“É difícil imaginar o que pensaria cada um de nós, ao nos depararmos com uma batata crua, cortada sobre a mesa, onde se veriam pontos minúsculos, de cores diferentes, em relevo sobre sua superfície. Provavelmente, pensaríamos naquele fenômeno como um fato interessante, bonito de ser visto, digno de uma natureza sempre pródiga em belezas inesperadas. É claro que isto aconteceria, se levássemos em consideração o fato de não estarmos munidos de uma priori, para podermos observar aquela surpreendente maravilha, com um olhar mais objetivo. Não foi assim que ocorreu com Robert Koch que, de obscuro médico de uma aldeia alemã, transformou-se em um grande cientista que, junto a Pasteur, pode ser considerado o responsável pelo nascimento da moderna bacteriologia.
Koch, em 1876, já havia demonstrado que o antraz era produzido por um bacilo que se desenvolvia em caldos de cultura, que inoculado em cobaias era capaz de reproduzir a doença em estudo, com todas suas características. Citamos, anteriormente, que Pasteur desenvolveu a vacina contra o antraz, mas é justo que se reconheça que, preliminarmente, a descoberta de seu agente etiológico se deveu a Robert Koch. E foi justamente a divulgação dessa descoberta que o retirou do ostracismo de sua aldeia para a cidade de Berlim, onde foi possível trabalhar em melhores condições, com os mais atualizados microscópios da época.
Robert Koch tem, hoje, seu nome associado ao Bacilo de Koch, agente causador da tuberculose, como demonstrou. O que muitos desconhecem, no entanto, é que esta descoberta se deveu ao acaso daquela batata cortada sobre a mesa, que o fez intuir sobre algo que ali estaria acontecendo e que há muito tempo ele buscava. É bom que se recorde do comerciante holandês, Anton Leewenhoek que há mais de duzentos anos mostrava seus animaizinhos invisíveis à luz de suas lentes rudimentares, sem que houvesse ainda a idéia da associação entre os mesmos e as doenças que causavam. Ou então de Pasteur que, à mesma época de Kock, ainda era possuído pela idéia de que um microorganismo específico era capaz de provocar doenças de várias categorias. Koch vivia buscando o aperfeiçoamento cada vez maior de sua técnica microscópica, sendo que a ele devemos a invenção da lente imersa em óleo, para visualização de germes antes invisíveis pela técnica da lâmina a seco; da introdução de gelatina no caldo de cultura, transformando-o em campo sólido, meio que facilitaria o cultivo de colônias de bactérias puras, separadas umas das outras; e, finalmente, aquela descoberta tão importante de que certos microorganismos possuem afinidade por certos corantes, técnica que começou a por em prática, a fim de distinguir, em lâmina, um germe do outro. Esta última descoberta foi feita depois que Koch observou com olhos de cientista os pontos coloridos da batata descascada. Raspando a superfície de cada um desses pontos, ele pode observar que, invariavelmente, cada uma delas era foco de uma, e apenas uma, espécie de microorganismos.
Sua intuição, depois objetivamente comprovada, resultou em um dos maiores avanços da moderna bacteriologia e, graças a ela, o mundo pôde ser surpreendido, em 24 de março de 1882, com o anúncio da descoberta do agente causador da tuberculose, um pequeno bacilo que, em homenagem ao seu descobridor, recebeu seu nome.
Observar batatas cortadas sobre a mesa não é um hábito comum entre nós. No entanto, mais especificamente, é possível que, muitas vezes, também passemos ao largo de nossos pacientes, quando não lhes damos a devida atenção para a interpretação do que está ocorrendo com eles naquele exato momento em que o vemos. Ou deixamos que outros o façam, formulando uma teoria que depois seguiremos, ou nos esquecemos de nossa capacidade intuitiva e dedutiva, deixando aos exames laboratoriais a missão de “clarear” os resultados que buscamos. Para se alcançar a objetividade de Robert Koch, não devemos menosprezar o fato de que a mesma só se tornou possível graças à sua capacidade de observação e intuição, depois objetivada com tal orientação científica, que culminou em seus famosos Postulados que, até hoje, ainda norteiam os pesquisadores, no campo da bacteriologia:
1. O germe causador da doença deve estar presente em todos os casos da mesma, e deve ser encontrada no corpo, sempre que a doença aparecer.
2. Extraído do corpo, o germe deve crescer em uma cultura pura de laboratório, por várias gerações microbianas (as bactérias não têm vida sexual, dividem-se em duas indefinidamente).
3. Essa cultura deve transmitir a doença a um animal suscetível, ser recolhida dele em outra cultura pura e transmitir a doença a outro animal.
Tais postulados, divulgados há quase um século e meio, como se percebe, não representam meras frases conceituais, mas evidências que fundamentam uma pesquisa científica e uma atitude médica coerente com seus princípios. Não se trata mais de mera atitude intuitiva, mas de uma antevisão de resultados coerentes com princípios dedutivos, fruto de um labor continuado com o que já começava a estruturar-se como ciência verdadeira."
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É isso!
Fonte:
Wilson Daher: “De Girolamo Fracastoro a Archie Cochrane: da Intuição Privilegiada à Medicina Baseada em Evidências”. (Tese apresentada à Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto para obtenção de Título de Doutor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Eixo Temático: Medicina e Ciências Correlatas. Orientador: Prof. Dr. Moacir Fernandes de Godoy). Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto, 2006.
Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
A importância de Robert Koch para a Medicina
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