Os atrativos da violência na televisão

“Entre os atrativos da violência nos meios de comunicação salienta-se o papel que desempenha no controle social, na medida em que implica psicologicamente os espectadores nas tramas apresentadas. Para Grisolía (1998), grande parte da tragédia clássica moderna versa sobre o conflito entre as normas sociais. A estrutura de muitas obras atuais permite colocar-se no lugar de um malfeitor perseguido pela justiça, fato que devolve os espectadores a seus papéis usuais de bons cidadãos.

Em muitas ocasiões os malfeitores apresentam características de um grupo determinado. Isto reforça nossos preconceitos sociais e contribui para a marginalização destes grupos. Este aspecto da violência, além disto, nos reconforta, já que parece confirmar que nossos preconceitos pessoais são corretos, ainda que na realidade não o sejam
. (GRISOLÍA, 1998, p.38)

Segundo o mesmo autor, o sentido de aleijamento do mundo natural também desperta o interesse pelos entretenimentos violentos:

...experimentamos uma certa carência que poderíamos expressar como falta de significado da vida, falta de contato com o vivo, com algo mais intenso, com algo de concreto: sem abandonar nossas vidas cômodas e cotidianas, podemos sentirmo-nos desta maneira em algo que parece mais verdadeiro e real nas representações violentas
. (GRISOLÍA, 1998, p.39)

Ferrés (1998) lembra que o cinema e a televisão, assim como a literatura universal de todos tempos, nutrem-se fundamentalmente de desgraças, catástrofes, tragédias, perigos e ameaças; uma espécie de viagem aos abismos interiores. Assim, da mesma maneira que em psicoterapia não pode haver bons resultados sem que o paciente se relacione de alguma maneira com o mal, nas experiências cinematográficas e televisivas, do ponto de vista dos produtores, não se pode obter bons resultados sem que o espectador esteja empenhado em uma viagem metafórica a seu inferno particular.

Disto depreende-se que as experiências cinematográficas e televisivas permitam viver o que na aparência se rejeita. Conforme Freud (1920), o prazer associado ao desprazer é o setor mais obscuro e impenetrável da vida humana. Na obra "Além do princípio do prazer", Freud expôs a hipótese da oposição entre
thanatos, o instinto da morte, e eros, o princípio da vida. Ambos convivem - freqüentemente em luta - no mais íntimo do psiquismo humano, o instinto de vida, de construção, e o impulso de morte, de destruição, de retorno ao estado primitivo de inexistência.

Um dos traços que mais sobressaem nas televisões durante os últimos anos é a exibição impudica dos sentimentos como recurso infalível para o aumento da audiência. Algo que poderia ser chamado de “pornografia dos sentimentos” (Ferrés, 1998, p.80). Está comprovado que a utilização demagógica da dor alheia vende e, desta maneira, é explorada tanto nos noticiários como nos
reality shows. Na maioria das vezes o que se busca não é analisar as situações de dor, acrescentando racionalidade à emotividade, mas tomar de assalto as sensibilidades, anulando toda racionalidade e convertendo a lágrima em espetáculo. Nesta perspectiva, os problemas são banalizados, trivializados. Não existe preocupação em lançar um pouco de luz sobre situações dolorosas, senão com o seu aproveitamento comercial.

No mesmo sentido, para Sodré (1996), a violência é um operador semiótico que permite hibridações ficcionais entre realidade e imaginário. Sobre a realidade da violência urbana, a mídia enxerta a realidade imaginária da ficção passada e presente. O que um filme de catástrofes, por exemplo, propõe ao espectador é que se auto-reconheça no que vê na tela. Não se trata mais da velha identificação projetiva com uma figura mítica e distante - na qual se dá a perda de si no outro - mas um espelhamento total, com vistas à conservação imaginária de si mesmo.”

---

Fonte:
ALEX NICHE TEIXEIRA:"A Espetacularização do Crime Violento pela Televisão: O Caso do Programa Linha Direta". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Prof. Orientador Dr. José Vicente Tavares dos Santos. Porto Alegre, 2002.


Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!