em Diadema, município da grande São Paulo, em abril de 1990. Nesse processo, Macedo foi acusado de estimular publicamente os ataques a adeptos daquela religião que, segundo ele, eram “adoradores do demônio”. Num outro inquérito, o bispo era acusado de vender “óleo bento” aos fiéis que participavam dos cultos de sua igreja.
Traduzida como símbolo da existência de perseguição religiosa no país, sua prisão também foi capaz de mobilizar fiéis, pastores e políticos evangélicos. Em primeiro de junho de 1992, preso há oito dias, “cerca de dois mil fiéis da IURD formaram uma corrente humana em volta da Assembléia Legislativa de São Paulo para protestar contra a sua detenção”. Entendendo ser esta uma questão de liberdade religiosa, líderes evangélicos também reagiram imediatamente. Logo vários políticos, evangélicos e não evangélicos, solidarizaram-se com Macedo. Curiosamente, até mesmo alguns dos segmentos religiosos que se sentiam concorrencialmente ameaçados pela atuação da IURD, uniram-se naquele momento, em prol de um interesse comum. Duzentos pastores protestaram na Assembléia Legislativa de São Paulo, argumentando que a prisão fora manipulada por grupos ligados ao setor de comunicações que a propriedade da Rede Record estava ameaçando, e os setores religiosos, que estavam tendo seus membros captados pelo discurso da Universal. Reunidos no interior da Assembléia, os pastores, representando 34 igrejas, e 30 deputados redigiram documento repudiando o ocorrido, o qual apresentava o seguinte teor:
O Brasil vive nos últimos dias momentos de preocupação no que diz respeito aos direitos de expressão religiosa e suas garantias constitucionais. Os 35 milhões de evangélicos em todo o país exigem o cumprimento da Constituição e o fim de todo tipo de discriminação religiosa.
Doze dias depois, Macedo foi solto. Vale ressaltar a habilidade sempre demonstrada por ele em lidar com as “regras do campo”, fato que lhe tem permitido grande capacidade de reverter obstáculos em benefício do grupo. Quando esteve preso, representou bem o papel de vítima, recorrendo comparativamente à imagem de sofrimento de Cristo e dos apóstolos. Dizia-se “orgulhoso de estar preso em nome de Deus”. Atrás das grades, ao conceder entrevistas ou deixar-se fotografar, aparecia lendo ou portando uma Bíblia. Até bem pouco tempo, quem tomava a Folha Universal para uma primeira leitura teria sua atenção despertada para uma imagem: em seu logotipo uma foto do bispo em uma cela de presídio, fazendo a leitura da Bíblia. A imagem no jornal ajuda a preservar e a manter vivo na memória dos fiéis o ato heróico do seu líder, cuja confiança se observa no depoimento de um obreiro da IURD:
O bispo não mente conforme as revistas e a televisão dizem por aí. Ele é um servo de Deus, dedicado, honrado, infelizmente, caiu nas garras da mídia, mas Deus fala através dele e as pessoas que têm fé crêem nisso. Eu a credito em tudo o que o bispo Macedo fala, pois sei que ele é iluminado, inspirado por Deus.
A confiança em seu líder, diante das experiências adversas que enfrentou, é destacada pela Igreja:
Calúnias, injúrias, difamações e ataques gratuitos somam-se a uma lista imensa de adversidades vividas pelo bispo Edir Macedo. Embora nunca se tenha aprovado nenhuma das acusações, ele não se deixou abater por nenhuma delas. Como lema principal de seu ministério, o bispo vive aquilo que prega e, diante das dificuldades, não se mostra nem mesmo cansado. O segredo, segundo ele é o emprego da fé sobrenatural, pois seus sonhos nunca foram baseados em emoções, mas sim na certeza de que com seu trabalho, aliado à ação do poder de Deus, tornariam-se realidade.
Ao se sentir afrontada pelas acusações de charlatanismo e abuso da fé popular, pela mídia e demais segmentos religiosos, a IURD também reagiu. Nos cultos, os jornalistas passaram a ser identificados como enviados do Diabo. Os fiéis receberam expressas orientações para não lerem nem darem crédito às notícias veiculadas na imprensa sobre a Igreja Universal e seus pastores, e de igual forma, para também não concederem entrevistas ou emitirem opinião a jornalistas sobre a Igreja:
Em meados de 1994, convictos ou tomados por paranóia de que havia uma conspiração em andamento para destruir a Universal, líderes da denominação proibiram todo e qualquer membro ou pastor de dar entrevistas ou esclarecimentos a quem quer que solicitasse. Além de jornalistas, pesquisadores passaram a não ser benquistos.
Em um grande evento realizado no estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, na ocasião, Edir Macedo, em tom combativo e convocatório, exclamou: “Estamos sendo castigados e perseguidos pela imprensa como cão danado. Eles querem arrancar nossa cabeça. Mas isto só aumenta a nossa fé”.
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É isso!
Fonte:
WANDER DE LARA PROENÇA: “SINDICATO DE MÁGICOS: Uma história cultural da Igreja Universal do Reino de Deus - 1977-2006”. (Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Milton Carlos Costa. Assis, 2006.
Nota:
Os milagres do dinheiro e o dinheiro dos milagres
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
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