A essencialidade do diabo na manutenção da doutrina da Igreja Universal do Reino de Deus

“A luta entre o Bem e o Mal, ou melhor, a guerra entre Deus e o Diabo fundamenta a teologia da IURD. Sem o Diabo não existiriam infortúnios e milagres. Esta visão de um Diabo presente e atuante em todas as esferas do cotidiano constituiu-se a partir da releitura de trechos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento e com o pensamento religioso medieval e moderno, como demonstrado nos tópicos anteriores. Naquele período o Demônio ocupava lugar central entre Católicos e Protestantes na construção de suas teologias. Visão que se estendeu aos pentecostais baseados na crença de contemporaneidade do Espírito Santo, extensivo aos seus adeptos que em nome de Jesus poderiam expulsar demônios e promover curas e milagres. Inclusive nesta concepção doenças e injustiças em sua maioria tem causas demoníacas.

Mesmo que os pentecostais da primeira e segunda ondas tenham retrocedido na
concepção de um Diabo quase onipotente, devido a noção de que os crentes estão sob a proteção divina pelo simples fato de professarem a doutrina pentecostal em nenhum momento deixaram de acreditar no poder do Diabo sobre o homem. Eles, também, tendiam a identificar o demônio com as religiões mediúnicas e católica, pela crença em outros deuses e oculto aos santos considerado como idolatria. (MARIZ, 1997)

Mas na IURD como assinala Mariano o Diabo é onipresente, visão esta que se insere numa vertente mais ampla denominada Teologia do Domínio que emerge nos meios cristãos dos EUA, nos anos 80, e na qual se desenvolveu conceitos totalizantes sobre a guerra dos cristãos com o Diabo. Nesta concepção a luta é travada contra demônios específicos denominados espíritos territoriais e hereditários. Tais demônios são “[...] Considerados demônios de alta posição na hierarquia satânica, os espíritos territoriais estão distribuídos pelo Diabo para agir sobre áreas geográficas (bairros, cidades, países), instituições e grupos étnicos, tribais e religiosos [...]” (MARIANO, 1999, p. 137).

Edir Macedo defende, a partir desta perspectiva, não apenas a contemporaneidade do Espírito Santo, como também a do demônio, que nesta concepção é um ser ahistórico. Desde a Antiguidade adquiriu várias configurações e atuam em qualquer região geográfica, sendo assim, segundo Macedo os negros africanos:

“[...] trouxeram com eles as seitas animistas e fetichistas que permeavam seus países de origem na África. Aqui, encontraram muita afinidade por parte dos índios que tinham também uma forma de religião semelhante, onde os espíritos dos mortos eram consultados e onde se faziam trabalhos
para agradarem aos desencarnados ou deuses em seus rituais, ora folclóricos, ora macabros. Para evitar atritos com a Igreja Católica, os escravos que praticavam a macumba, inspirados pelas próprias entidades demoníacas, passaram a relacionar os nomes dos seus deuses ou, para ficar mais claro, demônios, com os santos da Igreja Católica. Assim, podiam escapar à grande perseguição que a própria Igreja Católica moveu contra eles, após a libertação dos escravos, por praticarem tais cultos” (MACEDO, 2005, p. 44).

Por essa razão os nomes usados pelos demônios, que na visão de Macedo são os
Orixás e as entidades do panteão afro-brasileiro, coincidem com a dos santos da Igreja Católicas,

“[...] Na umbanda, por exemplo, São Jorge representa Ogum; a Virgem Maria representa Iemanjá; a Santíssima Trindade representa demônios como Zambi, Oxalá e Orixalá. Basicamente, eles são os exus (espíritos atrasados) ou orixás, que afirmam ser adiantados” (MACEDO, 2005, p. 45).

Por esta lógica existe a crença num domínio diabólico sobre os seres humanos destes grupos sociais e a libertação depende da guerra espiritual a fim de restituir a Deus a posse do ser humano. Idéia antiga que pode ser encontrada no século XV quando Alphonsus de Spina, teórico da Igreja já fazia tentativas de estabelecer o número das hostes malignas, definir a hierarquização, função e território de atuação dos demônios. Afirmava, ainda, que cada ser humano tinha um demônio pessoal que o acompanhava por toda vida, da mesma maneira que fazem hoje em dia os adeptos da teoria dos espíritos hereditários.

Os espíritos hereditários ou de geração relacionam-se com as maldições familiares. A IURD adepta desta concepção crê que todo indivíduo, cuja família em alguma época teve contato com idolatria, espiritismo ou práticas religiosas anti-bíblicas traz consigo uma maldição originada por demônios herdados. A libertação implica em renunciar ao pecado ancestral e as ligações demoníacas e “quebrar”, através do poder de Deus acionado em cultos de libertação, tais maldições. Para Mariano essa idéia objetiva explicar fenômenos recorrentes ou que fogem a dinâmica normal familiar como alcoolismo, prostituição e vícios, que podem ser encerradas neste discurso de maldição hereditária. Todo e qualquer comportamento desviante ou acontecimento excepcional pode ser significado por esta crença. Além de deslocar as explicações de suas causas da ética para o transcendental com o mesmo ocorrendo com problemas sociais históricos relativos às desigualdades intrínsecas da nossa sociedade. Mariano cita a fala de um defensor da crença como ilustração,

“‘Foi através da genealogia de Caim que as armas vieram a existir, as guerras se espalharam na terra e os homens tornaram-se violentos’, diz Robson Rodovalho, especialista em guerra espiritual. Para ele, “nossa sociedade aceita com naturalidade as favelas, os menores abandonados nas ruas e um salário mínimo tão absurdo” por causa da ‘mentalidade’ dos escravocratas dos quais ‘estes princípios que estão impressos em nossas estruturas sociais’ e em ‘nossos genes’ (MARIANO, 1999, p.140).

Mariano destaca que nessa concepção o Diabo é enfatizado como princípio explicativo do Mal, da falta de ética e problemas sociais. Dessa forma abre um parêntese para discutir a questão da ética e da culpa (resultado de escolhas) nesta religião. Observa que mesmo tão moralistas quanto suas precedentes a IURD (e demais igrejas neopentecostais) não destaca o livre-arbítrio, ou seja, as escolhas éticas que derivam em Bem/Mal. Quando transgridem normas são atingidos por males e sofrimentos seus fiéis são colocados na posição de vítimas do Diabo, pela própria condição pecaminosa que lhes é inerente.

São vulneráveis, pois não estão ainda sob o “poder de Deus”, assim, a libertação está condicionada à proximidade maior ou menor com Deus. Mais a tentação é constante, justificando inclusive crimes pelos quais os praticantes não se sentem responsáveis, visto que estavam possuídos por demônios.

Afinal estão sob jugo demoníaco que interfere em todos os parâmetros da existência,

“[...] Responsável pelo mal, incessantemente o inimigo tenta, oprime, possui, escraviza e aflige suas vítimas com sofrimentos físicos e psíquicos. O príncipe deste mundo está sempre em posição de ataque. Dita e delimita ação divina posterior realizada para reverter suas obras, Deus vem em seguida para exorcizar, curar, acudir e abençoar aos que caíram nas garras do Diabo [...]” (MARIANO, 1999, p.146).

Num círculo incessante que se fecha e se refaz, a luta eterna condiciona e significa todos os problemas humanos entre os quais saúde e prosperidade são os mais recorrentes."

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É isso!

Fonte:
Waléria Vieira de Almeida: “Igreja Universal do Reino de Deus: Análise do processo de demonização na busca pela hegemonia no campo religioso Neopentecostal”. (Dissertação apresentada ao Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História, na área de concentração História da Religião. Orientador: Professor Doutor Sérgio Alberto Feldman). Universidade Federal do Espírito Santo . Vitória, 2007.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

Um comentário:

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