A visão racista de Gustavo Le Bon

“O capítulo II do terceiro livro da obra de Le Bon, intitulado “Aplicação dos princípios precedentes ao estudo comparado da evolução dos Estados Unidos da América do Norte e das repúblicas hispano-americanas”,30 ocupa-se em demonstrar que a alma de um povo termina por reger os destinos deste, a despeito das instituições. Para este fim o autor elege como região de estudo a América, caracterizada por viverem, uma ao lado da outra e em condições de meio pouco diferentes, duas raças européias, civilizadas e inteligentes, com apenas o caráter divergente: ingleses e espanhóis, raças que Le Bon considera superioras – tendo os ingleses atingido o nível máximo de civilização, com espanhóis um pouco inferiores –, são os responsáveis pela conquista e colonização de cada um dos territórios.

Vivendo em constituições republicanas semelhantes, pois as repúblicas sulamericanas tomaram como modelo os Estados Unidos, prossegue Le Bon, apenas as diferenças entre as raças explicam a diferença de desenvolvimento entre os diversos povos da América, com vantagem para os anglo-saxões: do mesmo nível intelectual que as outras civilizações superiores, destacam-se no pragmatismo, na força de vontade, no otimismo e no desprezo pelo estrangeiro, a ponto de, para com este, toda regra moral desaparecer. O inglês não hesita em considerar legítimos atos praticados contra outros povos que, conforme o autor, provocariam profunda indignação se aplicados contra seus compatriotas.

Le Bon afirma que, em qualquer lugar do globo para onde emigre, aí o povo inglês preponderará, seja exterminando uma raça fraca e pouco utilizável como os peles vermelhas americanos, seja reduzindo uma raça numerosa e produtiva, como a população da Índia, à vontade de seus senhores. “’É, porém, num país novo, como a América, que devemos principalmente acompanhar os progressos espantosos devido à constituição mental da raça inglesa”. Prossegue o autor que “nos Estados Unidos só é possível prosperar quem possua as qualidades de caráter que acabamos de indicar”, e as

“condições de existência são tais que todos aqueles que não possuam as qualidades indicadas estão condenados a desaparecimento rápido; nesta atmosfera, saturada de independência e de energia, só pode viver o anglo-saxão; o italiano morre aí de fome, o irlandês e o negro conseguem vegetar em condições perfeitamente subalternas”.

Uma vez expostas considerações a respeito da constituição e do caráter da população dos Estados Unidos, Le Bon passa a discutir o destino de um, em suas palavras, país quase semelhante, nas mãos de uma raça muito inteligente, porém sem possuir as qualidades de caráter anteriormente discutidas. A América do Sul é uma das regiões mais ricas do globo, com população de origem espanhola e portuguesa, dividida em numerosas repúblicas. Porém,

“pelo fato de a raça ser diferente e lhe faltarem as qualidades fundamentais que possui a raça que povoa os Estados Unidos, todas estas repúblicas, sem exceção, são presa perpétua da mais sangrenta anarquia e, não obstante as extraordinárias riquezas do seu solo, sossobram, umas após as outras, em delapidações de toda espécie, falências e despotismos.”

Le Bon afirma que a origem da decadência das repúblicas latino-americanas está na constituição mental de uma raça sem energia, sem vontade e tampouco moralidade. A república Argentina, república apenas no nome, não passaria de uma oligarquia de indivíduos ocupados em fazerem da política, negócio. Apenas um país, o Brasil, escapara um pouco a tão profunda decadência, visto que o regime monárquico colocava o poder distante de competidores. Porém, demasiadamente liberal para raças sem energia e sem vontade, a monarquia brasileira permitira, conforme Le Bon, que o país caísse em completa anarquia.

Ao concluir sua análise sobre a América, Le Bon escreveu que

“não é só na política, muito naturalmente, que se manifesta a decadência da raça latina que povoou a América, mas sim em todos os elementos da civilização. Reduzidas aos seus próprios recursos, estas desgraçadas repúblicas regressariam ao barbarismo puro; toda a indústria e todo o comércio está em mãos de estrangeiros: ingleses, americanos e alemães. Valparaíso é uma cidade inglesa e nada ficaria no Chile se lhe tirassem os estrangeiros; mercê destes é que estas regiões conservam ainda um verniz de civilização que ilude a Europa. A república Argentina tem quatro milhões de brancos de origem espanhola; não sabemos se poderemos citar um branco que seja, além dos estrangeiros, que se encontre à frente duma indústria verdadeiramente importante. Esta terrível decadência da raça latina, abandonada a si mesma, posta em confronto com a prosperidade da raça inglesa numa região vizinha, é uma das mais sombrias, mais tristes e, ao mesmo tempo, das mais instrutivas experiências que podemos citar para apoio das leis psicológicas que expusemos.”

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Fonte:
MAICOL MARTINS DE LÓPEZ COELHO: "FORTE E BONITO COMO O BARÃO: CIÊNCIA E PROPAGANDA NO BRASIL; INÍCIO DO SÉCULO XX". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em HISTÓRIA DA CIÊNCIA, sob a orientação da Profa. Doutora Márcia Helena Mendes Ferraz). São Paulo, 2005.

Nota
:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada.

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