Racismos através da história

“Os conceitos de “raça”, cultura e religião têm sido evocados ao longo da História, visando à reconstrução hierárquica nas sociedades humanas. As diferentes ideologias sobre raça despontam com intuito de se perpetuarem e justificarem as várias formas de dominação de um homem sobre o outro.

Manifestaram-se em torno do século XVIII e a cor da pele se transformam em novo paradigma denunciador de uma nova desigualdade social, porém antes disso, outras teses sobre discriminação, com variegadas denominações, surgiram nas sociedades.

O termo “bárbaro” utilizado por Aristóteles para denominar outros povos que não os gregos possuía a conotação de indivíduos desprovidos de razão, não civilizados, estranhos.
No mundo cristão europeu da Idade Média, a expressão foi substituída pelo termo “pagão”, continuando a gerar perseguições e mortes.

Da Idade Média ao início do século XIX, surgiu a ideologia da “pureza de sangue”, orquestrada pela Igreja Católica e utilizada enquanto instrumento da Inquisição, que perseguia todos os indivíduos que não professassem a fé católica.

Com a chegada do europeu no continente americano, os nativos aí encontrados foram classificados de “selvagens”, por estarem desprovidos de formação católica e andarem despidos.

As diferenças fenópticas existentes entre indivíduos constituíam uma ameaça a ser afastada e foi nesse contexto que surgiram teorias com o intuito de aplacar essas diferenças.

A chamada “Missão Civilizadora” dos europeus preconizava que os povos colonizadores tivessem a obrigação de levar aos nativos das terras recém-descobertas sua cultura e religião, visto que se consideravam pertencentes a um estágio mais avançado da humanidade. Essa “interpretação” européia conveniente fortaleceu no pensamento teórico-ideológico da época a noção de inferioridade do outro, do diferente, implicando modificações sociais, conservando resquícios negativos até os dias de hoje.

Na América portuguesa, o negro foi arrebatado da África e utilizado como mão-de-obra no trabalho compulsório, situação onde o europeu “reafirmava” sua suposta superioridade em relação a esses indivíduos.

Neste mesmo contexto, o padre jesuíta Antonio Vieira - um expoente religioso e político na América portuguesa, defensor dos nativos, missionário, pregador e escritor – apregoou com louvor que a vinda forçada dos africanos para a América teria sido um projeto de Deus, para a salvação de suas almas.

Devido a importância desse jesuíta, sua fala produziu o fortalecimento das elites brancas, que de longa data já auferiam grandes lucros com a manutenção da escravidão. Ele mesmo e outros padres jesuítas foram grandes proprietários de escravos.

Jacob Gorender, em sua obra “Brasil em Branco e Preto”, elabora uma discussão acerca do Iluminismo, na Europa do século XVIII. Essa doutrina iluminista liberal e democrática, onde se assentaram os conceitos de Igualdade de direitos e Liberdade civil a todos os seres humanos, e que, contraditoriamente, tolerou a permanência da escravidão negra.

Até mesmo Thomas Jefferson, proprietário de escravos no momento da redação da Declaração da Independência dos Estados Unidos, justificou a servidão dos mesmos por serem uma categoria de homens pertencentes a um grau inferior de inteligência.

Essas contradições também se dão no contexto da Independência do Brasil - que teria sido alicerçada nos princípios universais de liberdade.

A grande obra da historiografia brasileira, do ano de 1933, foi Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, que é até hoje, empregada como parâmetro das análises sobre a escravidão e o racismo.

A história brasileira, segundo ele, passa a ser explicada pelo processo da miscigenação. Entretanto, a questão acerca da escravidão amena no Brasil, que teria existido em razão da convivência doméstica dos africanos na casa grande, parece ignorar o drama vivido dentro das senzalas e em torno dos troncos, dos açoites e dos diversos outros instrumentos de castigos.

O nazi-fascismo (1933-45) simboliza o ápice do preconceito racial no mundo, que exterminou milhões de indivíduos pelo simples fato de serem judeus, ciganos ou eslavos, que segundo a ideologia dos poderosos da época, não eram portadores da pureza de sangue e conseqüentemente deveriam ser banidos daquela sociedade.

Não podemos nos esquecer que muitos dos judeus exterminados pelos nazistas eram possuidores de bens móveis e imóveis e essas fortunas automaticamente passaram para as mãos de seus torturadores.

Essa discriminação escondia os interesses escusos da elite governante, com o propósito não declarado de tomar posse da situação privilegiada dos seus supostos inimigos. Na ideologia da época, o negro era visto como um ser inferior, que necessitaria ser assimilado e assim deixar de representar uma ameaça para a sociedade onde foi obrigado a viver. O interesse por trás dessa assimilação estava no fato dele representar “mão- de –obra barata”. Assim sendo se mantiveram os estereótipos de inferioridade do outro, do diferente, como justificativa para a legitimação da escravidão. Justificativa que conseguiu enfraquecer os argumentos dos abolicionistas, permitindo que a escravidão moderna atravessasse mais de três (3) séculos.

O modelo separatista ou diferencialista da África do Sul dividia grupos étnicos dentro de seus próprios territórios, do nascimento até a morte (os chamados Bantustões), culminando no regime de apartheid.

Na Primeira República brasileira, surgiu a interpretação de que miscigenar os segmentos humanos, ditos inferiores, como os nativos e os negros, com os brancos, teria como resultado um branqueamento da população.

Os argumentos de Nina Rodrigues, pioneiro nos estudos das populações de ascendência africana, eram que, em curto espaço de tempo desapareceriam os indivíduos considerados inferiores e com eles o atraso brasileiro. A solução estaria na segregação dos negros e no contínuo branqueamento dessa população.

Se fosse possível o desaparecimento dos negros, haveria de desaparecer também as seqüelas da escravidão provocadas pelos brancos, que assim poderiam se eximir de qualquer culpa ou responsabilidades.

Poderíamos classificar esse “branqueamento” como um extermínio de todos os indivíduos não brancos, que vivessem naquela sociedade e que chamaríamos no contexto atual mundial de limpeza étnica (ou etnocídio); circunstância grave, que esconde questões políticas e interesses não declarados das elites vigentes no poder.”

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Fonte:
MARIA INÊZ NUNES KASAI: “COR, POBREZA E AÇÃO AFIRMATIVA: O PROJETO GERAÇÃO XXI - SP, 1999 / 2006.” (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como requisito para obtenção do grau de Mestre em História Social. Orientador : Professor Doutor Marcos A. Silva). Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2006.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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