As teorias racistas e seus paradoxos

“O debate eugenista e evolucionista que, em décadas imediatamente anteriores, foi hegemônico nos principais centros de pesquisa europeus, penetram no Brasil deparando-se com um contexto muito distinto das sociedades européias. A segunda metade do século XIX, mais especificamente a década de 1870, representou um momento crucial no que diz respeito ao problema das relações raciais no Brasil. Durante esse período, além da desestruturação do regime escravocrata brasileiro, instaurado no Brasil desde o início do século XVI, acentuam-se as discussões sobre a adoção de um novo regime político. Paralelamente, temos o fortalecimento de centros de estudos nacionais que buscam, diante de todas essas transformações, pensar e analisar projetos para uma nova nação que estava por começar. A guerra do Paraguai, o fim da escravidão e o republicanismofizeram da segunda metade do século XIX um momento de inovação. A elite intelectual tentava criar um esboço de uma nova nação que, ao mesmo tempo em que buscava se libertar de certas amarras do Império, não possuía ainda um novo projeto político claro. A mudança era inevitável e, algumas vezes, até mesmo desejada. Assim como nos revela Lilia Schwarcz:

“Em meio a um contexto caracterizado pelo enfraquecimento e final da escravidão, e pela realização de um novo projeto político para o país, as teorias raciais se apresentavam enquanto modelo teórico viável na justificação do complicado jogo de interesses que se montava. Para além dos problemas mais prementes relativos à substituição da mão-de-obra ou mesmo à conservação de uma hierarquia social bastante rígida, parecia ser preciso estabelecer critérios diferenciados de cidadania. É nesse sentido que o tema racial, apesar de suas implicações negativas, se transforma em um novo argumento de sucesso para o estabelecimento das diferenças sociais”.

Segundo a autora, os discursos evolucionistas e deterministas penetram no Brasil como argumento para explicar, justificar e solucionar as diferenças internas. No contexto de abolição do trabalho escravo e, buscando a conservação da hierarquia social consolidada por esse regime, os intelectuais brasileiros, os “Homens da Sciencia”, passam a importar as teorias cientificistas da Europa Ocidental, se auto-representando como essenciais e fundamentais nos debates acerca das soluções para os problemas nacionais e para o destino do país. O Brasil precisava modernizar-se, romper com as amarras do passado colonial considerado, a partir de então, arcaico e retrógrado. Pensar sobre os problemas e soluções para o Brasil passava, inexoravelmente, por refletir sobre a questão racial, sobretudo nesse contexto do desenvolvimento de teorias eugenistas e evolucionistas. Em um momento de transformação das estruturas políticas e de consolidação de uma "nova" nação - abolicionista e republicana - o debate sobre a formação do povo brasileiro torna-se imperativo.

A desqualificação dos critérios biológicos para a compreensão das diferenças entre os diversos grupos humanos é historicamente recente. Em momentos de formação, consolidação e/ou transformação dos Estados-Nacionais, sobretudo durante os séculos XVIII e XIX, os parâmetros naturais e biológicos representavam a base explicativa para a diferença entre nações e grupos humanos. Paradoxalmente, a ideologia iluminista possuiu um efeito duplo nas discussões sobre relações raciais. Se, por um lado, existia a busca pela concretização das promessas de igualdade aliada à luta pela efetivação dos direitos naturais e universais de todos, por outro, foi justamente a necessidade de classificar as sociedades que rejeitavam os princípios iluministas que propiciou o surgimento de teorias racialistas. Assim, como disse Ricardo Benzaquen, na tentativa de melhor compreender o contexto iluminista e suas intersecções com as questões raciais, “
acabaremos por chegar a uma conclusão irônica e quase surpreendente: é como se a própria concepção de uma unidade efetiva e absoluta do gênero humano tivesse que se diluir e pulverizar no momento exato de sua concretização, dividindo-se entre uma infinidade de sub-raças, semitas, negróides e eslavas, por exemplo, todas comprometidas por sinais de nascença que limitava física e, portanto, drasticamente o seu acesso às conquistas do espírito, e uma solitária estirpe de super-homens, os já mencionados arianos, cujo favorecimento biológico os transformava nos singulares herdeiros do destino da humanidade”.

As correntes racialistas dividiam-se entre poligenistas e monogenistas para explicar o surgimento da espécie humana. Para os primeiros, as diferenças radicais entre alguns tipos de sociedade e grupos humanos podiam ser explicadas pelo fato de pertencerem a matrizes raciais distintas. A criação e formação da “raça humana” não teriam como centro dispersor uma única origem, mas múltiplos centros de criação. Não seríamos todos descendentes de Adão. Os monogenistas, por sua vez, mantinham o dogma cristão de um único ancestral comum para todos os homens. Ao afirmarem que as diferenças refletiam nada mais que um ritmo diferente de desenvolvimento, concluíram que todas as sociedades, inevitavelmente, avançariam para a mesma direção, rumo à civilização que, por sua vez, tinha as medidas da sociedade européia ocidental. No contexto destas interpretações, conceitos relativamente próximos, como diferença e desigualdade, ganham definições antagônicas. A noção de diferença está diretamente relacionada à linha teórica poligenista e pressupõe a existência de espécies humanas inexoravelmente distintas. Por outro lado, a noção de desigualdade está relacionada a diversidades transitórias e remediáveis, característica do monogenismo.

No período marcado pela desestruturação do trabalho escravo e crise do Império, ambas as interpretações estavam presentes nos debates realizados sobre o futuro do Brasil. Os representantes do poligenismo eram, em sua maioria, estrangeiros e viam o país como uma nação condenada ao fracasso, na medida em que “raças” de origens totalmente distintas se relacionavam gerando um novo tipo, inferior e estéril. Os intelectuais brasileiros, estrategicamente, estavam mais próximos do monogenismo, posição que permitia a solução do branqueamento e projetava um futuro melhor para o país. Se somos todos descendentes de um ancestral comum, a miscigenação com os povos brancos europeus conduzirá a evolução do povo brasileiro aos moldes da civilização européia, mesmo porque, conforme interpretação de Oliveira Viana, as características das “raças” inferiores são absorvidas pelas “raças” superiores, além do fato da miscigenação transcender o sangue e alcançar as idéias, como afirmava Silvio Romero.

Assim como já foi mencionado, o Brasil do final do século XIX e início do século XX era uma nação em construção, um país novo que desejava se apresentar internacionalmente como uma sociedade moderna e civilizada. Todavia, para muitos cientistas europeus, o Brasil era o exemplo de uma nação degenerada de raças mistas condenadas ao fracasso. Por isso mesmo, a escolha e interpretação das teorias, feita pelos intelectuais brasileiros adeptos do evolucionismo eugênico, foram sui generis. Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Oliveira Viana, cada um a seu modo, são exemplos de intelectuais da época que absorveram as teorias do “racismo científico”. Com previsões pessimistas para o futuro de uma sociedade com tamanho grau de miscigenação, propuseram, através da imigração européia, um embranquecimento gradual, única medida capaz de salvar o país.

Muitos foram os intelectuais brasileiros que pensaram a questão racial no Brasil inspirados no cientificismo europeu. Silvio Romero, por exemplo, baseou-se em pesquisadores de linha evolucionista, que buscavam explicar a história humana através de critérios físicos e biológicos, como o meio e a raça. Segundo Romero, a história do Brasil não deve ser entendida como a história dos portugueses, ou dos índios, ou dos negros. A história do Brasil passa pela história de um novo tipo, o mestiço, que não somente resulta da interseção entre os portugueses, índios e negros, como também tem influência, nesse novo tipo, o meio físico e a imitação estrangeira. A ideologia do cientificismo, suas investigações e conclusões desencadearam uma ideologia pessimista no que diz respeito ao futuro do Brasil. Romero foi um dos representantes desse rompimento com a anterior interpretação otimista nacionalista. Para o autor, os fatores determinantes do atraso brasileiro seriam primários ou naturais, secundários ou étnicos e terciários ou morais. No que diz respeito aos primários ou naturais, os principais problemas se concentrariam no calor excessivo e nas secas, em determinadas regiões, e nas chuvas excessivas e ausência de vias fluviais, em outras. Os secundários referem-se, principalmente, à incapacidade das “três raças” que formaram o Brasil. Já os terciários dizem respeito aos fatores históricos como política, legislação e costumes, que inicialmente eram efeitos, mas que já se transformaram em causas.

Por acreditar na incapacidade das “três raças” que formaram o Brasil, Silvio Romero insiste no branqueamento da população através da imigração constante, até porque acredita que a miscigenação transcende o sangue, e atinge também as idéias.

Outro importante autor foi Nina Rodrigues, que, assim como muitos dos intelectuais da época, possuía, indiscutivelmente, uma concepção racista em relação ao negro e ao índio. Sua originalidade e importância residem no seu interesse real em pesquisar as populações negras trazidas para o Brasil, assim como os vestígios e a recriação de certas heranças culturais, como a língua e a religião. Dante Moreira Leite chega a afirmar que embora Nina Rodrigues
“...sustentasse uma teoria cientificamente inaceitável, parece ter andado perto de uma concepção cultural do negro”.

Uma outra peculiaridade de Nina Rodrigues reside num certo paternalismo em relação às “raças inferiores”. Defendeu a tese de que, tendo as raças inferiores uma mentalidade infantil, não deveriam ser tão responsáveis quanto as raças “superiores”, ou seja, não poderiam ter o mesmo tratamento no Código Penal. Contudo, apesar desse racismo paternalista, afirmou que a presença da raça negra no Brasil sempre iria constituir um dos fatores de nossa inferioridade como povo. Qualquer qualidade atribuída a um negro, ou mestiço, derivava de alguma ascendência branca. O autor aceitava integralmente o evolucionismo do século XIX, e, na comparação com os EUA, afirmava que o desenvolvimento daquele país somente foi possível devido à enorme presença de brancos e à rígida separação entre brancos e negros. No Brasil, ao contrário, o atraso e as más qualidades do povo deviam-se à menor presença de brancos puros, à miscigenação e ao clima tropical, que favoreciam os negros e os mestiços.

Ao contrário de Nina Rodrigues, as obras de Oliveira Viana foram muito criticadas no que diz respeito às qualidades ou virtudes científicas, mesmo para os padrões da época. Nelson Werneck Sodré, por exemplo, afirma que sua obra revela “a falsidade irremediável dos seus métodos, a falta de um mínimo de informação, bem como suas tolices e sua fidelidade ideológica à aristocracia brasileira”. E Dante Moreira Leite acrescentou:
“O que nele parece teoria é imaginação gratuita, grosseira deformação de fatos e teorias alheias”.

Na opinião de Leite, no que diz respeito ao seu compromisso com a aristocracia e a sua teoria sobre o arianismo, Oliveira Viana buscava identificar-se com o grupo dominante. Viana afirmava que o Brasil entrou numa fase de desorganização profunda e geral após a abolição, visto que todas as diretrizes de nossa evolução coletiva foram completamente quebradas e desviadas. Para ele, quando os negros se mantinham na disciplina rígida da senzala, conservavam costumes de moralidade e sociabilidade da raça superior, e quando foram entregues à sua própria direção, degeneraram-se. Por outro lado, faz uma distinção entre mulatos superiores e mulatos inferiores. Os superiores estariam mais próximos dos arianos, pelo caráter e pela inteligência, suscetíveis mesmo de arianização e capazes de auxiliar os brancos no processo de organização e civilização do país, deslocando-se para a aristocracia. Os mestiços inferiores, por outro lado, conservavam as qualidades da raça inferior. Na opinião de Dante Moreira Leite, poucos brasileiros escreveram palavras tão cruéis e injustas a respeito dos negros, demonstrando a crueldade do domínio de um grupo por outro e a hierarquização da sociedade de acordo com as raças.

Segundo Viana, o móvel de ação do comportamento é sempre psicológico e as características psicológicas resultam das raças. Acreditava numa arianização progressiva, na medida em que a imigração ariana fazia com que as raças inferiores fossem absorvidas, além da maior mortalidade de negros e mestiços. Chegava mesmo a afirmar que a abolição retardou a eliminação do africano, visto que, mantido em cativeiro, teria desaparecido mais rapidamente, devido à espantosa mortalidade e à baixa natalidade. Arthur Ramos, pesquisador de uma geração mais recente (anos 1930), por sua vez, reconhecia as qualidades da obra de Nina Rodrigues, mas não a repetia simplesmente, renovava os seus métodos e as suas teorias, sendo o grande divulgador do novo conceito de cultura. Não absorveu a doutrina de superioridade racial e denunciou os sofrimentos vividos pelos negros brasileiros.

Todavia, apesar do negro não ser visto como uma raça inferior era possuidor de uma cultura inferior, da qual deveria se libertar. A concepção evolucionista permanecia. Sua teoria baseava-se em dois modelos de pensamento: o lógico, do civilizado; e o pré-logico, do primitivo. Se Nina Rodrigues falava de raça, Arthur Ramos falava de cultura, mas ambos concluíam que o negro brasileiro ainda não podia acompanhar a civilização e dificultava o branco brasileiro a sair do primitivismo. A questão é que a influência negra seja ela racial ou cultural, era um dos fatores do atraso da cultura brasileira.

O caso francês pode nos auxiliar na compreensão dos rumos tomados pela discussão racial. Também lá, na França, o debate ocorre em um momento de transformação do Antigo Regime francês, com a perda gradativa dos privilégios da tradicional aristocracia feudal francesa e o enobrecimento de um novo grupo social. Esse processo vai gerar, assim como no Brasil - conforme interpretação de Schwarcz – uma reação das elites tradicionais com argumentos baseados em justificativas raciais, que visavam, como já indicado, a manutenção da secular hierarquia. Boulainvilliers, por exemplo, afirmava nas primeiras décadas do século XVIII que a tradicional aristocracia francesa era descendente dos francos, que, por sua vez, descendiam dos germanos/arianos. Germanos e francos eram, segundo o autor, povos livres e conquistadores, não escravizaram e não se tornaram escravos, sendo vitoriosos na disputa com os romanos. A plebe, por sua vez, descendia dos gauleses (descendentes dos romanos). Portanto, a aristocracia possuía o direito histórico de dominar, pois era superior e mais forte.

Como vimos, de acordo com certas interpretações, as teorias racistas teriam sido apropriadas tardiamente no Brasil, mas o consumo dessas teses foi feito de forma proposital, estratégica mesmo, buscando responder questões nacionais. No que, para um modernista, confirmaria a nossa tradição antropofágica, a supervalorização das ciências naturais, tendo na biologia o principal modelo analítico, não foi realizada de forma aleatória, através da incorporação grosseira ou meramente imitativa das teses européias. Ao contrário, utilizaram-nas de forma original, sabendo extrair o que melhor lhes convinha, na tentativa de recriar a hierarquia social e de responder às questões que se colocavam no contexto da abolição da escravatura.

A elite intelectual que estava sendo formada nas faculdades de Direito e Medicina, em sua maioria, não estava disposta a aceitar uma teoria na qual o progresso e o desenvolvimento eram privilégios dos brancos das zonas temperadas. Por mais que aceitassem como verdades científicas grande parte dos estudos realizados na Europa, precisavam adapta-los à realidade nacional (já largamente miscigenada), para que não ficassem condenados ao fracasso e à degeneração. Por esse motivo, parte significativa da minoria letrada brasileira, embora acreditasse na inferioridade do negro, não defendia a segregação. Ao contrário, seria através da mistura, da miscigenação, que o país eliminaria as influências negativas e superaria o atraso.

As ambigüidades eram constantes e refletiam claramente a intenção de adaptar as teorias européias à realidade nacional, buscando uma saída positiva. Se o português prejudicou a formação do povo brasileiro, por ser o elemento inferior europeu, latino e não anglo-saxão, também beneficiou. Afinal, foi graças à ausência de rigidez e a uma maior capacidade de mistura, típica dos latinos, que o sangue negro pôde ser diluído, podendo levar, futuramente, ao seu completo desaparecimento na composição étnica do brasileiro. A miscigenação e a mistura com raças inferiores eram condenadas, mas, ao mesmo tempo, louvadas. Se por um lado o mestiço era inferior ao branco europeu, por outro lado, a mistura do europeu com o negro criava o tipo ideal para os trópicos, graças ao vigor físico dos africanos. Do mesmo modo, somente a miscigenação seria capaz de eliminar as raças inferiores. A solução segregacionista norte-americana, para a grande maioria, passava a ser considerada uma péssima estratégia, pois permitia o fortalecimento e o crescimento dos negros.

Apesar da influência das teorias racistas, principalmente nas políticas públicas de incentivo à imigração européia, é preciso salientar, mais uma vez, que o “racismo pseudocientífico” era propriedade da elite, da minoria alfabetizada ciente das correntes de pensamento européias, e presente no interior dos grupos mais abastados da sociedade brasileira. A maioria da população, muito provavelmente, não participou desse debate. As práticas preconceituosas e discriminatórias que ocorriam no cotidiano estavam associadas à anterior condição de escravo, às práticas culturais/religiosas e à aparência física, e não a um posicionamento que identificava no “negro” e no mestiço uma inferioridade genética, biologicamente irreversível. Todavia, não é implausível supor que, através de ações sofridas cotidianamente, muitos negros, sobretudo os mais em contato com a população abastada, interiorizassem os valores expostos por essas teorias, disseminadas pela elite dominante. Como afirma Dante Moreira Leite:

“...o grupo dominado acaba por se ver com os olhos do grupo dominante, a desprezar e a odiar, em si mesmo, os sinais do que os outros consideram sua inferioridade”.

O próprio José Correia Leite, um dos fundadores da Frente Negra Brasileira e um dos mais importantes líderes do movimento negro do século XX, confessava:

“No começo eu fui influenciado pelo fato de muita gente ter admiração pelo índio. Também entrei nessa de ser descendente de índio. Não conheço muito bem a minha origem, mas como o índio é uma das três raças da formação da nacionalidade brasileira, então eu fiquei nessa de dizer que a minha descendência era de índio. Eu queria fugir do mulatismo para entrar nessa linhagem do branco com o índio, tirando o africano do meio”.

Apesar dos aspectos negativos apresentados, torna-se necessário reconhecer o efeito duplo e paradoxal operado pela ideologia do branqueamento na organização do movimento negro no Brasil. Por um lado, como nos revelou Correia Leite, dificultou a organização e união de um grupo que se identificasse como afro-descendente, na medida em que essa identificação era desqualificada e, portanto, rejeitada. Por outro lado, ao legitimar a existência de um grupo “racial” discriminado, tendia a contribuir para a criação de laços de solidariedade e para a construção de uma identificação coletiva, base necessária para a organização de um movimento social.

Paralelamente, notamos que, embora com objetivos e justificativas racistas – eliminar a influência física e cultural dos africanos – grande parte da minoria letrada do Brasil defendia um processo de integração e miscigenação. Desde o início de sua formação, a sociedade brasileira passou por um intenso processo de miscigenação, principalmente por conta da desproporção numérica entre homens e mulheres. Era uma realidade incontestável, que não tinha como ser camuflada. A solução vislumbrada pela elite intelectual, com significativa parte mestiça, foi transformar este fato em uma estratégia original, capaz de criar um povo forte e capaz. A miscigenação, que era simplesmente um fato no período colonial, passa a ser teorizada como estratégia por parte dos intelectuais nacionais, e, posteriormente, vai ser consolidada como a principal característica e maior qualidade do povo brasileiro.

Segundo Ivana Stolze Lima, na passagem do século XIX para o século XX ocorre a denominada "objetivação do mestiço”. Embora a realidade mestiça da população brasileira já fosse reconhecida desde o período colonial, é nesse momento que o mestiço e a mestiçagem tornam-se objeto de discurso da elite intelectual e política. No período de consolidação da ordem republicana, a busca por "conhecer, regularizar e curar" a sociedade brasileira era imperativa. A suposta homogeneidade do povo brasileiro, vista como necessária para a consolidação da nova nação em vias de construção, identificava no mestiço a saída possível, a harmonia necessária.

Visto isso e, considerando, como já detectado, que a liderança da Frente Negra era composta por uma elite letrada, podemos concluir que as teorias racistas estavam presentes entre os variados discursos que influenciaram a formação ideológica e a respectiva estratégia de ação da FNB. Por um lado, através da incorporação de alguns elementos, por outro, pelo repúdio e tentativa de desconstrução desses axiomas.”


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Fonte:
Laiana Lannes de Oliveira: “ENTRE A MISCIGENAÇÃO E A MULTIRRACIALIZAÇÃO: BRASILEIROS NEGROS OU NEGROS BRASILEIROS? OS DESAFIOS DO MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO NO PERÍODO DE VALORIZAÇÃO NACIONALISTA 1930-1950 – A FRENTE NEGRA BRASILEIRA E O TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor. Área de concentração: História Social. Orientadora: Profa. Dra. Martha Abreu). Universidade Federal Fluminense. Niterói,2008.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Um comentário:

  1. Ótima postagem para esclarecimento da origem destas questões tão atuais !

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