As origens do Espiritismo

“A pré-história do Espiritismo remonta a relatos de comunicação com espíritos na Antiguidade e na Idade Média. Atualmente, o movimento encontra-se organizado, o que facilita ao pesquisador das Ciências da Religião detectar melhor o que não era possível em época remota.

É impossível fixar uma data provável às primeiras aparições do Espiritismo. Numerosos foram os precursores que enunciaram a suposta comunicação entre os vivos e os mortos. Em fins de 1852, desembarcavam no norte da Escócia alguns médiuns americanos que traziam em suas bagagens o Espiritismo Moderno.

A comunicação dos espíritos se deu então através das mesas girantes, batizadas pelos ingleses de “table-moving”, cuja técnica consistia nos médiuns ficarem sentados em volta de uma mesa de acaju com as mãos sobrepostas e, ao toque dos dedos, dava-se o fenômeno: uma presumida “energia magnética” fazia com que a mesa girasse lentamente e em velocidade crescente, sempre na direção norte. Os que estavam presentes poderiam acompanhar o girar da mesa ou até o seu “dançar”.

O Diário de Pernambuco do dia 02 de Julho de 1853 atraiu a curiosidade dos recifenses, por exemplo, com a seguinte notícia procedente de Paris: ”não se pode pôr pérem um salão, sem ver toda a sociedade em torno de uma mesa redonda, tendo cada um o dedo mínimo apoiado no do vizinho, e esperando todos em silêncio que a tábua queira voltear” (WANTUIL, 1958, p. 127). Essa energia desconhecida pelos apreciadores do referido fenômeno foi nomeada de força inteligente e o movimento circular das mesas parecia ser independente das pessoas.

As mesas girantes, que serviram de divertimento e zombarias nos salões, chamaram a atenção de Luigi Galvani, a cujas experiências se devem tantas aplicações da eletricidade. O fenômeno foi associado por ele a uma teoria que desenvolvera, chamada de “dança das rãs”, de onde havia tirado o princípio fundamental da eletricidade e do magnetismo (WANTUIL, 1958, p.183).

Um vidente chamado Emmanuel Swedenborg, nascido em Estocolmo, no dia 29 de janeiro de 1688, filho de pais luteranos, professor de Teologia na Universidade Uppsala, no ano de 1745, encontrava-se sozinho, à noite, quando algo estranho surgiu a sua frente, anunciando uma Nova Revelação. Surpreso com o acontecido, assim se expressou após a experiência:

Devo, pois, de antemão manifestar que pela divina misericórdia do Senhor, foi-me permitido, desde há muitos anos, estar constantemente em companhia de anjos e espíritos, ouvi-los falar e falar com eles. Deste modo foi-me permitido ver e ouvir coisas maravilhosas na outra vida, as quais nunca antes chegaram a conhecimento de homem algum, nem nunca passaram pela mente humana. Fui informado a respeito de diferentes classes de espíritos, os estados da alma após a morte; o inferno, ou seja, o estado lamentável dos infiéis; o céu, ou seja, o estado bem-aventurado dos fiéis, e, especialmente, a respeito da doutrina da fé universalmente reconhecida no céu, de cujas coisas, mediante a Divina Misericórdia do Senhor, mais se dirá no que se segue (SWEDENBORG, 1989, p. 13).

Swedenborg era possuidor de mediunidade, consagrou o Espiritismo como uma “nova religião psíquica”, podendo, ainda, devido a sua contribuição aos fenômenos mediúnicos, particularmente no que diz respeito ao transe, ser reconhecido como o Revelador dos fenômenos supranormais. Entretanto, ele não foi o único a levantar essa hipótese de comunicação entre as almas vivas e as almas mortas: Kaspar Lavater (1741-1801), um pastor calvinista de Zurique, juntamente com Swedenborg, fizeram parte de um movimento através do qual o contato com as forças pertencentes ao além túmulo ganhou uma forte aceitação. Para Lavater, o mundo invisível apresenta-se da seguinte forma:

Penso que o mundo visível deve ser perfeitamente penetrável para a alma separada do corpo, assim como o é durante o sono, ou por outra, o mundo em que a alma estava durante sua existência corpórea, deve aparecer-lhe sob outro aspecto, quando ela se desmaterializa. Se, durante algum tempo, a alma pudesse estar sem corpo, o mundo material não existiria para ela. Se, porém, imediatamente depois de haver deixado o corpo, ela se reveste de um corpo espiritual, extraído do seu corpo material, o novo corpo dar-lhe-á, forçosamente, uma diferente percepção das coisas (LAVATER, apud, DENIS, 2006, p.78).

Oficialmente, o dia 31 de março de 1848 foi um marco dessa nova religião, graças à coragem das irmãs Fox em desafiar forças ocultas e temidas pela grande maioria das pessoas. Na família Fox, em Hydesville, Estado de New York (EUA), que deu grande visibilidade ao Espiritismo, havia duas filhas: Margareth, de catorze anos e Kate, de onze. A casa onde eles moravam gozava de má reputação: várias famílias residiram lá, o que levou a casa a ter fama de mal assombrada.

A família Fox passou a ouvir ruídos que eram também notados pelos antigos inquilinos, ruídos semelhantes aos que haviam ocorrido em vários outros locais do mundo. Na noite de 31 de março de 1848, as irmãs Fox desafiaram a força invisível a repetir as batidas que elas davam com os dedos: para cada pergunta cuja resposta fosse sim, correspondia a uma batida, caso contrário, seriam duas batidas. Um jogo de perguntas e respostas levou aquela família a obter a informação de que um mascate havia sido assassinado naquela casa por antigos moradores com o intuito de roubar, e seu corpo havia sido enterrado na adega. O achado dos ossos praticamente corrobora a declaração feita sob juramento por Margaret Fox, em 11 de abril de 1848.

O escritor da língua neolatina Victor Hugo interessou-se em estudar os fenômenos do voltear das mesas, observando aí a confirmação de suas ideias filosóficas e religiosas. É nessa convicção que escreve em 19 de setembro de 1854:

Os seres que povoam o Invisível e que vêem os nossos pensamentos sabem que há vinco cinco anos me ocupo dos assuntos que a mesa suscita e aprofunda. Mas de uma vez a mesa me tem falado desse trabalho; a Sombra do Sepulcro incitou-me a terminá-lo. Nesse trabalho, evidentemente conhecido no Além, nesse trabalho se vinte cinco anos eu encontrara, apenas pela meditação, muitos resultados que compõem hoje a revelação da mesa; vira distintamente confirmado algum desses resultados sublimes; entrevira outros que viviam no meu espírito num estado de embrião confuso. Os seres misteriosos e grandes que me escutam vêem, quando querem, no meu pensamento, como se vê numa gruta com um archote: conhecem a minha consciência e sabem quanto tudo o que acabo de dizer é rigorosamente exato. E isto é tão exato, que fiquei por momentos contrariado, no meu miserável amor-próprio humano, com as revelações atuais, que veio lançar à volta da minha lâmpadazinha de mineiro o clarão dum raio ou dum meteoro. Hoje, tudo o que eu vira, é de todo confirmado pela mesa: e as meias revelações à mesa as completam. Neste estado de alma, escrevi: ”O ser que se chama Sombra do Sepulcro aconselhou-me a terminar a obra começada; o ser que se chama Ideia foi mais longe ainda e ”ordenou-me” que fizesse versos atraindo a piedade para os seres cativos e punidos, que compõem o que parece aos não videntes a Natureza morta. Obedeci. Fiz versos que Ideia me impôs (KARDEC, 1993, p. 326 e 327).

O kardecismo francês
O Espiritismo na França e nos países de origem latina concentra-se em torno do Professor Hippolyte Leon Denizard Rivail, que nasceu em Lyon, em 03 de outubro de 1804, onde seu pai era juiz. Em 1855, os fenômenos que estavam abalando a Europa causaram um enorme interesse ao Pesquisador, foi quando iniciou estudos sobre o magnetismo animal e o sonambulismo, levando-o a frequentar as reuniões mediúnicas onde aplicava passes. Foi Hippolyte Leon Denizard Rivail, com o auxilio de médiuns previamente selecionados, quem escreveu um Pentateuco teórico de natureza filosófico-científica.

Segundo afirmação de Rivail, ele ficou incumbido pelos espíritos, em uma sessão, de organizar e codificar a doutrina espiritual que deveria revolucionar os pensamentos filosófico, religiosos e científicos, apoiados nas comunicações entre os mortos e os vivos, os encarnados e os desencarnados (KARDEC, 1968, p. 148). Adotou pseudônimo de origem celta Allan Kardec, nome recebido, segundo ele, de uma encarnação passada, onde fora um feiticeiro da época dos druidas.

O Livro dos Espíritos veio à luz em 1857 e tornou-se o livro básico da religião espírita na França. O livro foi assim chamado, segundo Allan Kardec, por exigência dos espíritos, pois teriam sido eles, os próprios espíritos, os autores para as respostas formuladas pelo Codificador. As perguntas cuidadosamente elaboradas por Kardec foram questões relacionadas com fatos que afetam diretamente a humanidade e submetidas ao crivo racional, lógico e científico do Codificador.

Em seguida, outros livros foram publicados em 1861: O livro dos médiuns, em 1864; O evangelho segundo o espiritismo, em 1865; O céu e o inferno, em 1867; A gênese; além de publicações de trabalhos sob o título, O que é o espiritismo.

Assim, o Espiritismo só apareceu no mundo como doutrina no dia 18 de abril de 1857, data da publicação de “O livro dos espíritos”, cuja revelação não foi por intermédio de um Messias, ou por um profeta, mas uma revelação trazida, segundo se compreende no Espiritismo, pelos próprios espíritos, com o auxílio de médiuns escolhidos por Rivail. Essa revelação dos espíritos, para os crentes espíritas, tornou-se um divisor de fronteiras que separavam os vivos dos mortos e o que une os dois mundos, o espiritual e o material.

Desde que o homem existe sobre a Terra, existem os Espíritos, e, desde então, também, os Espíritos se manifestaram aos homens. A história e a tradição formigam de provas a esse respeito; mas seja porque uns não compreendessem os fenômenos dessas manifestações, seja por que outros não ousassem divulgá-las, de medo da prisão ou da fogueira, seja que estes fatos fossem levados à conta de superstição ou charlatanismo pelas pessoas muito prevenidas, ou que tinham interesse em que não se fizesse à luz, seja, enfim, porque fossem levados à conta do demônio por uma outra classe de interesses, é certo que, até estes últimos tempos, esses fenômenos, embora bem constatados, não tinham sido explicados de modo satisfatório, ou que, pelo menos, a verdadeira teoria, não tinha penetrado no domínio público, provavelmente porque a Humanidade ainda não estava madura para isto, como para muitas coisas maravilhosas que se cumprem em nossos dias. Estava reservado a nossa época ver eclodir, no mesmo meio século, o vapor, a eletricidade, o magnetismo animal, que eu entendo pelo menos, como ciências aplicadas e, enfim, o Espiritismo, o mais maravilhoso de todos, quer dizer, não só a constatação material da nossa existência imaterial e da nossa imortalidade, mas ainda o estabelecimento de relações materiais, por assim dizer, constante entre o mundo invisível e nós (KARDEC, 1993, p.15).

A perseguição religiosa9 e a política exercidas pela Igreja contra os espíritas e, principalmente, contra os médiuns, foi tanta que, pouco a pouco, o Espiritismo foi sendo abandonado pelos fiéis, ou os que resistiram à pressão reuniram-se às ocultas. “Esforços para diferenciar o Espiritismo das práticas afro-brasileiras foram constantes, essa tentativa é o resultado de preconceito que se introduziu no espiritismo brasileiro” (BASTIDE, 1971, p.483).

Mas a nova religião tornou-se popular; a mudança de comportamento dos fiéis católicos abriram portas para o surgimento de um sincretismo religioso entre os praticantes do espiritismo, fatos não aceitos pela ortodoxia da Igreja Católica transformam o Espiritismo em uma religião ritualística. Uma das principais razões para o aumento da procura de pessoas pela nova religião, foi a promessa de possibilidade em saber notícias dos seus entes queridos, através dos meios mediúnicos, exercidos por pessoas dotadas de faculdade especial, capazes de sentir as manifestações espirituais e se comunicarem com o além."

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É isso!


Fonte:
Francisca Niédja Barros Teixeira: “IMPOSIÇÃO DE MÃOS: Um estudo de religiões comparadas”. (Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do Grau de Mestre em Ciências da Religião, Linha de Pesquisa Tradição Judaico-Cristã Cultura e Sociedade do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Universidade Católica de Pernambuco. Orientação: Professor Doutor Gilbraz de Souza Aragão). Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Recife , 2009.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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