Conceito de elite política

"O conceito de elites políticas passa, necessariamente, pela teoria das elites ou elitista, de onde também se deriva o termo “elitismo”. Entende esta corrente que em toda sociedade existe, sempre e apenas, uma minoria que, de várias formas, é detentora do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada. Dentre as formas de poder, social ou estrategicamente mais importantes, impõem-se o poder econômico, o ideológico e o político.

O termo “elites” pode ser conceituado como um conjunto de atributos que, segundo Michels, “são as qualidades as quais certos indivíduos conseguem submeter às massas a seu poder”, como, por exemplo, o status de autoridade, cuja legitimidade provém da complementaridade de sua expressão profissional, social e cultural.

O elitismo foi uma teoria que ficou conhecida por firmar-se como uma crítica às idéias democráticas e socialistas que se difundiam a partir do século XIX. De acordo com Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, em qualquer sociedade, grupo, época ou lugar, havia sempre uma minoria, uma elite, que, por seus dons, sua competência e seus recursos, destacava- se e detinha o poder, dirigindo a maioria. O elitismo visa demonstrar que em qualquer sistema político, mesmo democrático, a direção sempre é concentrada nas mãos da minoria.

É interessante registrar que, para as elites, o brasileiro não tem história, pois aportou no país o português, seu ancestral, tangido para o exílio, enfrentando na colonização índios rudimentares. Assim, dessa sucessão de desencontros originou-se uma civilização que carrega as marcas da sua má gênese. Nessa concepção, o que fica é a forma como age o elitismo no contexto, tendo em vista que despreza fatos de grande importância, relatados por Almeida:

[...]
os que marcaram o século XX no país: o heroísmo dos 18 do Forte de Copacabana, a longa marcha da Coluna Prestes, a Revolução de 1930, a resistência bravia de algumas centenas de heróis trucidados pelo militarismo nos porões dos quartéis e nas florestas do Araguais; silencia sobre os feitos heróicos do brasileiro que atravessou décadas de ditaduras – a do Estado Novo e a militar de 1964, sem uma palavra contra os truculentos e bárbaros ditadores, de Vargas a Figueiredo. Por outro lado, uma profusão de obras literárias exaltando o poder dos seus sátrapas foi editada e elaborada numa literatice de futilidades. O conceito de visão de mundo e de ideologia é hoje situado como um capítulo das ciências sociais, de alta importância.

Por conseqüência disso, num universo complexo, a sociedade brasileira tem no seu comando elites egoístas e inteligentes. É difícil situar um processo de ligação entre indivíduos e grupos sociais para poder então, se formar uma consciência da realidade. Sobre isso podemos dizer que, desde os séculos da colonização até os dias de hoje, existe um entrelaçar de realidades que colidem. Esses embates são fruto criativo de classes sociais e, de ordens que se inter-relacionam, fazendo surgir sentimentos profundos, impulsionados por uma espécie de inconsciente coletivo de revolta, gerando o medo e a violência, especialmente esta que assola nosso país de norte a sul sem que suas causas possam ser abrandadas. Dessa forma, é nesse mundo complexo de relações estabelecidas entre um processo ideológico imposto pelas elites dirigentes e grupos sociais suscetíveis de mudança que podemos enxergar a realidade sociopolítica de uma sociedade como a nossa.

Para entender as elites, bem como o porquê de em todas as épocas, por exemplo, as organizações bancárias e as megaempresas transnacionais merecerem mais atenção dos cofres do Estado do que aquelas que realmente necessitam, devemos perceber essas atitudes do prisma da ideologia elitista. A historiografia, o ensino da história, a memória histórica, relacionados entre si, são influenciados pela ideologia dominante de cada época. Por isso, o estudo de um recorte político e econômico, como o que nos propomos fazer, demonstra que no período de 1930 a 1945 instalou-se uma organização social servil às exigências de acumulação de riquezas nas mãos dos privilegiados pelos regimes autocráticos.

No Brasil, o Estado privatizou dezenas de institutos, autarquias, empresas de economia mista, fortalecendo o poder da aristocracia rural e das oligarquias. Na ditadura de Vargas foram criados os institutos do café, do açúcar, do mate, do sal, do cacau, da madeira, e outros similares; também os bancos estaduais, para atender, abertamente, aos coronéis oligárquicos. Tudo isso se deu em nome de uma ideologia do desenvolvimento, porém, na realidade, sabemos que esta representa “a consciência social de uma época ou de um grupo”. Por isso a importância de entendermos a teoria das elites.

Para Reis, a ideologia autoritária de Vargas restituiu a construção do Estado mais importante da história do Brasil, pois após a Revolução de 1930 o regime de Vargas se constituiu na implementação de um projeto modernizante de cima para baixo, que impulsionou, em primeiro lugar, a construção tanto do Estado como da nação. Fica evidenciado que a ideologia autoritária encontrava apoio não apenas dentro do poder do Estado, mas também em numerosos setores da sociedade que anteriormente eram excluídos da arena política.

Mannheim, ao se referir ao conceito de “ideologia”, diz que reflete uma das descobertas que resulta do conflito político, ou seja, a de que os grupos dominantes podem tornar-se tão intensamente unidos por interesse a uma determinada situação que simplesmente não são mais capazes de observar certos fatos que iriam abalar seu senso de dominação. Está subentendida na palavra “ideologia” a idéia de que, em algumas situações, o inconsciente coletivo de certos grupos encobre a condição real da sociedade.

Em se tratando de ideologia política, para Mannheim:

Na discussão política nas democracias modernas, onde as idéias são mais claramente representativas de certos grupos, a determinação social e existencial do pensamento tornou-se mais facilmente perceptível. Em princípio, foi a política que primeiro descobriu o método sociológico no estudo dos fenômenos intelectuais. Foi basicamente nas lutas políticas que os homens pela primeira vez tomaram consciência das motivações coletivas inconscientes que sempre guiaram a direção do pensamento. A discussão política é, desde o início, mais do que argumentação teórica; ela é o desfazer-se de disfarces – o desmascaramento dos motivos inconscientes que ligam a existência em grupo a suas aspirações culturais e a seus argumentos teóricos. Contudo, à medida que a política moderna empregava em suas batalhas armas teóricas, o processo de desmascaramento penetrava as raízes sociais da teoria.

Instaladas no poder, as elites dominantes estabelecem a sua ideologia, A bem da verdade, não é a vontade dos grupos sociais que determina os rumos do Estado, tampouco o indivíduo que, isolado, sustenta os seus interesses, mas, antes, são as elites dirigentes que, possuindo e exercendo o poder de comando sobre o Estado, órgãos e instituições, asseguram as prerrogativas e, conseqüentemente, as vantagens que desfrutam sobre determinado grupo.

Com relação à questão da dominação, apresenta a probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo determinado para mandatos específicos (ou para toda sorte de mandatos). Não consiste, portanto, em toda espécie de probabilidade de exercer poder ou influência sobre outros homens. No caso concreto, a dominação, autoridade, no sentido indicado, pode indicar os mais diversos motivos de submissão, desde o hábito inconsciente até o que são considerações puramente racionais segundo fins determinados.

Tomando-se como base a análise de Mayer, o termo “elites”, carregado de valores, só se definiu como tal de forma plena no final do século XIX, quando recebeu sua mais ampla e corrente aceitação em sociedades dominadas pelo elemento feudal. Contudo, por toda a Europa as teorias da elite espelhavam e racionalizavam práticas predominantes correntes, ao mesmo tempo em que serviam como arma na batalha contra o nivelamento político, social e cultural.

As elites estão no poder não só porque detém a propriedade dos meios de produção e o aparelho do Estado, mas porque tem competência para detê-los, ou seja, porque são detentoras do saber. Para Benjamin, “se, enquanto maior, o dominante é representado como um senhor, enquanto detentor do saber tende a ser representado como melhor”.

A formulação, hoje tornada clássica, da teoria das elites dada por Gaetano Mosca no ano de 1896, é a seguinte:

Entre as tendências e os fatos constantes que se acha em todos os organismos políticos, um existe cuja evidência pode ser a todos facilmente manifesta: em todas as sociedades, a começar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que são apenas chegadas aos primórdios da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, cumpre todas as funções públicas, monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estão anexas; enquanto que a segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira, de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitrário e violento, fornecendo a ela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os que são necessários à vitalidade do organismo político.

Mills explica que o cerne das elites do poder consiste, sobretudo, naqueles que permutam entre si os papéis de comando no alto da ordem institucional dominante com aqueles que ocupam tais postos em outra ordem. Nesse sentido,

o almirante que é também banqueiro e o advogado que chefia uma importante comissão federal; o diretor de empresa cuja companhia foi uma das duas ou três principais produtoras de material bélico é hoje o Secretário da Defesa; o general da guerra que vestiu roupas civis para sentar-se no diretório político e tornar-se em seguida membro da junta de diretores de uma importante empresa. Embora o diretor que se torna general, o general que se torna estadista, o estadista que se torna banqueiro, vejam em seus respectivos ambientes, homens que nada tem em comum, num ambiente também incomum, suas perspectivas continuam ligadas a seus locais de origem. Durante sua carreira, trocam de papéis, e com isso transcendem prontamente a particularidade de interesses de qualquer um desses meios institucionais. Pelas suas carreiras e atividades, entrelaçam, unindo-os, os três tipos de ambientes onde atuam. São, portanto, o cerne da elite do poder. (grifo nosso).

Bottomore adota a expressão “classe política” para denominar elite política, porém compreende os chefes de partidos políticos que estão excluídos do governo e representantes de novos interesses sociais ou classes, bem como de grupos de homens de negócios e intelectuais ativos politicamente, como contra-elite. A classe política também compreende a contra-elite, que pode ser entendida como os representantes dos partidos políticos opositores ao governo.

Adotaremos nesse estudo como conceito de elites políticas um grupo reduzido de pessoas que têm o controle político de uma sociedade por ocupar cargos no âmbito do poder institucional. Ou seja, pessoas que ocupavam posições formais de poder.

É importante esclarecer que, nas diferentes abordagens temáticas da produção historiográfica, o político tem se apresentado como um campo alargado, não mais restrito e exclusivo ao administrativo, institucional e ao militar. Para Capelato, “a preocupação com os aspectos políticos da história política indica uma tendência importante da historiografia brasileira atual”, relacionando, dessa forma, o significado do interesse pela historiografia do político com as mudanças históricas nos últimos anos, tanto no plano internacional quanto no nacional.

Os conceitos delineadores desta pesquisa demonstram que profundas mudanças se iniciaram no campo socioeconômico e no campo político, pois existe sempre uma negociação das elites ou entre grupos sociais que visam ao poder político, desde que esses grupos não coloquem em risco a distribuição do poder político. Igualmente, demonstramos ao longo do processo dissertativo que as elites políticas brasileiras, quando se sentiam ameaçadas de perderem o poder político, articulavam-se e utilizavam-se de negociações entre si, de modo a manterem a estrutura do poder brasileiro que lhes era favorável.

Reforçando nossas colocações, podemos afirmar que em toda a sociedade organizada as relações entre os indivíduos ou grupos que a caracterizam são desiguais, e a principal causa desta disparidade reside na distribuição desigual do poder, ou seja, no fato de que o poder tende a ficar concentrado nas mãos de um grupo restrito de pessoas. Nesse contexto, o poder maior é o político e aqueles que detêm esse tipo de poder são sempre a minoria; sendo que um dos motivos atribuídos ao fato dessa minoria conseguir dominar um número bem maior de pessoas reside no fato de que os membros das elites políticas, sendo poucos e tendo interesses comuns, têm conexão entre si e são solidários pelos menos na manutenção das regras do jogo, que permitem, ora a uns, ora a outros, o exercício alternativo do poder.”


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Fonte:
Maria Eloisa Cavalheiro: “SABES COM QUEM ESTÁS FALANDO?” ELITES POLÍTICAS NO PLANALTO MÉDIO GAÚCHO - 1930-1945”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Doutorado, Área de Concentração em Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Regional. Orientador: Prof. Dr. Mário Riedl – UNISC; Co-Orientadora: Profa. Dra. Loiva Otero Félix - UFRGS). Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Santa Cruz do Sul, abril de 2008.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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